9 de Dezembro de 2023 Robert Bibeau
Por Khider Mesloub.
Em França, dois acontecimentos dramáticos de importância desigual ocuparam
as primeiras páginas dos jornais nas últimas semanas, por razões diferentes: o genocídio de milhares de palestinianos e o assassinato do jovem
Thomas, aluno do ensino secundário morto em Crépol em circunstâncias ainda
pouco claras, segundo o Ministério Público. "O próprio cenário dos actos,
os motivos e a identificação de todos os autores não podem ser reduzidos a
denúncias sem provas, especulações ou interpretações apressadas",
sublinhou o procurador.
Estas duas tragédias incendiaram as redes sociais. Os cibernautas recorrem à rede para transmitir informações ou vídeos, mas também para fazer comentários indignados, compassivos ou inflamados. No caso do assassínio do jovem Thomas, a "fachosfera" tomou conta politicamente do assunto. Uma fachosfera que está a tecer a sua teia. Mas também está a ganhar terreno entre os canalhas da elite cultural e política francesa, que estão a caminho da fascistização.
A partir de agora, os fascistas têm uma
plataforma gratuita na TV e nas redes sociais, onde exibem impunemente o seu
racismo desinibido.
Na era digital actual, as redes sociais oferecem a todos a oportunidade de publicar as suas opiniões ou transmitir vídeos acabados de gravar sobre a vida no terreno, repleta de acontecimentos pitorescos ou trágicos. Desta forma, qualquer pessoa na rua pode tornar-se um "fotojornalista".
Na era da informação filmada instantânea, qualquer pessoa pode ver imagens
na Internet à vontade. Na nossa sociedade do espectáculo, o espectador é rei e
a sociedade está nua. Uma sociedade que se oferece ao olhar curioso e
concupiscente em toda a sua nudez social e nulidade cultural.
Nada escapa à câmara inquisitorial do smartphone, transportado como um
amuleto por milhares de milhões de pessoas, que imortaliza instantaneamente
qualquer cena captada no local. Aos olhos de cada proprietário de smartphone,
nenhum acontecimento escapa ao seu olhar voyeurista. Ou melhor, voyeurista, porque, com uma
postura indecente que viola a privacidade, pode roubar imagens de qualquer
pessoa no espaço público.
É típico de indivíduos habituados a
viver como espectadores da sua própria existência miserável, em vez de actores
do seu próprio destino social.
Compreensível para espectadores cujo guião e a realização das suas vidas
são escritos e decididos pelos seus senhores, os detentores do poder político e
económico. Estas pessoas, cuja filmografia existencial é irremediavelmente
vazia porque não escreveram nem dirigiram as suas próprias vidas, compensam o
seu vazio assistindo à vida dos figurantes. Não se pode improvisar como actor
da sua própria vida se se foi reduzido, desde o nascimento, a ocupar apenas os
lugares de salto na sociedade. Quando não se está determinado a derrubar o ecrã
por detrás do qual o guião do vazio existencial, do vazio social alienante, é
desenhado e traçado nos bastidores.
Hoje, a mais pequena notícia assume proporções políticas, graças ao milagre
da mediatização pelos produtores de histórias consumados. O acontecimento
político mais grave é reduzido à mais pequena (e mais incongruente) porção,
mais uma vez pelo milagre da fatídica cobertura mediática.
Escondam-me esta infâmia política. Mostrem-me esta notícia para alimentar a
minha curiosidade mefítica e doentia. São estas as palavras de ordem dos media.
Meios que se alimentam de lixo. E os leitores e os telespectadores, bem
treinados para apanhar o lixo dos media, acorrem aos caixotes do lixo dos media
para o vasculhar e alimentar a sua tagarelice, a sua verborreia babosa.
Sobretudo as notícias, metamorfoseadas pelo milagre do demiurgo mediático em
acontecimentos políticos insignificantes.
Foi assim que a morte do
jovem Thomas se transformou numa tragédia nacional explorada politicamente pela
imprensa dos bilionários da desinformação. E
o drama internacional do genocídio de milhares de palestinianos foi rebaixado a
uma vulgar notícia do Extremo Oriente, em que se diz que um bando terrorista
ataca um Estado de direito e de direito divino... (sic) Pior ainda, na
França "democrática", é proibido fazer o mais pequeno comentário a
esta "estranha notícia vinda do estrangeiro, longínquo e legítimo",
sob o pretexto do risco de perturbar a ordem pública ao importar este
"conflito de vizinhança entre judeus e árabes" (sic). Nem para
organizar a mínima manifestação de apoio ao povo palestiniano martirizado, sob
pena de processo por apologia do terrorismo.
Um indivíduo, acompanhado por oito amigos ociosos, comete um acto irreparável num salão de aldeia, na sequência de uma discussão inofensiva sobre uma questão trivial, e a classe política e os meios de comunicação social levantam-se imediatamente para falar do empobrecimento da sociedade devido à origem árabe dos alegados culpados.
Um exército de 400.000
homens fanáticos, sionistas e, por conseguinte, racistas, trava há dois meses
uma guerra de extermínio contra civis indefesos (30.000 assassinados até à
data). A mesma classe política e os mesmos meios de comunicação social
franceses, cinicamente manipulados, falam de uma intervenção militar legal,
efectuada em nome do "direito de defesa" (sic).
No caso do fait divers, estaríamos perante um acto escandaloso de selvajaria que merece uma punição exemplar. Em contrapartida, no caso da resposta genocida e fascista israelita, tratava-se de uma "operação militar democrática legítima" (sic) levada a cabo por um "exército moral", de um Estado "civilizado" (pária e bandido, a nosso ver), que merece a benevolência e o apoio incondicional da França bilionária... mas que o povo despreza.
Com este tratamento diferenciado de dois acontecimentos trágicos e
desiguais, a França dos ricos acaba de confirmar a sua desumanização, a sua
escravatura. Está tão cega pelo seu racismo anti-muçulmano e pelo seu ódio
anti-árabe que é incapaz de ter uma visão geopolítica lúcida, uma visão
política objectiva dos acontecimentos.
Ao ponto de, por obscurantismo, se afundar no desvio da política e na
politização mesquinha dos faits divers.
A França rica, em vias de desvalorização e de empobrecimento, presa do descontentamento político, analisa o mais pequeno fait divers, de preferência envolvendo uma pessoa de origem norte-africana, numa tentativa de, à custa de "bodes expiatórios" árabes e muçulmanos, queimar a imagem manchada das suas instituições "burguesas republicanas" em decadência. Recriar a unidade nacional, explorando a morte de Thomas e negando o genocídio dos habitantes de Gaza.
Na Palestina ocupada, os árabes palestinianos estão a ser exterminados para
permitir que os sionistas recriem o seu mítico antigo lar judeu em solo
palestiniano. Em França, os árabes "importados" das antigas colónias
estão a ser exterminados para recuperar a mítica nação gaulesa que desapareceu
para sempre. Tanto em França como em Israel, estão em acção as mesmas
ideologias supremacistas e a mesma lógica excomungatória. A mesma banalização
do mal que serve de acusação ao grande capital desqualificado.
Khider MESLOUB
Fonte: Comment politiser les faits divers et ravaler les faits politiques – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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