7 de Setembro de 2021 Robert Bibeau
Por Bill Van Auken
O Presidente dos EUA, Joe Biden, fez um discurso na terça-feira à tarde, no qual declarou o fim de 20 anos de guerra dos EUA no Afeganistão.
Um dia depois de um transporte militar
C-17 ter evacuado as últimas tropas norte-americanas de Cabul e no meio de
celebrações nas ruas do Afeganistão do fim da ocupação norte-americana, o
discurso de Joe Biden continha declarações nunca antes ouvidas da Casa Branca.
Biden reconheceu os custos devastadores de uma guerra que terminou num desastre
humilhante.
A
derrota sofrida pelos Estados Unidos nas mãos da insurreição talibã
revela o
fracasso não só das políticas seguidas no
Afeganistão, mas também de toda a estratégia que tem guiado as acções do
imperialismo americano, dentro e fora do país, durante décadas.
O objectivo político imediato do discurso de Biden foi defender o seu governo de duras críticas à forma como lidou com a caótica evacuação de 17 dias que se seguiu à tomada de posse dos talibãs no país, e o colapso precipitado do regime de marionetas em Cabul e das suas forças de segurança. formada pelos Estados Unidos. Treze militares norte-americanos perderam a vida durante esta operação, outros 20 ficaram feridos.
Os ataques vêm não só dos republicanos,
mas também de uma ampla camada de funcionários democratas. Os meios de
comunicação, que "incorporaram" nas forças armadas norte-americanas e
apoiam incansavelmente as guerras dos EUA, reagiram com uma hostilidade
particularmente virulenta.
O
editorial do Washington
Post de terça-feira descreveu a evacuação
de Cabul como "um desastre moral, atribuível não às acções de militares e
diplomáticos em Cabul... Mas aos erros estratégicos e tácticos de Biden e da
sua administração." Para ter uma ideia correcta, o jornal publicou uma
coluna de Michael Gerson, antigo conselheiro e escritor de discursos de George
W. Bush, que partilha a responsabilidade política pelas guerras criminosas no
Afeganistão e no Iraque. Condenou "a saída em pânico, desleixada e
humilhante da administração Biden do Afeganistão, que depende da bondade dos
talibãs e é comemorada por imagens indeléveis de caos e traição".
Uma tal retórica sobreaquecida reflecte as divisões furiosas e as recriminações no seio do governo dos EUA e o seu aparelho militar e de inteligência sobre o desastre no Afeganistão.
Embora repleto de contradições, evasões e falsificações históricas, o discurso de Biden pretendia, pelo menos em parte, apelar aos amplos sentimentos anti-guerra do povo americano.
Era "hora de voltar a ser honesto
com o povo americano", disse, reconhecendo tacitamente que a classe
dirigente americana lhes tinha mentido sistematicamente sobre as razões e a
condução de guerras no Afeganistão, no Iraque e noutros locais.
Disse que os EUA gastaram "300
milhões de dólares por dia durante duas décadas" nesta guerra, acrescentando
que "sim, o povo americano devia ouvir isso... E o que perdemos como
resultado em termos de oportunidades."
Apontou a pesada perda de vidas e
mutilações, com 2.461 soldados norte-americanos mortos e 20.744 feridos.
"Muitos dos nossos veteranos passaram por um inferno", disse. "Destacamento
após destacamento. Meses e anos longe das suas famílias... dificuldades
financeiras, divórcios, perda de membros, traumatismo craniano, stress
pós-traumático. Vemos isto nas dificuldades que muitos deles enfrentam quando
regressam a casa. ... O custo da guerra, eles vão carregá-lo com eles toda a
sua vida.
Biden
citou "uma estatística chocante e espantosa que deve fazer com que
qualquer pessoa que pense que a guerra pode ser de baixa intensidade, de baixo
risco ou de baixo custo: 18 veteranos, em média, morrem por suicídio todos os
dias na América — não num lugar distante, mas aqui
na América".
Ele também se referiu obliquamente aos
custos sociais de um país perpetuamente em guerra: "Se tens 20 anos hoje,
nunca conheceste uma América em paz."
O quadro pintado neste discurso é uma
condenação tremenda do governo americano e dos seus dois partidos políticos,
que perpetuaram guerras que infligiram sofrimento incalculável, privaram a
sociedade de vastos recursos e submeteram toda uma geração a violência e terror
ininterruptas.
O
presidente dos EUA, no entanto, não mencionou o maior custo da guerra e da
ocupação dos EUA: a
morte de 170.000 a 250.000 afegãos, as centenas de milhares de feridos e o
deslocamento de milhões de civis não
combatentes.
Biden não conseguiu dar uma explicação
racional para esta guerra. Ele alegou que foi lançado em resposta aos ainda inexplicáveis
ataques de 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington DC, onde 15 dos
19 sequestradores eram sauditas, e nenhum afegão.
Gabava-se
de que a guerra dos EUA tinha "dizimado" a Al-Qaeda no Afeganistão, embora reconhecesse que "a
ameaça terrorista se metastizou em todo o mundo, muito além do
Afeganistão". Citou elementos ligados à Al-Qaeda na Síria, Iraque,
Somália, Península Arábica e "por toda a África e Ásia".
Na verdade, no próprio Afeganistão, os
serviços secretos norte-americanos estimam que o Khoran (ISIS-K), responsável
pelo atentado suicida do aeroporto de Cabul, tem cerca de 2.000 combatentes,
contra algumas centenas de membros da Al-Qaeda no Afeganistão, em 2001.
O
crescimento destas forças mercenárias é um produto directo das guerras de
agressão dos EUA no Afeganistão e no Iraque, e o uso de milícias ligadas à Al-Qaeda
como tropas terrestres de procuração nas suas guerras de mudança de regime na
Líbia e na Síria.
Tomado como um todo, o discurso de Biden é uma exposição devastadora às guerras americanas baseadas em mentiras e fabricações e cujo custo tem sido horrível. A este respeito, o Afeganistão é inseparável do Iraque, da Líbia, da Síria e de outros países.
Para
que tudo isto? O que justificou o desperdício de triliões de dólares e a perda
de centenas de milhares de vidas? E quem deve ser responsabilizado por estes crimes
dentro do governo, dos principais partidos, do alto comando militar, das
corporações americanas, dos meios de comunicação social e das figuras
académicas que promoveram e justificaram estas guerras?
Biden disse no seu discurso: "Esta decisão sobre o Afeganistão não é apenas sobre o Afeganistão. Trata-se de acabar com uma era de grandes operações militares que visavam refazer outros países."
Com efeito, um desastre desta magnitude assinala o fim
de uma era e a ruptura de toda uma estratégia seguida pelo imperialismo
americano, baseada no uso da força militar para compensar a erosão gradual da
sua hegemonia mundial.
A partir da década de 1980, Washington
estava determinado a "quebrar a síndrome do Vietname", isto é, para
reverter as consequências políticas da derrota sofrida pelo imperialismo
norte-americano no Vietname, a fim de lançar novas guerras de agressão
imperialistas.
Com
a dissolução da União Soviética às mãos da burocracia estalinista de Moscovo,
esta política decolou; foi o prelúdio da primeira guerra americana no Golfo
Pérsico, seguido de intervenções americanas nos Balcãs. Washington abraçou a
noção de que o mundo tinha chegado a um "momento unipolar" em que o imperialismo
americano podia embarcar numa corrida frenética para o domínio mundial e a
contra-revolução.
Os acontecimentos duvidosos de 11 de Setembro de 2001, que nunca foram verdadeiramente explicados até à data, foram explorados para justificar guerras de agressão no estrangeiro, tortura e construcção de um Estado policial nos próprios Estados Unidos.
A humilhante retirada do Afeganistão sinaliza o fracasso não só da política norte-americana naquele país, mas também de toda uma estratégia, visão de mundo e agenda de domínio global e reacção interna que dura há 30 anos.
Este
desastre, que se cruza com uma escalada da luta de classes nos Estados Unidos e
em todo o mundo, sob o impacto da crescente desigualdade social e das políticas
assassinas orientadas para os lucros das classes dominantes mundiais em
resposta ao COVID-19,tem implicações profundamente revolucionárias.
No entanto, o perigo da guerra não diminuiu. Na verdade, Biden usou o seu discurso para insistir na capacidade do imperialismo norte-americano de continuar os seus ataques assassinos "para além do horizonte", contra o Afeganistão ou qualquer outro país do mundo; ao mesmo tempo que desloca o seu poder militar para confrontos muito mais perigosos com a China e a Rússia, duas potências nucleares.
A questão decisiva é o arsenal do movimento emergente
da classe operária com uma perspetiva socialista e internacionalista para pôr fim à guerra e ao sistema capitalista que é a
sua fonte.
Além deste texto, o leitor vai encontrar aqui a posição do grupo de esquerda radical do Afeganistão: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/09/retirada-das-tropas-dos-eua-e-da-nato.html
Fonte: Le discours de Biden sur l’Afghanistan: l’aveu d’une lourde défaite – les 7
du quebec
Este
artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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