segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Escalada da vitimização baseada na identidade e na comunidade

 


 4 de Dezembro de 2023  Robert Bibeau 


Por Khider Mesloub.

Na era da vitimização, sinónimo de infantilização, etapa evolutiva do ser humano caracterizada pela impotência, o estatuto de vítima é afirmado com lamentos e até queixas. Perante a sociedade. Perante a lei.

Numa sociedade capitalista moderna, marcada simultaneamente pela diferenciação socio-económica e pela indiferenciação societal, ou seja, pela desigualdade social e pela uniformidade cultural (americanização do pensamento, estandardização sociológica e urbana), como é que nos distinguimos do anonimato pessoal senão adoptando uma postura de vítima, a última estratégia de visibilidade existencial.

O mundo capitalista baseia-se na concorrência. Tudo está sujeito à concorrência. A partir de agora, entrámos na era da competição baseada na vítima. Para recordar, o termo vitimização designa a tendência para nos fecharmos numa identidade de vítima.

Hoje em dia, em França como na maioria dos países ocidentais, com actos classificados, subjectiva e parcialmente, como anti-muçulmanos ou anti-semitas, assistimos a um excesso de manifestações de raiva expressas num contexto anti-racista. Neste período de crise económica sistémica, é como se o anti-racismo e o anti-semitismo estivessem a ser utilizados como instrumentos de diversão política pelas classes dominantes para desviar a raiva social para exigências comunitárias estéreis.

Em suma, em vez de denunciarem a violência social infligida a centenas de milhões de pessoas de todas as origens étnicas e religiosas, reduzidas ao desemprego ou à bancarrota, os "cidadãos" atomizados, instrumentalizados pelos meios de comunicação social dependentes, são convidados a denunciar o recrudescimento do racismo anti-muçulmano ou do anti-semitismo. Um surto de xenofobia muitas vezes aceso e alimentado por incendiários governamentais.

Em vez de denunciar e, sobretudo, combater o "racismo social" de que são vítimas milhões de proletários, reduzidos a sobreviver numa sociedade caracterizada por um apartheid capitalista estrutural, consubstanciado em desigualdades sociais e discriminações residenciais, privação de emprego e anemia nutricional, os proletários, atomizados, são convidados a marchar pacificamente nas ruas para censurar moralmente o racismo ou o anti-semitismo, uma luta comunitária por excelência.

Em vez de lutar contra o desemprego de vários milhões de proletários, reduzidos a sobreviver com ajuda alimentar, a população é convidada a manifestar-se contra o racismo esporádico ou o anti-semitismo imperceptível.

É preciso dizer que, nos últimos anos, à tradicional lista de comunidades auto-proclamadas vítimas do racismo ou do anti-semitismo, juntou-se uma multidão de outras comunidades liliputianas, fabricadas para as necessidades da causa. Num período marcado pela despolitização, assistimos a um excesso de vitimização comunitária, que resulta no confinamento das minorias ditas "discriminadas" às suas identidades essencializadas.

Os oligarcas de cada suposta comunidade, para captarem o apoio dos que se sentem discriminados, alimentam quotidianamente as divisões e as dissensões com a descrição mais negra possível da sua condição comunitária, susceptível de exacerbar os ressentimentos e, por conseguinte, as lucrativas recriminações, as queixas compensatórias e os lucrativos separatismos comunitários.

Na nossa era contemporânea, a classe dominante, incapaz de revolucionar as forças produtivas estagnadas para alimentar os proletários, está constantemente a transformar a sua semântica para os alimentar com novos termos eufemísticos, a fim de aliviar semanticamente o seu sofrimento. Um meio lexical ilusório e literalmente criativo de tentar perpetuar o seu sistema de exploração decadente.

Hoje em dia, infelizmente ensombrado pelo separatismo, cada comunidade ou grupo identitário, para caracterizar a sua vitimização, constrói o seu próprio neologismo baseado no mesmo sufixo: fobia. Judeofobia. Arabofobia. Islamofobia. Homofobia. Cada um destes termos designa uma forma específica de racismo, segundo os seus seguidores.

A vitimização tornou-se também um modus operandi na lucrativa guerra da memória. Numa sociedade capitalista moderna, devastada pelo individualismo e pelo anonimato, a vitimização é uma forma de tornar visível a própria existência. Por outras palavras, de obter reconhecimento. E, correlativamente, a reparação. A vitimização é, portanto, um terreno fértil para estratégias de influência política e lobbies lucrativos.

Para isso, movida pela atracção do lucro, cada comunidade lança-se numa guerra de licitações para contar as suas provações e os seus cadáveres, a fim de afirmar o seu estatuto de vítima excepcional.

Nesta época de vitimização desenfreada, um comunitarista judeu brandirá a Shoah lucrativa como escudo para se tornar mais legítimo em termos de reparações monetárias e do respeito devido à sua posição de vítima ancestral do anti-semitismo. Mas será imediatamente refutado por um comunitarista africano que usará a sua história de escravatura e colonialismo para lhe roubar o estatuto de porta-voz das vítimas. De emboscada, o comunitarista muçulmano surge por sua vez para disputar ao judeu e ao africano o título de vítima e para se apresentar como o principal mártir do sofrimento humano contemporâneo. Escondida na sombra, a feminista identitária salta histericamente para se proclamar a única vítima de todas as discriminações. Posicionado na encruzilhada das bifurcações identitárias, o identitário homossexual ergue-se, por sua vez, para reclamar o título de vítima milenar.

Entrámos assim na era da vitimização da comunidade e da identidade. Reconfortante e comovente. E, acima de tudo, vale o seu peso em ouro. Porque compensa. Sobretudo para os seus porta-vozes e representantes oficiais.

Para grande benefício do capital, a vitimização induz também uma estrutura mental resignada. Egocêntrica. Para que conste, o egocentrismo caracteriza-se por uma tendência para fazer tudo em torno de si próprio, por uma concentração nos interesses exclusivos do próprio e da sua comunidade. O interesse geral é assim engolido por interesses individuais concorrentes.

Curiosamente, nesta época de globalização e de abertura das fronteiras, cada minoria auto-proclamada é convidada a fechar-se na sua própria identidade, tribo, comunidade religiosa ou grupo sexual. Um confinamento nocivo e prejudicial para os proletários. Mas rentável e lucrativo para a classe dirigente.

Ironicamente, numa altura em que as burguesias nacionais se globalizam, os proletários tribalizam-se. Numa altura em que os capitalistas de todo o mundo, ignorando as suas diferenças étnicas e religiosas, unem os seus esforços para se unirem e fundirem, os proletários são instados, ou mesmo convocados, pela sua burguesia nacional unificada a dividir-se em segmentos identitários e comunitários múltiplos, divisivos e antagónicos.

Desta forma, cada proletário é colocado em prisão domiciliária em termos da sua identidade, religião ou sexualidade específicas. São obrigados a existir e a exprimir-se exclusivamente como judeus, muçulmanos, "mulheres oprimidas", homossexuais, etc. A sua principal identidade real de classe proletária é dissolvida numa identidade imaginária. Uma comunidade fantasmagórica.

E se algum proletário universalista e internacionalista ousar pôr em causa este esquema psicológico e este modelo cultural particularista, para denunciar esta atribuição essencialista, é imediatamente tachado de agente do capital globalista, de utópico, de totalitário.

 

Dito isto, fechar toda a gente numa comunidade fantasmagórica ou numa identidade imaginária é a melhor maneira de dividir e clivar os proletários. Alimenta os preconceitos e acentua o separatismo entre os proletários, para grande benefício da classe capitalista dominante, que consolida e perpetua o seu domínio fragmentando o seu inimigo de classe, o proletariado, deliberadamente arrastado para a espiral da guerra fratricida: a guerra civil.

Khider MESLOUB

 

Fonte: Surenchère de victimisation identitaire et communautaire – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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