21 de Dezembro de
2023 Robert Bibeau
Por M.K. Bhadrakumar – 17 de Dezembro
de 2023 – Fonte Indian Punchline
Durante a sua conferência de imprensa de fim de ano, que durou quatro horas, o Presidente russo, Vladimir Putin, fez algumas observações importantes sobre o conflito na Ucrânia, que lançaram luz sobre a provável trajectória da guerra até 2024. É certo que a Rússia não aceitará um "conflito congelado" que não atinja os objectivos estabelecidos por Putin no início das operações militares especiais, em Fevereiro do ano passado.
Putin disse:
Haverá paz quando
tivermos atingido os nossos objectivos... Voltemos a esses objectivos, eles não
mudaram. Gostaria de vos recordar como os formulámos: desnazificação, desmilitarização e estatuto de
neutralidade para a Ucrânia.
Afirmou que a desnazificação e a desmilitarização são trabalhos em curso, deixando de lado a questão crucial do estatuto de neutralidade da Ucrânia, uma noção que o Ocidente colectivo rejeita categoricamente, continuando a sua intervenção sob novas formas, apesar do fracasso da contra-ofensiva de Kiev, que durou meses. Em vez disso, a tónica é colocada na criação de uma indústria de defesa ucraniana forte e resistente, com tecnologia e capital ocidentais, para afastar qualquer futura ameaça militar russa.
No que diz respeito à desnazificação em particular, Putin disse que durante as negociações em Istambul, em Março do ano passado, Kiev se tinha mostrado receptiva à ideia de legislar contra a propagação da ideologia extremista, mas que este assunto tinha sido relegado. Quanto à desmilitarização, a ideia nunca ganhou terreno, porque a Ucrânia começou a receber armas "ainda mais numerosas do que as prometidas pelo Ocidente".
Por isso, a Rússia não tem outra opção senão continuar a destruir as capacidades militares da Ucrânia, o que está no centro do processo de desmilitarização. Mas Putin acredita que certos parâmetros ainda podem ser negociados e, de facto, "acordámos esses parâmetros [com os negociadores ucranianos] durante as conversações de Istambul; embora tenham sido posteriormente rejeitados, chegámos a um acordo". A alternativa a um acordo sobre a desmilitarização é "resolver o conflito pela força. É isso que vamos tentar fazer". Mas, para isso, Putin excluiu uma nova mobilização, porque "até ao fim do ano, já haverá cerca de meio milhão de pessoas [na zona de guerra]".
Estas declarações têm a marca de um estadista que fala a partir de uma
posição de força e que está consciente disso. Putin afirmou que as forças
russas "estão a melhorar a sua
posição em quase toda a linha de contacto. Quase todas elas estão envolvidas em
combate activo. E a posição das nossas tropas está a melhorar ao longo de toda
[a linha de contacto]". Putin não mostrou qualquer vontade de chegar a
um compromisso com os Estados Unidos e a União Europeia.
Significativamente, Putin declarou que a parte sul da Ucrânia "sempre foi território russo... Nem a Crimeia nem o Mar Negro têm qualquer ligação com a Ucrânia. Odessa é uma cidade russa". Esta declaração é ameaçadora, pois implica que a operação russa poderá, afinal, estender-se a Odessa, que fica na margem ocidental do rio Dnieper, e ainda mais a oeste, ao longo da costa do Mar Negro, até à Moldávia, tornando a Ucrânia num país sem litoral. É de esperar um conflito prolongado.
Pelo contrário, as notícias dos meios de comunicação social norte-americanos que citam responsáveis dos EUA dão a impressão de que não há vontade de deitar a toalha ao chão nesta fase. Isto baseia-se, evidentemente, na convicção de que a Rússia terá dificuldade em atingir os seus objectivos e que, no final de 2024, a maré da guerra poderá mudar e a Rússia poderá ser forçada a fazer cedências. Os EUA e os militares ucranianos estão, portanto, a desenvolver uma nova estratégia que poderá ser implementada no início de 2024, com a ênfase americana em manter o território que a Ucrânia controla actualmente e criar raízes.
Segundo o New York Times, o exército ucraniano adoptou uma "política de avanço". O Pentágono vai colocar um general de três estrelas em Kiev com o objetivo de "reforçar o aconselhamento militar presencial que presta à Ucrânia". Este poderá ser o início do envio de conselheiros militares americanos para a Ucrânia para supervisionar a guerra, dando ao Pentágono um papel directo na gestão das operações, tanto a nível táctico como estratégico.
Entretanto, o Senado dos EUA ainda não se pronunciou sobre o pedido da administração de 61 mil milhões de dólares de financiamento adicional para a Ucrânia. É provável que o Senado acabe por aprovar o projecto de lei, dado que os legisladores republicanos apoiam largamente o esforço de guerra. A administração insiste que a Rússia tem uma agenda "imperial" em relação aos países da NATO e que os interesses vitais dos EUA estão em jogo quando se trata de impedir a Rússia de ganhar a guerra.
Curiosamente, há dois dias, o Congresso aprovou
legislação que impediria qualquer Presidente de retirar os
Estados Unidos da NATO sem a aprovação do Senado ou do Congresso. Do mesmo modo, a
Europa está também a adoptar uma visão a longo prazo de que o aumento da
produção de armas pela Rússia para apoiar as suas operações na Ucrânia
representa uma ameaça real para a Europa, especialmente para os Estados
Bálticos, a Geórgia e a Moldávia. Na semana passada, o secretário-geral da
NATO, Jens Stoltenberg, avisou: "Se Putin ganhar na Ucrânia, há um risco real de que a
sua agressão não pare por aí".
O ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, ecoou esse sentimento, dizendo no sábado que a Europa precisa fortalecer as suas capacidades de segurança e defesa para responder à ameaça representada pela Rússia, dado que os Estados Unidos provavelmente reduzirão o seu envolvimento no continente nos próximos anos e se voltarão cada vez mais para a região do Pacífico na próxima década. Como ele afirmou, " Não se trata apenas de um simples golpe de espada. Os perigos podem estar à frente no final desta década."
A mensagem que emergiu
da reunião do Conselho Europeu em Bruxelas na passada sexta-feira é também que,
apesar da oposição da Hungria, os líderes da UE estão a trabalhar para garantir
que a Ucrânia ainda receba os 50 mil milhões de euros em ajuda destinada a
apoiar a sua economia destruída – se necessário, tomando a decisão radical de
sacrificar a unidade da UE e fornecer o dinheiro numa base bilateral. Espera-se
que os dirigentes da UE voltem a reunir-se no final de Janeiro ou início de Fevereiro
para desbloquear o impasse.
Na sexta-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia emitiu um
comunicado saudando a abertura das negociações de adesão à UE e expressando optimismo
sobre o pacote de ajuda de 50 mil milhões de euros de Bruxelas. Apesar desta
retórica forte, também a Rússia tem de sentir que a UE acabará por encontrar
uma forma de resolver a questão financeira. Para já, o impasse entre Bruxelas e
Washington sobre a ajuda criou um clima de incerteza, que não é bem recebido
por Kiev e joga a favor do argumento russo.
No geral, os comentários contundentes de Putin na quinta-feira mostram que
os EUA não vão a lugar nenhum além de permanecer no terreno na Ucrânia e que o
plano de jogo do governo Biden é reformular a estratégia de guerra para
fortalecê-la e torná-la sustentável até às eleições de Novembro de 2024.
A esperança do Kremlin de que o apoio dos EUA à Ucrânia diminua parece
deslocada. Curiosamente, o porta-voz Dmitry Peskov acrescentou numa entrevista
à NBC
News na sexta-feira que Putin preferiria um Presidente dos EUA que seja
"mais
construtivo" em relação à Rússia e que compreenda "a importância do diálogo" entre os dois países.
Peskov acrescentou que Putin estaria disposto a trabalhar com "qualquer
pessoa que entenda que, a partir de agora, se tem de ser mais cuidadoso com a
Rússia e levar em conta as suas preocupações".
Até às eleições presidenciais na Rússia, em Março, a política interna vai intensificar-se. Após a esperada reeleição de Putin para mais um mandato de seis anos, quando o novo governo estiver formado, a campanha para as eleições americanas terá acelerado e é seguro apostar que a guerra na Ucrânia estará em piloto automático, sendo a prioridade quase exclusiva evitar qualquer embaraço sério para a candidatura à reeleição de Biden.
Parece óbvio que evitar
uma derrota militar na Ucrânia e manter o impasse será o único objectivo do
governo Biden até 2024. A grande questão é se Putin vai "cooperar" ou se reservará surpresas. Peskov
começou a olhar para além da presidência Biden.
M.K. Bhadrakumar
Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker Francophone.
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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