Maio 10, 2024 Robert Bibeau
Um excelente artigo sobre a natureza da escalada a que as populações europeias estão habituadas. Basta ouvir televisão e medir o consenso que se tenta alcançar em torno de uma "resposta europeia" e do qual Macron se tornou o porta-voz para medir até que ponto este comentador russo, próximo de Putin, descreve uma situação muito real em que cada proposta contradiz a anterior para fazer com que as pessoas aceitem a substância, ou seja, a guerra que estamos certos de perder. Mas não importa: quando necessário, assustamos a Rússia e, quando nos convém, dizemos que é bluff.
Danielle Bleitrach
por Pyotr Akopov
A mensagem-chave que domina a propaganda dos EUA dirigida à Europa é que a
luta contra a Rússia pela Ucrânia é de vital importância para todo o Ocidente –
e que os EUA, com a Europa no formato da NATO, devem fazer tudo para derrotar
Moscovo, para parar Putin, ou ele atacará a Europa depois da Ucrânia. Esta
ideia é repetida em Washington por políticos e militares, e quando a Europa se
preocupa com uma possível mudança na estratégia dos EUA se Donald Trump
regressar à Casa Branca, é assegurado que, mesmo assim, não ocorrerá qualquer
catástrofe: a inércia da política externa dos EUA é demasiado grande e ninguém
permitirá que o novo Presidente mude abruptamente de rumo.
A Europa não acredita nisso, mas mantém-se fiel à linha atlântica de
solidariedade – e o que alguns analistas americanos já começam a sugerir é
ainda mais interessante:
«Muitos políticos e colunistas nos EUA e na
Europa estão a repetir os argumentos de Putin, alertando que qualquer
intervenção externa na Ucrânia levaria à Terceira Guerra Mundial. Na realidade,
o envio de tropas europeias seria uma resposta normal a um conflito desta
natureza."
«O conflito russo perturbou o equilíbrio de
poder regional e a Europa tem um interesse vital em ver esse desequilíbrio
corrigido. A maneira óbvia de conseguir isso é fornecer uma tábua de salvação
para o exército ucraniano, que poderia ser novamente abandonado à sua sorte
pelos Estados Unidos, e a melhor tábua de salvação seriam os soldados europeus."
«Os líderes europeus não precisam de seguir
os ditames cada vez menos fiáveis dos Estados Unidos sobre como lutar na
Ucrânia, podem e devem decidir por si próprios a melhor forma de garantir a
liberdade e a segurança do continente."
Esta citação é do
enorme texto "A
Europa, mas não a NATO, deve enviar tropas para a Ucrânia", publicado esta
semana no The
Foreign Affairs. Três dos seus autores não são altos funcionários dos EUA, mas têm peso na
comunidade de especialistas, tendo trabalhado em vários think tanks que lidam
com questões estratégicas: o coronel aposentado Alex Crowther, o actual
tenente-coronel da Força Aérea dos EUA Jahara Matisek e Phillips O'Brien da
Universidade de St Andrews. O que propõem não passa de uma provocação directa:
estão a tentar convencer a Europa de que deve participar nos combates na
Ucrânia sem se preocupar com os Estados Unidos.
Sim, esqueçam a NATO e
os EUA ("os
líderes europeus não podem deixar que a disfunção política dos EUA dite a
segurança europeia"), ajam por conta própria, enviem tropas para a Ucrânia o mais
rapidamente possível e não temam nada – Putin está a fazer bluff!
«As tropas europeias poderiam participar em
missões de combate e não combate, a fim de aliviar a pressão sobre a Ucrânia.
Uma missão de não-combate seria a mais fácil de vender na maioria das capitais
europeias. As tropas europeias poderiam aliviar os ucranianos desempenhando
funções logísticas, como a manutenção e reparação de veículos de combate."
Mas a "missão de não-combate" é apenas o
começo, algo que é de facto "mais fácil de vender" aos europeus (embora isso seja
mentira: ainda hoje, as sondagens mostram atitudes negativas a este respeito na
maioria dos países da UE) – será seguida por um envolvimento total na guerra:
«Uma dessas missões poderia ser fortalecer
as capacidades de defesa aérea da Ucrânia na região, destacando pessoal,
fornecendo equipamentos ou até mesmo assumindo o comando e controle do sistema
de defesa aérea da Ucrânia.
O
envio de tropas europeias seria uma resposta normal a um conflito desta
natureza. Outro papel de combate, que, tal como a missão de defesa aérea, não
deve envolver o contacto com as forças russas, é patrulhar partes da fronteira
ucraniana onde as tropas russas não estão estacionadas, como a costa do Mar
Negro, as fronteiras com a Bielorrússia e a Transnístria.
Um dos potenciais alvos da Rússia é Odessa, o principal porto da Ucrânia por onde passa a maior parte das exportações do país. Se as tropas russas se aproximarem da cidade, as forças europeias próximas terão o direito de se defender disparando contra os soldados que avançam».
É claro que, para justificar tal coisa, é preciso assustar os europeus o
máximo possível – e muitas afirmações sobre a ameaça russa à Europa estão
espalhadas ao longo do artigo:
«Não há razão para esperar que Putin pare
na Ucrânia, ele já disse que todas as ex-repúblicas soviéticas deveriam ser
devolvidas à Rússia. Os Estados Bálticos poderiam ser os próximos, seguidos
pela Finlândia e pela Polónia, que eram principados dentro do império russo
pré-soviético."
Escusado será dizer
que tudo isto é uma mentira absoluta, mas The Foreign Affairs não é um
tabloide, mas uma das publicações americanas mais influentes; os seus autores
ensinam em universidades militares americanas e aconselham as autoridades em
Washington. É claro que, neste caso, o seu objectivo é convencer os líderes
europeus da necessidade do envolvimento directo da Europa na guerra contra a
Rússia, mas não há dúvida de que eles próprios acreditam no que dizem, ou seja,
que estamos perante uma percepção completamente inadequada da realidade. A
parte mundialista e atlantista da elite americana acredita que a Rússia e Putin
vão conquistar uma parte da Europa, para a tirar da América, e como os próprios
Estados Unidos entram num período de turbulência política interna, apela à
Europa para assumir a responsabilidade e combater Putin no território da
Ucrânia. Porque "a
Ucrânia é a Europa".
«A Rússia deposita todas as suas
esperanças de vitória no facto de a Europa considerar a Ucrânia separada do
resto do continente. Até agora, as suas esperanças estão a ser realizadas. Os
líderes europeus toleram um conflito na Ucrânia que provocaria uma resposta
europeia unificada se acontecesse em qualquer país da NATO ou da UE. Esta
atitude permitiu à Rússia lançar um conflito militar na Ucrânia porque está
convencida de que o resto da Europa manterá distância.
A
chegada de tropas europeias à Ucrânia vai alterar este cálculo. Moscovo terá de
aceitar que a escalada europeia pode tornar um confronto militar invencível
para a Rússia."
Então a Europa deveria entrar num conflito militar directo com a Rússia
para controlar a Ucrânia, ignorando a ameaça de uma escalada da guerra numa
guerra nuclear? Claro! E o que dizer do facto de esta tese contradizer a anterior,
nomeadamente os planos da Rússia para tomar parte da Europa? Não há problema.
Quando necessário, assustamos a Rússia e, quando nos convém, afirmamos que está
a fazer bluff:
«A verdadeira questão é se a Rússia
realmente usará armas nucleares se as tropas europeias entrarem na Ucrânia.
Talvez este já seja um ponto discutível, dado que as forças de operações
especiais ocidentais estão actualmente a operar na Ucrânia."
«Moscovo fala regularmente de forma
agressiva contra os membros da NATO, mas até agora só latiu e não mordeu,
evitando o contacto com as forças da NATO e concentrando-se em países vizinhos
fora da aliança, como a Geórgia e a Ucrânia, dos quais pode abusar com
segurança.
«Putin ameaçou atacar a Polónia, a
Roménia e os Estados bálticos já em 2014 e, nos anos seguintes, ameaçou invadir
a Finlândia e a Suécia por aderirem à NATO, a Noruega por acolher tropas
adicionais dos EUA, a Polónia e a Roménia por acolherem instalações de defesa
anti-mísseis e "qualquer país europeu" que permitisse a instalação de
mísseis norte-americanos no seu território.
«Nos últimos quinze anos, o Kremlin
ameaçou ou travou jogos de guerra a simular o uso de armas nucleares contra a
Dinamarca, a Polónia, a Suécia, a Ucrânia, o Reino Unido, os Estados Bálticos,
a União Europeia como um todo e, claro, a NATO e os Estados Unidos."
«Em algum momento, os líderes europeus
devem ignorar as bofetadas no queixo de Putin, que nada mais são do que
propaganda baseada na ideia infundada de que a Otan quer atacar ou invadir a
Rússia."
Por isso, o conselho é simples: a Europa deve ignorar os avisos de Putin,
que há muito ameaça atacar os países da NATO (por mais que seja invenção), mas
nunca ousou fazê-lo. Então vão em frente, enviem tropas para a Ucrânia (que não
é a Rússia, mas a Europa, não se esqueça) – não haverá guerra nuclear!
Toda essa loucura analítica também é embelezada com uma tese tão deliciosa:
«Além disso, uma resposta liderada pela
Europa minaria a propaganda russa de que a intervenção dos países da NATO na
Ucrânia é apenas uma manobra dos EUA para enfraquecer a Rússia."
«A alegação de que a NATO é o agressor é
popular em muitas partes do mundo. E como as forças europeias operariam fora da
NATO e do território da NATO, qualquer perda não desencadearia uma resposta ao
abrigo do artigo 5.º e não envolveria os Estados Unidos. O adversário da Rússia
não será a NATO, mas uma coligação de países europeus que procura
contrabalançar o imperialismo russo."
Claro que, se a guerra envolve oficialmente não a NATO, mas países da
Aliança do Atlântico Norte, não é uma guerra da Rússia contra a NATO, mas uma
guerra contra países individuais da União Europeia! Não há necessidade de
comentar isso, excepto para lembrar que, noutra realidade fictícia, os europeus
têm medo de que a OTAN entre em colapso se não responder ao desafio de Moscovo
na Ucrânia (afinal, não esqueçamos que Moscovo atacará os Estados bálticos!)
Todas estas subtilezas
de uma mente excitada seriam risíveis se não brincassem com o verdadeiro fogo e
a verdadeira guerra que está a ter lugar no território do mundo russo e com a
vida dos seus habitantes na Ucrânia. No entanto, os líderes europeus, depois de
lerem o parecer do The
Foreign Affairs, não o verão como um guia para a acção, mas como uma confirmação dos seus
piores receios: os atlantistas ultramarinos encontram-se finalmente num impasse
e querem sair dele usando as cabeças dos seus parceiros europeus de segunda
categoria como aríete.
fonte: RIA
Novosti via História e Sociedade e https://reseauinternational.net/si-cest-sans-lotan-alors-pas-de-probleme-comment-on-prepare-les-europeens-a-la-guerre-contre-la-russie/
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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