24 de Setembro de
2021 Ysengrimus
YSENGRIMUS — Cinquenta e cinco anos e há alguns dias, exactamente a 8 de Setembro de 1966, o que viria a ser a monstruosa saga televisiva e cinematográfica STAR TREK começou. E um dia surge a questão: se eu quisesse introduzir a emoção utópica e a alegria futurista da já referida cultura Star Trek a uma pessoa que não sabe nada sobre isso e tem um interesse mínimo em ficção científica, como o faria? Discuti o golpe com Reinardus-le-goupil, entre um prato de porco grelhado, macarrão e o nosso pequeno ecrã de radiodifusão Star Trek IV, The Voyage Home, a quarta longa-metragem no cinema da saga das personagens resistentes da Federação Unida de Planetas. Porquê favorecer esta opus cinematográfica para sugerir um contacto inicial com o mundo de Star Trek? Por três razões. Em primeiro lugar, a dinâmica deste filme específico destaca fortemente os actores e as suas personagens e isto, acima dos efeitos especiais e dos habituais tiques galácticos zap-boom da ópera espacial. Isto permite uma abordagem mais íntima ao Kirk, ao Spock, ao McCoy e a todo o seu grupo. Esta apreciação do actor e a sua forma de trabalhar a sua personagem é um dos encantos constantes da saga Star Trek. Ela está particularmente bem estabelecida neste filme. Depois, o tema tratado, ecológico, baleeiro, ambientalista é comovente, tocante, abraçado ao mesmo tempo com uma ternura e uma ironia crítica que sintetiza maravilhosamente a utopia de Star Trek. Finalmente, um grande trunfo, o filme é dirigido por Leonard Nimoy (o brilhante actor que interpreta Spock). Nimoy é um realizador sensível, que dirige finamente os seus actores e actrizes e que tem um toque imparável para as personagens e temas femininos (devemos-lhe em particular A Boa Mãe, e os soberbos Três homens e um bebé, particularmente a versão bem sucedida dos EUA de Três Homens e um Bébé). A combinação aqui é perfeitamente vencedora e faz de Star Trek IV um filme irresistível que recomendo calorosamente a todos os não-trekkies do nosso vasto mundo.
Os primeiros quinze minutos são um pouco turbulentos porque se ligam directamente ao opus anterior, sem que este seja de particular importância para os fins do exercício actual. O que precisas de saber é que James T. Kirk, que agora é almirante, e os seus oficiais de topo se comportaram como facciosos de primeira linha, desobedecendo a ordens, roubando o seu antigo navio em doca seca (a mítica Enterprise) e correndo para o resgate de Spock, cuja vida salvaram. As circunstâncias épicas desta sucessão de golpes torcidos envolveram a sabotagem vândala de outro navio da Federação (o Excelsior), uma escaramuça desastrosa com um cruzador de batalha Klingon, a sabotagem mortífera da Enterprise,a destruição de um planeta, a morte do filho de Kirk, e um incidente diplomático catastrófico com o Império Klingon. Quando o nosso filme começa, os nossos facciosos aflitos, que não se deixam convencer por dois cêntimos, refugiam-se em Vulcano, o planeta natal de Spock, com uma fragata klingon roubada que rebaptizaram A Bounty. Na Terra, o Embaixador Klingon expressa a ira do Império e exige que Kirk e o seu facciosos sejam indiciados perante a mais alta corte da Federação Unida de Planetas. O embaixador até fez desta acusação uma condição sine qua non para a continuação das negociações de paz entre o Império Klingon e a Federação. É tão grande quanto isto... Limpos até à roupa interior, o Almirante James Tiberius Kirk (William Shatner), o cirurgião de voo Leonard McCoy (DeForest Kelley – 1920-1999), o engenheiro chefe de voo Montgomery Scott (interpretado pelo actor canadiano James Doohan - 1920-2005), o oficial de comunicações Nyota Uhura (Nichelle Nichols), o piloto Hikaru Sulu (George Takei) e o artilheiro e segundo-comandante do cientista Pavel Chekov (Walter Koenig) decidem render-se e enfrentar o seu julgamento. O segundo oficial e adido científico Spock (Leonard Nimoy – 1931-2015), em remissão da sua dolorosa desventura do filme anterior, junta-se a eles, enquanto procura reconectar-se com a sua faceta humana, encarnada nele pela sua mãe terrena. Então vamos para a Terra, a bordo desta fragata Klingon que cospe por todo o lado, uma vez que não está nas melhores condições mecânicas.
Na
órbita da Terra, entretanto, uma sonda desconhecida manifesta-se,
aproximando-se dela emitindo sons singulares, destruindo tudo no seu caminho,
visando especialmente os oceanos. O controlo de comando da Federação perde o
seu latim e também perde sumo por todas as suas antenas. Esta estranha sonda,
que bombeia todos os seus recursos energéticos para dentro dela, parece à beira
de destruir a Terra e, culminando no drama, nem sequer parece ser um acto agressivo
ou mesmo voluntário. Na fragata Klingon que se aproxima da Terra, Spock
descobre que o que a sonda emite são os sons da canção da baleia corcunda. A
sonda está visivelmente a tentar estabelecer contacto com uma das formas de
vida terrestres mais inteligentes que existe, a... baleia corcunda. Esta espécie,
que no século XXI está em completa extinção, é o que a sonda aspira a
reconectar-se, e arrisca-se a partir tudo se não encontrar rapidamente o que
procura. Kirk pergunta ao Spock se podia imitar o som das baleias. Spock
respondeu que podia imitar o seu canto, mas não a sua língua. A resposta seria
em galimatias. Não há nada a fazer. Correndo o risco de destruir a fragata Klingon
fragmentada em pedaços, será necessário recuar no tempo, até 1986, apanhar duas
baleias corcundas, convencê-las, através de uma comunicação da telepatia
vulcana, a colaborar, e trazê-las de volta ao século XXI para que conversem com
esta sonda desconhecida e a convençam a acalmar o pendão. Um programa sublime.
1986, portanto, numa bela noite tranquila sobre a Baía de São Francisco, a fragata Klingon, tornada completamente invisível pelo seu mecanismo de camuflagem defensiva, aterra suavemente num parque da cidade, esmagando um caixote do lixo e assustando os colectores de lixo em acção. É que os nossos heroicos aventureiros cosmológicos detectaram baleias corcundas na vasta bacia de um parque de diversões oceanográfico em São Francisco. O Almirante Kirk explica aos seus oficiais: é um mundo selvagem, primitivo, arcaico e imprevisível. Estejam prontos para tudo. É aqui que começa o espectáculo. Kirk e Spock conhecerão a Dra. Gillian Taylor (Catherine Hicks, uma actriz totalmente alheia ao universo Star Trek e que literalmente usa uma parte significativa desse puro deleite nos seus robustos ombros), do Instituto Cetáceo em S. Francisco. A Drª Taylor zela por George e Gracie, duas baleias corcunda que, devido a cortes no orçamento, estão prestes a ser soltas na natureza, onde terão que “tentar a sorte” contra vários caçadores de baleias desta vasta região. Sim, é aqui que o cenário exulta. Os oficiais de Kirk, em uniformes de fantoches, terão de interagir com a população normal de Frisco. Chekov será confundido com um espião soviético (já podemos sentir o tom relaxado e mais bufão dos anos Gorbachev), McCoy discutirá diagnósticos com médicos “medievais”, Sulu pilotará um helicóptero, Sotty dedilhará um pequeno Macintosh branco da década de 1980. Mas, acima de tudo, Kirk e Spock cozinharão a Drª Taylor para conhecer os detalhes da libertação das baleias corcundas. Esta vai desconfiar do rapaz engenhoso do Iowa que se dá com um arruaceiro fantasmagórico e omnisciente a quem chama almirante. Reflexão e emoção irão rapidamente girar em torno do relacionamento que a Drª Taylor estabelece com essas baleias corcunda que ela tanto aspira proteger da humanidade cruel do seu tempo. Ela passará entáo a questionar-se do seguinte: o que o seu tempo não pode dar, e até mesmo cruelmente arebata, esses bufões utópicos, na sua fragata invisível, poderiam eles fornecer? Personalidade sagaz e determinada, Gillian não perderá o norte por um segundo e tirará ases da sua manga trémula que forçará até mesmo um James T. Kirk a retirar as suas cartas.
Imaginem
que são uma mulher do século passado, angustiada pelos seus constrangimentos
protectores para com dois enormes animais, doces, inocentes e ameaçados por
todos os lados, e que conhecem um bando de alienígenas calorosos, cativantes, astutos,
que te prometem um mar sem caça e um
mundo sem arpões para os teus adorados putativos filhos. O que fariam?
Resistiriam? Este filme é o encontro de públicos contemporâneos não-trekkie
(interpretado por Gillian Taylor, com quem irresistivelmente nos identificamos)
com as personagens saborosas, improváveis, formidáveis e empreendedoras da
fantasmagoria star trek... O charme funciona inteiramente e
Reinardus-le-goupil aprova. Não devemos resistir à utopia que seduz. Porque ao
fazê-lo, é também o que se anuncia.
Nyota Uhura (Nichelle Nichols) e a oceanógrafa de 20 mundos Gillian Taylor (Catherine Hicks)
Star Trek IV – The Voyage Home, 1986,
Leonard Nimoy, filme americano protagonizado por William Shatner, Leonard
Nimoy, Catherine Hicks, DeForest Kelley, Nichelle Nichols, George Takei, James
Doohan, Walter Koenig, 119 minutos.
Fonte: Le film de STAR TREK que je recommande à l’intégralité du genre humain –
les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por
Luis
Júdice
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