domingo, 31 de dezembro de 2023

O comunismo e a questão nacional 1924

 


O comunismo e a questão nacional

1924

Amadeo Bordiga

As discussões no seio do proletariado revolucionário e comunista giram frequentemente em torno da questão dos "princípios"; de um suposto dualismo entre princípios e acção: numa palavra, entre teoria e prática. Não é fácil chegar a um acordo claro sobre este problema. No entanto, se não houver acordo sobre esta questão, todas as críticas e polémicas se tornam confusão estéril. O velho e o novo oportunismo, ao deslocarem o alcance da tese marxista que condena e varre todas as ideias inatas e eternas (que pretendem colocar na base da conduta humana), falam frequentemente de uma política desprovida de princípios fixos. O revisionismo clássico de Bernstein, que se sobrepôs habilmente ao movimento proletário fingindo deixar de pé a doutrina revolucionária de Marx, proclamava: "o movimento é tudo, o objectivo não é nada".

Veremos imediatamente o que significa "o objetivo não é nada", e que pode ser possível prescindir dos "princípios"; veremos também porque é que os princípios, para o comunismo marxista, são apenas "fins", isto é, pontos de chegada na acção. E a oposição entre "princípios" e "fins" não deve ser vista como paradoxal. Uma vez afastada a visão de uma vasta finalidade e relegada para o sótão a doutrina do movimento, o reformismo oportunista fala sempre e apenas de problemas actuais a resolver, por meios empíricos, com vista ao futuro imediato. Mas se todas as regras e orientações permanentes forem abolidas, que critérios orientarão a escolha dos meios de acção? É o que poderíamos perguntar então, como agora, a estas formas de falsificação que ainda se renovam e nos são apresentadas.

Qual será o "sujeito" no interesse do qual a acção deve ser desenvolvida? E o oportunismo (que era e é um prato "operário" que substitui a prática e a doutrina da revolução proletária) respondia que a acção proletária devia ser inspirada colocando-se na base dos interesses dos operários, ou seja, de cada vez, os interesses de grupos e categorias particulares de trabalhadores, do ponto de vista do mais fácil, do mais próximo e do mais curto prazo de tempo possível.  

 Desta forma, as soluções para os problemas de acção já não resultavam do movimento proletário no seu conjunto e do seu percurso histórico, mas cada vez mais do terreno limitado a pequenas parcelas da classe operária e às etapas mais reduzidas do seu percurso. Agindo assim, o revisionismo podia libertar-se de qualquer disciplina de princípios e, mesmo nas suas formas mais ou menos acentuadas, continuar a proclamar a sua fidelidade ao verdadeiro espírito do marxismo, que consiste no mais amplo desvio da doutrina e no ecletismo do movimento. A luta contra estes desvios assumiu e assumirá, através das experiências complexas dos trabalhadores, aspectos muito importantes no desenvolvimento do movimento proletário; pois se esta forma de apresentar e resolver as questões foi muitas vezes criticada, encontrará sempre formas mais insinuantes para alimentar a acção do proletariado. Não apresentaremos aqui a sua refutação em geral, mas apenas a de um problema particular: isto também tornará a nossa posição mais inteligível. Em várias ocasiões, nós, isto é, a esquerda marxista, revelámos o truque vulgar do oportunismo: a sua suposta aversão aos princípios, aos "dogmas", como foi estupidamente chamado, reduzida simplesmente a uma observância obstinada e cega dos "princípios" próprios da ideologia burguesa e contra-revolucionária.

Os praticantes, os positivistas, os blasés do movimento proletário, revelam-se no momento supremo como os mais fanatizados propagadores das ideias burguesas às quais pretendiam subordinar o movimento proletário e todos os interesses dos trabalhadores. A crítica teórica que põe em evidência este facto característico procede em paralelo com o desmascaramento político do oportunismo socialista, como forma de acção burguesa, e dos dirigentes como agentes do capitalismo nas fileiras do proletariado. No início da Guerra Mundial, a falência ruidosa da internacional oportunista foi (teoricamente) defendida por argumentos que, do ponto de vista da teoria e da propaganda socialistas, pareciam ser surpresas, revelações inesperadas, "descobertas" sensacionais. Aqueles que tinham negado que o socialismo possuía princípios doutrinários e programáticos afirmaram subitamente que o socialismo nem sequer conservava a originalidade de ser esse movimento sem princípios, mas que tinha de ser subordinado, obrigado a dar a sua adesão incondicional a certas teses que até então tinham sido consideradas estranhas ao pensamento socialista e merecedoras de uma demolição polémica definitiva.

O socialismo foi reduzido a uma "sub-escola" da esquerda burguesa, filiada na ideologia da chamada democracia, subitamente apresentada não como o marxismo o considera nas suas afirmações mais elementares, isto é, como a doutrina política adequada aos interesses das classes burguesas, mas como algo de progressivo em relação à política dominante do capitalismo. Os traidores da Internacional "descobriram" então princípios que nos lançaram e com os quais pretendiam condicionar inelutavelmente a acção do proletariado. Afirmaram que era necessário sacrificar inexoravelmente todos os interesses, mesmo os interesses imediatos de grupos particulares, que anteriormente tinham afirmado defender. Três desses princípios foram particularmente agitados: o princípio da liberdade democrática, o princípio da guerra defensiva e o princípio da nacionalidade. Até então, os oportunistas tinham enganosamente simulado uma ortodoxia teórica, falando sempre às massas sobre a luta de classes, a socialização dos meios de produção, a abolição da exploração da  do trabalho. A súbita "descoberta" de novos princípios servia para surpreender o proletariado, para perturbar a sua consciência de classe e a sua ideologia revolucionária, sabotando a possibilidade da sua mobilização ideológica num sentido de classe, e, ao mesmo tempo, para encobrir a passagem óbvia dos quadros dirigentes das grandes organizações operárias para uma aliança com a burguesia, eliminando de um só golpe qualquer plataforma de reajustamento e de ligação para a ação socialista da classe operária mundial. Ensinou-se então (e muito poucos militantes foram capazes de exprimir a sua indignação e protesto) que o proletariado socialista devia prescindir dos princípios enquanto fossem os princípios da doutrina de classe, mas devia curvar-se perante eles como se fossem coisas sagradas quando se tratasse dos princípios da ideologia burguesa, as ideias fundamentais que as classes dominantes transformam em religião para justificar os seus interesses. A traição ao conteúdo da crítica marxista não podia ser mais cínica.

Para dar uma ideia do procedimento empregue nesta sobreposição descarada de elementos estranhos e opostos às formulações mais simples da doutrina socialista, citaremos apenas um exemplo. Invocámos naturalmente a conhecida passagem do Manifesto Comunista segundo a qual o proletariado não tem pátria e só se pode considerar constituído como Nação - num sentido bem diferente do da burguesia - quando tiver conquistado o poder político. Ora, um dos mais conhecidos propagandistas do Partido Socialista Italiano, o "técnico" da propaganda do velho partido, Paolini, respondia a este argumento afirmando o seguinte: a condição para conquistar o poder político consistia em conquistar... sufrágio democrático; e onde o proletariado tinha direito de voto, tinha também pátria e deveres nacionais. Esta tese, que não precisa de ser comentada, mostra que aqueles a quem foi confiada, no seio da II Internacional, a propaganda do marxismo eram incrivelmente estúpidos ou incrivelmente desavergonhados.

Não levamos a sério a filosofia burguesa e o seu igualitarismo jurídico. A sua demolição teórica é acompanhada, na concepção comunista, por um programa político do proletariado que dissipa todas as ilusões sobre a possibilidade de aplicar meios liberais e libertários ao seu fim revolucionário: a abolição da divisão da sociedade em classes. A pretensa igualdade de direitos de todos os cidadãos no Estado burguês é apenas a tradução do princípio económico da "livre concorrência" e da paridade no mercado de vendedores e compradores de mercadorias. Este nivelamento significa, na realidade, a consolidação das posições mais oportunas para que a exploração e a opressão capitalistas possam ser estabelecidas e mantidas. Directamente relacionada com esta crítica fundamental do pensamento socialista está a demonstração de que invocar o grau de "liberdade democrática" alcançado pelos países em guerra como guia da política proletária e socialista face à guerra significa simplesmente referir-se a critérios burgueses e anti-proletários! Não insistiremos, portanto, no primeiro dos três princípios acima enunciados. Os outros dois princípios estão sujeitos à mesma dissimulação teórica: falar de guerra justa e injusta, consoante se trate de uma guerra de agressão ou de defesa, ou se o seu objetivo é dar às populações o governo que a maioria delas afirma desejar, pressupõe a crença num princípio de democracia estabelecido nas relações entre Estados e entre indivíduos.

A democracia estabelecida nas relações entre os Estados e entre os indivíduos. Estes princípios são aqueles que a burguesia brandia para criar, no seio das massas populares, uma ideologia favorável ao seu domínio e cujos determinantes impiedosamente egoístas prefere não admitir. Considerando que, para a vida interna do Estado capitalista moderno, a democracia electiva corresponde, de facto, a um sistema de sanções legais e de normas constitucionais sem constituir - do nosso ponto de vista - qualquer garantia efectiva para o proletariado. Nos momentos decisivos da luta de classes, este proletariado encontrará contra si a máquina armada do Estado, e não há sanções e convenções nas relações internacionais que correspondam a uma aplicação formal dos princípios derivados da teoria democrática.

Para o regime capitalista, a instauração da democracia no Estado era uma necessidade inerente ao seu desenvolvimento; o mesmo não se passa com todas as fórmulas deduzidas da teoria democrática no que respeita às relações internacionais, fórmulas que são brandidas pelos ideólogos que defendem a paz universal baseada na arbitragem, a regulação das fronteiras segundo as nacionalidades, etc. Aparentemente, este é um argumento que se presta ao jogo dos oportunistas que apresentam os grupos capitalistas como adversários destas reivindicações políticas. Aparentemente, este é um argumento que se presta ao jogo dos oportunistas que apresentam os grupos capitalistas como adversários destas exigências políticas; quando na realidade estes defensores de teorias puramente burguesas querem dar-lhes crédito entre o proletariado. Mas o argumento é repetidamente virado contra os oportunistas.

De facto, é absurdo acreditar que o Estado burguês modifica a sua posição internacional apenas porque o proletariado socialista, ao cessar, em nome da "União Sagrada", a sua oposição e ao quebrar a sua independência, deixa as suas mãos muito mais livres para agir no interesse da sua preservação. Em segundo lugar, o jogo criminoso dos traidores sociais é ainda mais descarado: opuseram ao suposto "utopismo" dos programas revolucionários a necessidade de fixar objectivos imediatos, de aderir a possibilidades reais. E agora, inesperadamente, introduziram na equação, para subordinar a orientação do movimento proletário, objectivos que não só nada têm a ver com a classe e o socialismo, como também se revelam completamente irreais e ilusórios. Eles dão crédito a ideias que a burguesia nunca realizará, mas nas quais tem interesse em ver as massas depositarem a sua confiança. Portanto, a política dos oportunistas não permite avançar, mesmo em "pequenos passos", a evolução efectiva e prática das situações, mas revela-se como a mobilização ideológica das massas, num interesse burguês e contra-revolucionário. E nada mais!

No que respeita ao princípio das nacionalidades, não é difícil provar que nunca foi mais do que uma frase de agitação de massas e, na melhor das hipóteses, uma ilusão de certas camadas intelectuais pequeno-burguesas. Se, para o desenvolvimento do capitalismo, o desenvolvimento das grandes unidades estatais era uma necessidade, é igualmente verdade que nenhuma delas foi constituída com base no famoso princípio nacional, que, além disso, é muito difícil de definir concretamente. Num artigo publicado em 1918, Vilfredo Pareto, um escritor que não pode certamente ser acusado de ser um revolucionário, criticou o "suposto princípio das nacionalidades". 

Mostrava a impossibilidade de encontrar uma definição satisfatória e a inadequação flagrante dos numerosos critérios que parecem ser utilizados para a caraterizar (étnicos, linguísticos, religiosos, históricos, etc.). Em última análise, todos eles se contradizem ou contradizem os seus resultados. Pareto faz ainda a observação óbvia, que também fizemos nas polémicas do período da guerra, de que os plebiscitos não são certamente a melhor forma de indicar a solução para os problemas nacionais, porque os limites do território onde será aplicada a maioria dos votos e a natureza dos poderes que organizarão o controlo são estabelecidos de antemão. Isto conduz a um círculo vicioso.

Não há necessidade de retomar todas as polémicas de há nove anos. Nessa altura, era fácil para nós, internacionalistas, provar como os famosos princípios invocados pelos social-patriotas se prestavam a aplicações completamente contraditórias. Em todo o caso, uma atitude revolucionária do movimento socialista chegará a conclusões semelhantes, quer se trate de ofensiva militar ou de defensiva militar, porque é suficiente e porque os Estados capitalistas em guerra são capazes de transformar a primeira na segunda. Quanto às questões nacionais e separatistas, elas são tão numerosas e tão complexas que podem ser utilizadas para justificar a formação de alianças muito diferentes das que surgiram durante a guerra mundial.

Os três famosos princípios enumerados eram, portanto, singularmente contraditórios na sua aplicação. Perguntámos aos social-patriotas se aceitavam que um povo mais democrático tivesse o direito de atacar e subjugar um povo menos democrático, se a agressão militar era aceitável para a libertação de regiões anexadas por outros países, etc. E estas contradições lógicas traduziam-se na possibilidade de justificar - uma vez adoptadas estas teses falaciosas - o apoio socialista a qualquer guerra: o que de facto aconteceu. E a táctica da traição social, que se baseia nos mesmos argumentos em todos os países, conseguiu, através das condições mais díspares, colocar os trabalhadores dos dois lados da frente de guerra uns contra os outros.

Também era fácil para nós prever que os governos burgueses vitoriosos, fossem eles quem fossem, nunca se teriam preocupado em aplicar, depois da guerra, os critérios que, segundo os social-nacionalistas, continham não só a razão da adesão do proletariado à guerra, mas também a garantia de que a guerra teria atingido os objectivos apresentados aos trabalhadores enganados pelos seus líderes indignos. Não há, portanto, novos argumentos para criticar os desvios social-nacionalistas e refutá-los; mas a solução positiva da questão nacional do ponto de vista comunista é menos fácil, e foi menos fácil, sobretudo na altura da fundação da III Internacional. Não se pode considerar que o problema tenha sido resolvido pelas teses do II Congresso (1920), tanto mais que até o próximo V Congresso terá de se ocupar dele. É evidente que a IC não vai tomar de empréstimo teorias e fórmulas burguesas e pequeno-burguesas para a solução de problemas ligados à sua atitude política e táctica.

A Internacional Comunista recuperou os valores da doutrina e do método marxistas, inspirando neles o seu programa e a sua táctica. Em tal base, qual é então o caminho para a solução de problemas como o problema nacional? Queremos indicá-lo nestas linhas muito elementares. Os revisionistas falavam de um exame efectuado sempre com base em situações contingentes e sem preocupações com fins e princípios gerais. A partir daí, chegaram a conclusões puramente burguesas, tanto mais que, na sua avaliação das situações, não aderiram de forma alguma aos critérios marxistas, salientando a interacção dos factores económicos e sociais e os contrastes decorrentes dos interesses de classe. A este respeito, poder-se-ia dizer que a linha comunista correcta consiste em assegurar, na análise das situações, uma fidelidade estrita ao método marxista de crítica dos factos e, deste modo, chegar livremente a conclusões sem necessidade de as delimitar por ideias preconcebidas. Mas, em nossa opinião, tal resposta conserva todos os perigos do oportunismo devido à sua excessiva indeterminação.

Por outro lado, poder-se-ia objectar que é necessário acrescentar a um exame marxista e de classe das contingências dadas a aplicação de princípios gerais e de fórmulas obtidas por uma inversão quase mecânica das fórmulas burguesas. Certas fórmulas simples são indispensáveis para a agitação e a propaganda do nosso partido. Em todo o caso, são menos perigosas do que uma elasticidade excessiva. Mas estas fórmulas devem ser pontos de chegada, de resultados e não pontos de partida no exame de questões cuja crítica e delimitação o partido deve por vezes abordar nos seus órgãos supremos para dar, em termos claros e explícitos, conclusões às disposições da massa dos militantes. Assim, para dar apenas um exemplo, este pensamento poderia ser aplicado à fórmula "contra todas as guerras" que, num determinado período histórico, separa muito bem os verdadeiros revolucionários dos oportunistas que fazem distinções subtis entre guerra e guerra, e acabam por justificar a política de cada burguesia. Mas esta fórmula: "contra todas as guerras", é certamente insuficiente como declaração de doutrina, quanto mais não seja porque poderia, através do seu radicalismo formal que inverte grosseiramente a atitude oportunista, conduzir-nos a uma outra ideologia burguesa: ao pacifismo de tipo tolstoiano. Isto contradiria o nosso postulado fundamental sobre o uso da violência armada.

O caminho marxista, que se mostra adequado para responder a estes problemas, não é nem um nem outro. Ele merece ser muito mais claramente definido pelo partido do proletariado revolucionário, embora já existam exemplos muito brilhantes disso, como o admirável edifício da crítica marxista-leninista às doutrinas democrático-burguesas e a definição do nosso programa em relação ao Estado. Para indicar brevemente a solução que nos parece ser a melhor, diremos que a tese segundo a qual a política marxista se satisfaz com um simples exame de situações sucessivas (por um determinado método, é claro), e sem exigir outros elementos, deve ser rejeitada. Quando tivermos estudado os factores de carácter económico e o desenvolvimento dos contrastes de classe que surgem na apreciação de tais problemas, teremos feito algo indispensável, mas não teremos ainda tomado em consideração todos os elementos.

Haverá certamente outros critérios a ter em conta, que podem ser chamados "princípios" revolucionários, na condição de que esses princípios não consistam em ideias imanentes dadas a priori, fixadas de uma vez por todas em tabelas "encontradas" algures e incrustadas para sempre. Se quiserem, podem dispensar a palavra princípio e falar de postulados programáticos: podemos sempre ser mais precisos, e devemos sê-lo, tendo em conta as necessidades linguísticas de um movimento internacional: a nossa terminologia. Todos estes critérios conduzem a uma consideração em que reside a força revolucionária do marxismo. Não podemos nem devemos resolver os problemas, por exemplo, dos estivadores ingleses ou dos operários finlandeses, apenas com elementos retirados do estudo, com um método de determinismo, com considerações de espaço e de tempo que são imediatamente relevantes para a solução do problema.

Há um interesse superior que guia o nosso movimento revolucionário, no qual os interesses parciais não podem colidir se considerarmos o conjunto do desenvolvimento histórico. Mas a indicação deste interesse geral não surge imediatamente dos problemas particulares relativos a certos grupos do proletariado e a certos momentos da situação. Este interesse geral é, numa palavra, o interesse da revolução proletária. Ou seja, o interesse do proletariado como classe mundial dotada de unidade e de tarefas históricas, trabalhando para um objectivo revolucionário: o derrube da ordem burguesa. Podemos e devemos resolver problemas particulares à luz deste objectivo supremo. A forma de coordenar as soluções particulares com este objectivo geral é concretizada pelos fundamentos adquiridos pelo partido, que são os pivots do seu programa e dos seus meios tácticos.

Estes fundamentos não são dogmas imutáveis e revelados, mas são, por sua vez, a conclusão de um exame geral e sistemático da situação de toda a sociedade humana, no actual período histórico, no qual devem ser tidos em conta todos os dados que caem sob a nossa experiência. Não negamos que este exame está em contínuo progresso e que as conclusões alcançadas estão a ser reelaboradas, mas é certo que não poderíamos existir como partido mundial se a experiência histórica que o proletariado já possui não permitisse à nossa crítica construir um programa e um conjunto de regras de conduta política. Não existiríamos sem isso, nem como partido, nem o proletariado como classe histórica possuidora de uma consciência doutrinária e de uma organização de luta.

Onde existem lacunas nas nossas posições tácticas e onde se prevêem revisões parciais para o futuro, seria um erro preenchê-las renunciando à apresentação de fundamentos ou princípios que certamente parecem ser uma "limitação" às acções que podem ser sugeridas por situações sucessivas em diferentes países. Um erro infinitamente menor residiria na elaboração, ainda que imperfeita, de formulações positivas, porque a clareza e a precisão, juntamente com a máxima continuidade possível de tais formulações de agitação e acção, são uma condição indispensável para o fortalecimento do movimento revolucionário. A esta afirmação, que pode parecer arriscada, acrescentaríamos, sem querer insistir nesta importante questão, que parecerá excessivamente abstractas para alguns, que os dados que a história da luta de classes nos fornece até à guerra e à revolução russa permitem ao Partido Comunista Mundial preencher todas as lacunas com soluções satisfatórias: o que não significa, evidentemente, que não tenhamos nada a aprender com o futuro e com a contraprova contínua das nossas posições na sua aplicação política. Recusar "codificar" sem hesitação o programa e as regras de táctica e de organização da Internacional não poderia ter hoje outro significado senão o de um perigo oportunista, porque a nossa acção correria o risco de se refugiar amanhã em princípios e regras burguesas, completamente erradas e ruinosas para a "liberdade" da nossa acção.

Concluiremos da seguinte forma: os elementos de uma solução marxista para os problemas do nosso movimento são o conjunto de posições incluídas na nossa visão geral do processo histórico, posições orientadas para a obtenção do êxito revolucionário final e geral: estudo marxista dos factos que estão sob o nosso exame. Este conjunto de posições deriva dialecticamente de um exame dos factos, mas do exame de todos os factos históricos e sociais de que dispomos. Para o partido revolucionário, este conjunto de posições não tem um carácter dogmático, mas tem um elevado grau de permanência histórica, um grau que nos separa de todos os oportunistas e que, por outras palavras, é também representado pela nossa consistência doutrinal e táctica, que pode até ser descrita como monótona, mas que serve para nos distinguir dos traidores e renegados da causa revolucionária.

Falaremos agora da questão nacional, principalmente como um exemplo do método que indicámos. O exame desta questão e a descrição dos factos em que ela se condensa estão contidos nas teses do II Congresso, que se referem precisamente à avaliação da situação do capitalismo mundial e da fase imperialista que atravessa.

Este conjunto de factos deve ser analisado à luz do balanço geral da luta revolucionária. Um facto fundamental é que o proletariado mundial possui agora, para além do seu exército, os Partidos Comunistas de todos os países, uma cidadela no Estado operário: a Rússia. O capitalismo, por outro lado, tem as suas fortificações nos grandes Estados, especialmente naqueles que ganharam a guerra mundial, onde um pequeno grupo controla a política internacional. Estes Estados lutam contra as consequências do desequilíbrio geral da economia burguesa provocado pela grande guerra imperialista e contra as forças revolucionárias que têm por objectivo derrubar o seu poder.

Um dos recursos contra-revolucionários mais importantes de que dispõem os grandes Estados burgueses na sua luta contra o desequilíbrio geral da produção capitalista é a sua influência sobre dois grupos de países: por um lado, as suas colónias ultramarinas e, por outro, os pequenos países de economia atrasada e branca. A Grande Guerra, apresentada como o movimento histórico que conduziu à emancipação dos pequenos povos e à libertação das minorias nacionais, contradizia frontalmente esta ideologia, na qual os socialistas da II Internacional acreditavam ou fingiam acreditar. Os novos Estados que surgiram na Europa Central não passavam de vassalos da França e da Inglaterra, enquanto os Estados Unidos e o Japão consolidavam a sua hegemonia sobre os países menos poderosos dos respectivos continentes.

Não pode haver dúvidas: a resistência à revolução proletária está concentrada no poder de alguns grandes Estados capitalistas; uma vez derrubados estes, tudo o resto se desmoronaria perante o proletariado vitorioso. Se, nas colónias e nos países atrasados, existem movimentos sociais e políticos dirigidos contra os grandes Estados e nos quais se incluem camadas burguesas, partidos burgueses e semi-burgueses, é certo que o êxito destes movimentos, do ponto de vista do desenvolvimento da situação mundial, é um factor revolucionário, e isto porque contribui para a queda das principais fortalezas do capitalismo. Se, após o esmagamento dos grandes Estados, o poder burguês sobrevivesse nos pequenos países, seria varrido pelo poder do proletariado nos países mais avançados, mesmo que localmente o movimento proletário e comunista pareça fraco e incipiente.

Um desenvolvimento paralelo e simultâneo da força proletária e das relações de classe e de partido em cada país não é de todo um critério revolucionário. Refere-se antes à concepção oportunista da alegada simultaneidade da revolução, em nome da qual, na altura da revolução russa, se negou o seu carácter proletário. Os comunistas não acreditam de forma alguma que o desenvolvimento da luta em todos os países deva seguir o mesmo caminho. Eles estão conscientes das diferenças que surgem na consideração dos problemas nacionais e coloniais, mas coordenam a sua solução no único interesse do movimento para destruir o capitalismo mundial. A tese política da Internacional Comunista, de permitir que o proletariado comunista mundial e o seu primeiro Estado guiem o movimento de rebelião das colónias e dos pequenos povos contra as metrópoles do capitalismo, parece assim ser o resultado de um vasto exame da situação e de uma apreciação do processo revolucionário, bem de acordo com o nosso programa marxista.

Está bem longe da tese oportunista e burguesa segundo a qual os problemas nacionais devem ser resolvidos prejudicialmente, antes de se poder falar de luta de classes, e onde, consequentemente, o princípio nacional serve para justificar a colaboração de classes, tanto nos países atrasados como nos países avançados do capitalismo, uma vez aceite o conceito de manter ou recuperar a integridade da liberdade nacional. O método comunista não diz simplesmente: os comunistas devem actuar em sentido contrário, em todo o lado e sempre, à corrente nacional: isso não significaria nada e seria a negação metafísica do critério burguês. O método comunista opõe-se a este último "dialecticamente", ou seja, parte de um factor de classe para julgar e resolver o problema nacional.

O apoio aos movimentos coloniais, por exemplo, tem tão pouco o sabor da colaboração de classe que, quando recomendamos o desenvolvimento autónomo e independente dos partidos comunistas nas colónias, para que estejam prontos a ultrapassar os aliados momentâneos - através de um trabalho independente de formação ideológica e organizativa - pedimos sobretudo ao "partido comunista da metrópole" que apoie os movimentos de rebelião. E esta táctica tem tão pouco do sabor do colaboracionismo que é qualificada pela burguesia como anti-nacional, derrotista e julgada como alta traição. A tese 9 (2º Congresso) afirma que, sem estas condições, a luta contra a opressão colonial não seria possível e o nacionalismo continua a ser uma bandeira enganadora, tal como o foi para a II Internacional, e a tese 11, parágrafo E, insiste e diz "que é necessário travar uma luta determinada contra a tentativa de encobrir com uma roupagem comunista o movimento revolucionário separatista, que não é verdadeiramente comunista, nos países atrasados". Isto é suficiente para confirmar a exactidão da nossa interpretação. A necessidade de destruir o equilíbrio das colónias resulta de uma análise estritamente marxista da situação do capitalismo, porque a exploração e a opressão dos trabalhadores de cor tornam-se meios de amargar a exploração do proletariado da metrópole. Também aqui vemos a diferença radical entre o nosso critério e o dos reformistas. Estes últimos tentam mostrar que as colónias são também uma fonte de riqueza para os trabalhadores da metrópole, porque oferecem um escoamento para os seus produtos. Daqui retiram mais razões para a colaboração de classe, argumentando, em muitos casos, que o princípio da nacionalidade pode ser violado no interesse da "difusão da civilização" burguesa e para acelerar a evolução do capitalismo.

Há aqui outra tentativa de disfarçar o marxismo revolucionário que se reduz a conceder ao capitalismo extensões cada vez mais longas, no momento do seu fim e do ataque revolucionário, atribuindo-lhe mais uma longa tarefa histórica que contestamos. Os comunistas utilizam as forças que pretendem quebrar o patrocínio dos grandes Estados sobre os países atrasados ​​e coloniais porque consideram possível derrubar estas fortalezas da burguesia e confiar ao proletariado socialista dos países mais avançados a tarefa histórica de levar a um ritmo acelerado o processo de modernização dos países atrasados. Não explorando-os, mas obtendo a emancipação dos trabalhadores locais contra a exploração externa e interna.Esta é, em termos gerais, a posição correcta do CI relativamente ao problema que estamos a tratar. Mas é importante ver claramente o caminho pelo qual chegamos a tais conclusões para não podermos ligá-las a esta fraseologia ultrapassada da burguesia sobre a liberdade nacional e a igualdade nacional, bem denunciada na primeira das teses citadas, como um substituto para o conceito capitalista de igualdade dos cidadãos de todas as classes. Isto porque nas novas conclusões (novas num certo sentido) do marxismo revolucionário há por vezes o perigo de exageros e desvios.

Para permanecermos no terreno dos exemplos, negamos a admissibilidade, nas bases indicadas, do critério de aproximação, na Alemanha, entre o movimento comunista e o movimento nacionalista e patriótico. A pressão exercida sobre a Alemanha pelos Estados da Entente, mesmo nas formas agudas e vexatórias que assumiu recentemente, não é um elemento capaz de nos fazer considerar a Alemanha como um pequeno país de capitalismo atrasado. A Alemanha continua a ser um país muito grande, fantasticamente equipado do ponto de vista capitalista e onde o proletariado, social e politicamente, está mais do que avançado. É, portanto, impossível confundir a sua situação com as condições reais acima consideradas. Basta esta afirmação para nos poupar de um exame detalhado desta grave questão, exame que pode ser feito outra vez e não sumariamente. Também não é suficiente, para modificar a nossa avaliação, afirmar que na Alemanha o alinhamento das forças políticas é tal que a grande burguesia não tem uma atitude nacionalista acentuada, mas tende a coligar.se com as forças da Entente, à custa do proletariado e por uma ação contra-revolucionária; enquanto o movimento nacionalista é alimentado pelas camadas pequeno-burguesas que estão insatisfeitas e preocupadas, também, economicamente, com a preparação desta solução capitalista. O problema da revolução lançada em Berlim só pode ser visto referindo-se - e isto é reconfortante - a Moscovo, mas, por outro lado, também a Paris e Londres. As forças fundamentais com as quais devemos contar para combater o entendimento capitalista entre a Alemanha e os Aliados não são apenas o Estado Soviético, mas também na linha da frente, a aliança do proletariado alemão com o dos países ocidentais. Este último é um factor tanto mais importante para o desenvolvimento revolucionário mundial quanto seria errado e muito sério comprometê-lo, em tempos difíceis, pela acção revolucionária em França e Inglaterra. E isto aconteceria fazendo, mesmo que parcialmente, da questão da revolução alemã uma questão de libertação nacional, ou mesmo num nível que exclua a colaboração com a grande burguesia, porque a desproporção de maturidade entre a base de acção do Partido Comunista Alemão e o da França e da Inglaterra desaconselham uma posição errada que consiste em opor o antipatriotismo da burguesia alemã a um programa nacionalista da revolução proletária.

A ajuda da pequena burguesia alemã (que certamente deve ser utilizada por outras tácticas que não a do "nacional-bolchevismo" e tendo em conta a situação económica ruinosa das classes médias), seria completamente cancelada numa situação em que o capitalismo francês e britânico se sentisse internamente livre para agir além das fronteiras alemãs, o que só pode ser evitado por uma posição internacionalista do problema revolucionário alemão. Se necessário, é em França que devemos estar mais preocupados com a atitude das camadas pequeno-burguesas de que o agravamento do nacionalismo alemão colocaria, mais uma vez, à mercê das forças burguesas locais. E algo semelhante pode ser dito da Inglaterra, onde o Trabalhismo se proclama descaradamente nacionalista, agora que, em nome e no interesse da burguesia britânica, está no governo. É assim que, esquecendo as origens de princípio das soluções políticas comunistas, podemos conseguir aplicá-las onde faltam as condições que as sugeriram.

Devemos considerar como um fenómeno que apresenta certas analogias com os empreendimentos do social-nacionalismo o facto de o camarada Radek, apoiando num encontro internacional as tácticas que defende, "descobrir" que o sacrifício do nacionalismo na luta contra os franceses do Rhür deve ser exaltado pelos comunistas, e isto em nome do princípio, novo para nós e verdadeiramente sem precedentes, de que acima dos partidos devemos apoiar quem se sacrifica pela sua ideia! Uma redução deplorável é aquela que reduz a tarefa do grande proletariado da Alemanha à emancipação nacional. Esperamos que este proletariado e o seu partido revolucionário consigam vencer, não em seu próprio nome, mas para salvar a existência e o desenvolvimento económico da Rússia Soviética, e para derramar a torrente contra as fortalezas capitalistas do Ocidente. revolução, despertando os trabalhadores de todos os países que, por um momento, foram imobilizados pelas últimas explosões da reacção burguesa.

Os desequilíbrios nacionais entre grandes Estados avançados são factores que devemos estudar e examinar com muito cuidado. Mas, ao contrário dos social-nacionalistas, excluímos claramente a possibilidade de que possam ser resolvidos por qualquer outro caminho que não seja a guerra de classes contra todos os Estados burgueses. As sobrevivências patrióticas e nacionalistas nesta área são consideradas por nós como manifestações reaccionárias que não podem ter qualquer influência sobre os partidos revolucionários do proletariado chamados nestes países a uma herança rica em possibilidades verdadeira e claramente comunistas para a tarefa muito avançada de antes - guarda da revolução mundial.

 

Amadeo BORDIGA (1924)

Sem comentários:

Enviar um comentário