domingo, 19 de maio de 2024

A táctica do Comintern de 1926 a 1940 (Parte 3, cap. 4)

 



Continuamos a tradução e a publicação do texto de Vercesi sobre a degenerescência do internacionalismo comunista. As duas primeiras partes, que compreendem os três primeiros capítulos da contribuição original, retrataram os episódios do comité anglo-russo durante a grande greve de 1926 na Grã-Bretanha, depois a crise do partido russo e da Internacional que levou à vitória do estalinismo e, finalmente, a derrota sangrenta das revoltas operárias na China em 1927. Depois disso, veio o "terceiro período", como a própria Internacional degenerada o chamou, que é o tema desta terceira parte da nossa republicação. Começa antes da eclosão da crise económica de 1929 e termina com a chegada ao poder dos nazis na Alemanha. Para além de traçar o processo de degeneração, a contribuição de Vercesi recorda também as diferentes posições que a esquerda italiana, infelizmente sozinha, tomou em cada fase desse processo. Não havia fatalismo na concepção da esquerda italiana da época, na sua concepção do "curso da história". Pelo contrário, as suas posições, orientações e palavras de ordem poderiam ter permitido estabelecer linhas de defesa por detrás das quais o proletariado, ou pelo menos algumas das suas secções, poderia ter-se mobilizado para defender as suas condições de vida. Assim, afirmando a sua unidade de classe, poderia ter limitado a amplitude da contra-revolução, a começar pela Alemanha, em vez de dissolver as suas forças na luta "contra o fascismo social", depois contra o "fascismo". O caminho para a guerra imperialista, por mais óbvio que fosse, não era inevitável.

 

A tática da ofensiva e do social-fascismo (1929-1934)

 

Foi no seio dos partidos socialistas da Segunda Internacional, tanto antes de 1914 como no imediato pós-guerra, entre 1919 e 1921, que se formaram partidos comunistas em todos os países. A direita reformista e a esquerda revolucionária tomaram posições completamente opostas, a primeira adoptando uma posição de unidade e a segunda de cisão. Em Itália, foi a facção abstencionista que - em estrita conformidade com as decisões do Segundo Congresso da Internacional Comunista, em Setembro de 1920 - tomou a iniciativa de dividir o "velho e glorioso Partido Socialista". Enquanto todas as correntes deste partido, a direita reformista e a esquerda maximalista, incluindo Gramsci e a Ordem Nova (l'Ordine Nuovo) eram a favor da unidade "de Turati a Bordiga".

A Internacional Comunista - sob a direção de Lenine - seguiu correctamente o método de Marx para construir o órgão fundamental da classe proletária: o partido de classe. Este só pode ser constituído com base na definição rigorosa de um programa teórico e da correspondente acção política, que encontra na organização do partido, limitada exclusivamente àqueles que aderem a este programa e a esta acção, o instrumento capaz de operar a mudança de situação que o grau de maturidade revolucionária pode permitir. O facto de a direita e o resto das correntes políticas intermédias serem a favor da unidade não nos deve surpreender, uma vez que, em última análise, actuam no interesse da preservação do mundo burguês. Pelo contrário, a esquerda marxista só pode aspirar ao derrube deste mundo burguês na condição de concretizar as suas premissas ideológicas, teóricas e organizativas através desta fractura decisiva que determina a autonomia histórica da classe proletária.

No seio da Terceira Internacional, o processo manifestou-se de forma diferente. A influência, em primeiro lugar, e depois a captura desta organização pelo capitalismo é conseguida através da expulsão de qualquer corrente que não se submeta às decisões contra-revolucionárias do centro dirigente. O facto que determina esta mudança é a presença do Estado proletário que - na actual fase histórica do totalitarismo de Estado - não pode tolerar qualquer impedimento, qualquer obstáculo, qualquer oposição. Se é verdade que o Estado democrático burguês ainda pode tolerar estas discussões ou oposições, estas, estando na periferia da sua actividade, nunca poderão perturbar a evolução determinada pelo processo de desenvolvimento do monopólio financeiro. Por outro lado, tanto no Estado proletário em degenerescência como no Estado burguês fascista (resultado da fase mais avançada da luta de classes em relação ao Estado democrático), a ditadura do centro dirigente realiza-se excluindo qualquer possibilidade de tendências oposicionistas, incluindo as que actuam mesmo num campo periférico.

É sabido que, no tempo de Lenine, o Partido Russo era palco de intensas discussões no seio das suas fileiras e que, até 1920, podiam mesmo existir fracções organizadas no seu seio. Mas esta era uma altura em que se faziam esforços para adaptar a política do Estado proletário às necessidades da revolução mundial. Depois, o problema inverteu-se e tratava-se de adaptar a política do Partido à do Estado, que obedecia cada vez mais às necessidades contingentes, mutáveis e contraditórias do seu alinhamento com o ciclo geral da evolução histórica do regime capitalista internacional em que estava prestes a ser incorporado.

O centro dirigente deve ter o controlo absoluto e monopolista de todos os órgãos do Estado, o que começa com as expulsões do partido e terminará com a execução sumária não só daqueles que se opõem firmemente ao curso estabelecido da contra-revolução, mas mesmo daqueles que tentam salvar a vida renegando a sua anterior oposição. Apesar das capitulações, as várias oposições dentro do Partido Russo foram aniquiladas pela violência e pelo terror. Trotsky, por seu lado, manteve-se firme na sua oposição intransigente a Estaline, mas, traçando o curso da revolução russa segundo o modelo da revolução francesa, considerou que a inversão da função do Estado russo, de revolucionário para contra-revolucionário, só poderia ser alcançada com o aparecimento do Bonaparte russo. Até esse aparecimento, uma vez que a industrialização intensiva da Rússia é impossível e o ataque militar à Rússia pelo resto do mundo capitalista é inevitável, existem as condições para "endireitar" a Internacional, quer a partir do interior, quer, quando isso se revelar impossível devido ao regime de purga no interior da Internacional, também através da esquerda socialista.

A esquerda italiana, pelo contrário, em estreita relação com as posições de Marx, Lenine e com o método indicado após a fundação do Partido em Livorno, nunca entrou no caminho da capitulação de Zinoviev ou da rectificação de Trotsky. Da oposição programática no campo político derivou o método da fracção consequente, colocando constantemente o problema da substituição do corpo político contra-revolucionário por aquele que permanecia na orientação oposta da revolução mundial.

Numa palavra, os partidos socialistas da Segunda Internacional foram gradualmente corrompidos pela força de inércia das forças históricas de preservação burguesa, que tentaram atrair para o seu círculo a tendência marxista e proletária, mantendo-a acorrentada dentro de um "partido unificado". Nos partidos comunistas, por outro lado, devido à existência do Estado "proletário", a contaminação burguesa só podia ser conseguida através da eliminação disciplinar, primeiro, e depois da eliminação violenta, de qualquer tendência que não se conformasse com as necessidades mutáveis da evolução contra-revolucionária deste Estado: tendências de esquerda e de direita; depois do julgamento de Zinoviev veio também o dos direitistas Rikov e Bukharin.

Em termos políticos, portanto, o processo de desenvolvimento da direita reformista segue uma concatenação lógica que permite encontrar no ataque teórico de Bernstein e no revisionismo do final do século passado as premissas da traição de 1914 e de Noske em 1919. No decurso da degenerescência da Internacional Comunista, pelo contrário, assistiremos a uma sucessão de posições políticas em violenta oposição umas às outras. Trotsky viu, no início do "terceiro período" de que nos ocupamos particularmente neste capítulo (aquando do VI Congresso em 1928), uma orientação de esquerda susceptível de evoluir para uma "recuperação" da Internacional. A nossa corrente, pelo contrário, considera-o como um momento do processo de desenvolvimento que devia levar os partidos comunistas a tornarem-se instrumentos essenciais do capitalismo mundial. Este processo estava destinado a atingir o seu apogeu se não fosse quebrado pela vitória das fracções da esquerda marxista no seio dos partidos comunistas.

Além disso, a nossa corrente não concluiu que o fosso cada vez maior entre a política degenerada da Internacional e o programa e os interesses do proletariado exigia a formação de novos partidos. O facto de este fosso se alargar enquanto o processo histórico não conduzia a uma reafirmação oposta da classe proletária, encorajava-nos a não nos lançarmos em aventuras do tipo proposto por Trotsky, que chegou a defender, após a tomada do poder por Hitler em Janeiro de 1933, o entrismo na oposição dos partidos socialistas. A nossa facção continuou a preparar as condições para a recuperação do proletariado através de uma compreensão real da evolução do mundo capitalista, em cuja órbita a Rússia Soviética também tinha entrado.

Já vimos, no capítulo dedicado aos acontecimentos chineses de 1926-27, que o traço caraterístico da táctica da Internacional é dado não só por posições oportunistas, mas por posições violentamente opostas aos interesses imediatos e finais do proletariado. A Internacional não pode ficar a meio caminho, tem de ir até ao fim: as necessidades da evolução contra-revolucionária do Estado, no seu seio, assim o exigem. Depois do triunfo da teoria do "socialismo num só país", depois de ter rompido com os interesses do proletariado mundial, não podia ficar simplesmente suspensa no ar. Tinha de ir directa e violentamente para o lado oposto da preservação do mundo capitalista.

Quando existiam possibilidades revolucionárias na China, até Março de 1927, foram defendidas a política e a táctica da disciplina proletária em relação à burguesia. Quando essas possibilidades deixaram de existir, o foco passou a ser a insurreição de Cantão de Dezembro de 1927, completando assim o curso político que levaria ao esmagamento do proletariado chinês.

Em 1928, começou a amadurecer a formidável crise económica que iria eclodir no ano seguinte na América e depois alastrar a todos os países. Em 1928, a táctica da Internacional estava ainda imbuída dos critérios seguidos em Inglaterra com o Comité Anglo-Russo e na China com o bloco das quatro classes.

A "insurreição" de Cantão foi apenas um episódio que, como vimos no capítulo anterior, chegou a ser criticado - ainda que em voz baixa - no Executivo Alargado de Fevereiro de 1928. No entanto, os acontecimentos viriam a demonstrar que não se tratava de um episódio fortuito, mas de um pródromo que caracterizava claramente a táctica do "terceiro período", que só seria posta em prática no ano seguinte. Entretanto, em França, a táctica da "disciplina republicana" (conhecida como a "táctica de Clichy") foi aplicada, o que permitiu aos comunistas assegurar a eleição de senadores socialistas e radicais-socialistas contra a direita de Poincaré e Tardieu; na Alemanha, a política do referendo "popular" contra as indemnizações às famílias principescas ; enquanto o Partido Italiano - em correlação com a política seguida no primeiro período do Aventino em Junho-Novembro de 1924 2 - lançou a directiva dos "comités antifascistas" (um bloco que induz a adesão de socialistas, reformistas e todos os opositores do fascismo). Além disso, numa carta dirigida à nossa corrente e publicada no Prometeo (edição estrangeira) n.º 4 de 1 de Agosto de 1928, o Comité Central do Partido escrevia: "Devemos também tomar a dianteira (sublinhado no original) na luta pela república, mas dando a essa luta, desde logo, um conteúdo de classe. Sim, é preciso dizê-lo, também nós somos a favor de uma república garantida por uma assembleia de operários e camponeses". A República Italiana tinha chegado. E, como todos vimos, foi "garantida" pela assembleia de operários e camponeses que, no bairro de Montecitorio, vigiavam ansiosamente o êxito da reconstrução da sociedade capitalista após as convulsões causadas pela guerra e pela derrota militar.

Em 1928, portanto, a Internacional manteve-se no quadro das tácticas de 1926 e 1927 e agiu como a ala esquerda das formações políticas da democracia burguesa. Em seguida, muda radicalmente.

Comecemos por examinar o aspecto teórico da nova táctica que foi gradualmente decidida pelo 9º Executivo Alargado (Março de 1928), pelo 6º Congresso Mundial da Internacional e pelo 4º Congresso simultâneo da Internacional Sindical Vermelha no Verão de 1928, pelo 10º Executivo Alargado em Julho de 1929 e, finalmente, pelo 11º Executivo Alargado em 1931.

Na "Resolução sobre o Papel do Partido Comunista na Revolução Proletária", o Segundo Congresso da Internacional tinha advertido: "As noções de partido e de classe devem ser distinguidas com o maior cuidado". A "tática do terceiro período", tendo desvirtuado completamente os critérios de delimitação das classes, vai até à identificação demagógica da classe no Partido.

No plano económico e social, o marxismo delimita a classe com base no sistema capitalista de trabalho assalariado e considera que a ela pertencem aqueles que vivem do seu salário.

 

 

1. Tendo perdido os seus bens após a abdicação do Kaiser Wilhelm e a revolução alemã de 1918, as grandes famílias principescas foram indemnizadas apesar de um referendo "popular" apoiado pelo KPD em 1926. [Nota do GIGC].

2 . A "Secessão do Aventino" "foi um acto de protesto dos deputados do parlamento italiano contra o nascimento do regime fascista, na sequência do assassinato do deputado Giacomo Matteotti". (wikipedia), ao qual se juntou o PC liderado por Gramsci contra a posição do Partido de Esquerda e de Bordiga [nota do GIGC].

 

 

A transformação era agora radical: a maioria da classe era constituída pelos trabalhadores afectados pela violenta crise económica, ou seja, os desempregados, que eram também o alvo da demagogia nazi. Por isso, o partido não estabeleceu um plano de mobilização total do proletariado, mas limitou a sua acção à mobilização dos desempregados. Assim, os desempregados foram considerados mais conscientes do que os trabalhadores sindicalizados e foi fundada a "Oposição Sindical Revolucionária", enquanto todo o trabalho nos sindicatos dirigidos pelos "sociais-fascistas" foi negligenciado. O proletariado foi assim dividido em dois: a parte controlada pelo Partido, que constituía então a vanguarda, foi separada do resto da classe operária e lançada em acções ofensivas, que deviam oferecer as melhores condições para o êxito da repressão capitalista.

Num plano mais político, a nova táctica não visava atingir a classe capitalista no seu conjunto, mas isolar uma das suas forças, a social-democracia, que seria qualificada de "social-fascista". A Alemanha era o ponto fulcral na evolução do capitalismo mundial, onde se preparava a liquidação do pessoal democrático para ser substituído pelo do nazismo, ao mesmo tempo que se operava a correspondente mudança na estrutura do Estado capitalista. Em vez de insistir na acção de classe do proletariado contra o capitalismo, o Comintern apela às massas para que combatam isoladamente o " social- fascismo " como inimigo número um, o que significa transformar o Partido Comunista num auxiliar da ofensiva hitleriana. E quando Hitler tomou a iniciativa de um referendo "popular" para derrubar o governo social-democrata na Prússia, o Partido estava de facto a trabalhar para o mesmo objectivo, porque não transformou a sua intervenção no referendo num momento de acção geral contra a classe capitalista, mas manteve-se no quadro da luta contra o " social-fascismo ".

Num plano político mais geral, a política do partido pode ser resumida na fórmula "classe contra classe". A classe proletária é agora constituída pelo Partido, do qual emanam todas as formações anexas (oposição sindical revolucionária, Liga Anti-Imperialista, Amigos da URSS e muitos outros organismos colaterais): tudo o que está fora do Partido e dos seus anexos (e não esqueçamos que todas as correntes marxistas foram expulsas do Comintern), é a classe burguesa ou, mais precisamente, o " social- fascismo ". As organizações de massas já não derivavam dos fundamentos da economia capitalista, mas resultavam da iniciativa do Partido, enquanto as fracções sindicais estavam praticamente eliminadas e já não tinham qualquer razão de ser, uma vez que os sindicatos - actuando fora da órbita do Partido - eram organizações "social-fascistas".

Foi nessa altura que apareceu a grande divindade da "linha política do partido". Estamos muito longe do tempo de Lenine, quando as posições tácticas do partido eram postas à prova dos factos e a sua validade era febrilmente procurada! A partir daí, a "linha política" foi consagrada como uma instituição divina e tornou-se criminoso não só pôr em causa a sua infalibilidade, mas também não compreender o seu significado oculto. Isto era absolutamente impossível, uma vez que a "linha política" do partido obedecia apenas às necessidades declaradas de adaptação do Estado russo ao seu novo papel de instrumento da contra-revolução mundial, e só o centro de direcção à frente desse Estado podia reflectir as suas vicissitudes. O resultado foi a repetição de viragens bruscas que deixaram regularmente atrás de si dirigentes partidários que, não tendo abandonado completamente a faculdade de raciocínio e de reflexão, mostraram que não eram "verdadeiros" bolcheviques porque não iam ao ponto de defender com o mesmo calor o contrário do que tinham dito na véspera.

Poder-se-ia considerar, com base numa análise superficial, que os êxitos alcançados no domínio da industrialização na Rússia, o reforço económico e, portanto, militar do Estado russo e o desencadeamento simultâneo da ofensiva "revolucionária" noutros países deveriam ter provocado uma retaliação violenta do capitalismo contra o Estado russo. Isso não só não aconteceu, como, pouco depois da vitória de Hitler na Alemanha, os Estados Unidos reconheceram oficialmente a Rússia, que - de acordo com as declarações da própria direcção do Comintern - tinha assim obtido uma vitória diplomática muito importante, enquanto as portas da Liga das Nações - que Lenine descreveu apropriadamente como "a sociedade dos bandidos" - se abriam à integração da Rússia Soviética. Este foi o resultado lógico do rumo tomado pela política do Comintern.

De facto, houve uma concomitância muito estreita entre o sucesso dos planos quinquenais (que também foram possíveis graças à ajuda capitalista, à importação de matérias-primas para a Rússia em troca da exportação de cereais, numa altura em que as rações de pão eram absolutamente inadequadas) e a política da ofensiva "revolucionária". Na Rússia, as "vitórias colossais do socialismo" foram na realidade o resultado da intensificação da exploração do proletariado e, nos outros países, a classe proletária viu-se - graças à táctica do "terceiro período" - incapaz de reagir à ofensiva capitalista. E a vitória da Rússia no domínio da industrialização e da diplomacia, tal como a tomada do poder por Hitler na Alemanha, são dois aspectos do mesmo curso: o curso vitorioso da contra-revolução do capitalismo mundial, na Rússia como noutros países.

 

***

 

Passemos a uma breve análise dos documentos oficiais do Comintern e dos acontecimentos que caracterizaram a táctica do "terceiro período". Porquê "terceiro"? O VI Congresso Mundial afirma o que se segue: Primeiro período (1917-23), entre a vitória revolucionária na Rússia e a derrota revolucionária na Alemanha. Este foi o período da "crise aguda" do capitalismo e das batalhas revolucionárias; Segundo período (1923-28). Terceiro período (início em 1928 e fim em 1935, com a transição do " social-fascismo " para a Frente Popular). O período da "radicalização" das massas.

Comecemos por assinalar que esta esquematização das situações nada tem a ver com o marxismo, que não distingue "compartimentos", mas representa o processo de desenvolvimento que liga estreitamente as situações e no qual os critérios marxistas da luta de classes permitem discernir flutuações favoráveis e desfavoráveis. De 1917 a 1927, desde a vitória revolucionária na Rússia e o seu reflexo na fundação da Internacional Comunista - a vitória do princípio internacional e internacionalista - até à negação deste princípio quando, na sequência da derrota da revolução na China, triunfou a teoria nacional e nacionalista do "socialismo num só país".

A classificação do VI Congresso, por exemplo, situa o mês de Novembro de 1922 em Itália 3 no primeiro período do avanço revolucionário, acontecimento de excecional importância não só para o sector italiano mas para toda a evolução política do mundo capitalista.

Quanto à caraterização do "terceiro período", o VI Congresso pormenorizará a sua análise do seguinte modo

1- A guerra está iminente. Quem negar este facto não é "bolchevique". Guerra não apenas entre imperialismos (nessa altura, a constelação fundamental era a oposição violenta da Inglaterra e dos Estados Unidos). Ela seria "inelutavelmente" provocada tanto pela Inglaterra, que veria nela a "condição prévia para a sua luta posterior contra o gigante americano", como pelos Estados Unidos, que, embora não tivessem um interesse tão premente em derrubar o "socialismo na Rússia", não podiam deixar de aspirar a estender também aí o seu domínio.

2- O agravamento da luta de classes: "o proletariado não fica na defensiva, mas parte para o ataque".

As massas estão ainda mais "radicalizadas" por estarem desorganizadas.

3- O novo papel da social-democracia, que se tinha tornado "social-fascista". Em 1926-27, a social-democracia era um aliado a quem (ver o Comité Anglo-Russo) o Comintern cedia a direcção dos movimentos proletários. Hoje, é o inimigo número um. Os nazis lançaram a ofensiva na Alemanha: o partido não quis elaborar um plano de luta contra o capitalismo com base na luta de classes, mas exclusivamente contra o " social- fascismo ". Ao mesmo tempo, uma vez que as organizações sindicais de massas estavam enquadradas num aparelho organizativo "social-fascista", as massas deviam ser abandonadas e era preciso passar à construção de uma outra organização: a "Oposição Sindical Revolucionária", que defenderia "a linha política do Partido".

Note-se a contradição flagrante entre as duas iminências: a da revolução e a da guerra. Quem aceita apenas uma delas é um herege. É portanto herético o marxista que, perante a perspectiva provável em virtude da interpretação materialista da história, só pode excluir a provável perspectiva oposta e 

 

3. A "Marcha sobre Roma" fascista teve lugar no final de outubro e Mussolini foi "democraticamente" nomeado Presidente do Conselho pelo Rei em 29 de outubro [nota do GIGC].

 

 

baseia-se portanto, na inversão de situações no decurso do processo histórico que conduz a guerra ao seu contrário: a revolução.

Os acontecimentos provaram que, ponto por ponto, os fundamentos da nova táctica tinham de ser completamente refutados. De facto :

1) A guerra não era de todo iminente em 1929 e, quando eclodiu em 1939, as constelações eram completamente diferentes: a Grã-Bretanha tornou-se aliada dos Estados Unidos e estes dois imperialismos - os mais ricos - tornaram-se, por sua vez, aliados da "terra do socialismo".

2) Não foi a classe operária, mas o capitalismo que passou à ofensiva, o que levou à vitória de Hitler em Janeiro de 1933 e, em última análise, à eclosão da Segunda Guerra Mundial Imperialista.

3) Não estávamos a entrar numa era "social-fascista", mas o fascismo triunfou na Alemanha. O capitalismo liquidou temporariamente a social-democracia, excepto para a recuperar durante a guerra, quando, em conluio com os democratas e os nacional-comunistas, por um lado, e os fascistas e os nacional-socialistas, por outro, o mundo capitalista mergulhou na guerra de 1939-45.

 

***

 

Vejamos agora rapidamente os acontecimentos mais importantes que caracterizaram as "tácticas do terceiro período".

Já indicámos que o acontecimento político predominante foi a subida de Hitler ao poder em Janeiro de 1933. Houve muitos outros acontecimentos políticos em que as tácticas acima mencionadas tiveram a oportunidade de demonstrar as suas "virtudes". Mas, no espaço limitado deste artigo, podemos limitar-nos ao essencial, ou seja, aos acontecimentos na Alemanha. Foi em Setembro de 1930, apenas cinco meses depois de o capitalismo alemão ter demitido o governo de coligação liderado pelo social-democrata Mueller, que começou o avanço fascista. Ao contrário do que aconteceu em Itália em 1921-22, o nazismo alemão seguiu uma táctica essencialmente legalista. O mecanismo democrático revelou-se perfeitamente adequado para levar a cabo a conversão do Estado capitalista de democrático em fascista, o que não é de todo surpreendente para um marxista e de que até os vigaristas nacional-comunistas e socialistas actualmente no governo em Itália e noutros países estão conscientes. Em vez de atacarem, como fizeram os fascistas em Itália, com violência e sob a protecção da polícia democrática, os bastiões de classe do proletariado, os nazis alemães utilizaram o método do desmantelamento legal progressivo do aparelho de Estado das posições dominantes ocupadas pelos seus cúmplices: os partidos da democracia alemã e da social-democracia. O próprio facto de o capitalismo não ter de recorrer exclusivamente à acção extra-legal dos esquadrões fascistas mostra a profunda mudança que ocorreu na situação, onde a ameaça do partido de classe do proletariado já não actua.

Esta realidade, evidentemente, seria invertida pelo Comintern. Num artigo de Ercoli5 (Stato operaio, Setembro de 1932), podemos ler, entre outras coisas: "A primeira diferença (entre o ataque nazi à Alemanha e o ataque fascista à Itália), a mais importante, a que é imediatamente óbvia, é a que existe entre o período da marcha sobre Roma e o período actual. Estávamos no final do primeiro pós-guerra e nas vésperas da estabilização do capitalismo. Hoje, estamos no coração do terceiro período, no coração de uma crise económica de uma amplitude e de uma profundidade sem precedentes, uma crise que teve e tem as suas manifestações mais graves precisamente na Alemanha... Em segundo lugar, é necessário chamar a atenção para a linha de desenvolvimento do movimento de massas..." "Linha descendente" (em Itália), enquanto na Alemanha "as lutas decisivas estão ainda diante de nós e o movimento de massas desenvolve-se numa linha ascendente, na direcção dessas lutas decisivas". Na realidade, as lutas decisivas das massas não estavam nem à frente nem atrás, e apenas um ano mais tarde Hitler recebeu o governo das mãos de Hindenburg.

 

 

4. Em segundo lugar, traduzimos "imminenza" como "perspectiva provável" sem estarmos seguros da correspondência entre os dois termos nesta ocasião. A versão inglesa de O Partido Comunista traduz "imminenza" por "tese", o que não nos parece corresponder à visão e à abordagem política que caracterizavam a esquerda italiana da época [nota do GIGC].

5 . Togliatti, o líder estalinista de 1927 [nota do GIGC].

 

 

O partido, que alguns dias antes tinha organizado uma manifestação "colossal" no Sportpalast de Berlim, desmoronou-se completamente no próprio dia em que Hitler chegou ao poder.

Os momentos-chave do avanço nazi foram

1) Em 9 de Agosto de 1931, o plebiscito contra o governo social-democrata da Prússia, um plebiscito exigido por Hitler.

2) As eleições presidenciais do Reich de 13 de Março de 1932. No que se refere à táctica eleitoral, não há dúvida quanto à questão da intervenção do partido tanto no plebiscito organizado pelos fascistas como nas eleições com o seu próprio candidato contra Hindenburg e Hitler. Os comunistas não se podiam prestar à manobra social-democrata e tinham de intervir; mas havia duas formas de intervir. A forma marxista de utilizar estes dois momentos eleitorais como oportunidades de propaganda destinadas a mobilizar o proletariado numa base de classe contra o regime capitalista, o que levou à luta contra a evolução que estava a ocorrer no Estado capitalista de democrático para fascista, uma evolução que só podia ser combatida pelo proletariado e pelo seu partido contra todas as forças capitalistas (democráticas e fascistas) solidamente unidas para o triunfo do nazismo; e a "táctica do terceiro período", que consistia em desligar estes dois acontecimentos eleitorais do processo real em que se inseriam, transformando-os em dois episódios de validação da "linha política do partido" que já não combatia a classe burguesa mas uma das suas forças: o social-fascismo ". O plebiscito que os fascistas organizaram para derrubar o governo social-democrata prussiano de Braun Severing tornou-se o "plebiscito vermelho" que validou a "política do partido". Nas eleições presidenciais, as massas foram chamadas a votar contra Hitler e Hindenburg e a favor do líder do partido Thälman, mas não pela ditadura do proletariado, mas pela realização do "programa de emancipação nacional". Ora, como estas eleições eram momentos de transformação do Estado burguês de democrático em fascista, a participação do partido não na luta contra o capitalismo, mas na luta contra o " social- fascismo ", só poderia levar a facilitar esta transformação do Estado. Por outras palavras, no primeiro caso, tratava-se de expulsar os socialistas do governo prussiano; no segundo, de confiar ao partido o objectivo da "emancipação nacional". É claro, portanto, que o partido adoptou uma posição concorrente com a dos nazis, e se os acontecimentos da época conduziram à vitória nazi, nada impede que o mesmo programa seja prosseguido na situação actual pelo "Partido Socialista Unificado" da Alemanha 6 que, sob a hegemonia do imperialismo russo, fala de "emancipação nacional" contra a mesma "emancipação nacional" que o imperialismo anglo-saxónico quer realizar em seu próprio benefício.

Quanto à política social do partido, esta baseava-se nos critérios acima referidos da luta contra o " social-fascismo ", da multiplicação das rixas de rua e da "politização das greves".

Onde quer que a violenta crise económica conduzisse a um movimento de resistência dos trabalhadores e, em particular, dos desempregados, o partido intervinha imediatamente para o transformar num episódio de realização "revolucionária", de modo que, enquanto a minoria era metralhada, o resto das massas desanimadas assistia ao avanço vitorioso da ofensiva capitalista. O episódio mais característico desta táctica ocorreu durante a manifestação de Berlim, a 1 de Maio de 1929, quando Zörgiebel - o chefe socialista da polícia de Berlim e digno sucessor de Noske - conseguiu matar vinte e nove proletários sem qualquer reacção das massas, que, aliás, não participavam de todo nas manifestações contra o " social-fascismo ".

Enquanto o movimento nazi avançava a passos largos, a Internacional Comunista, no seu número de 1 de Maio de 1932, após as eleições presidenciais, assinalava "o recuo particular do partido nas regiões industriais, recuo que se manifesta precisamente nas regiões onde os nacionais-socialistas obtêm uma série de grandes vitórias".

Mas isso não calou o tamborilar da demagogia.

 

 

6. O texto refere-se à situação do pós-guerra, em 1946. O "Partido Socialista Unificado da Alemanha" (SED) era o partido estalinista, formado sob a égide da URSS, que impôs a "fusão", na realidade a integração, entre a organização do SPD na parte oriental da Alemanha ocupada pelo exército russo e o Partido Comunista Alemão, o KPD.

 

 

Thälman declarou: "Semearemos a desintegração no campo da burguesia. Alargaremos a brecha nas fileiras da social-democracia e aumentaremos o processo de efervescência dentro desse partido. Abriremos brechas ainda mais profundas no campo hitleriano".

Esta táctica, que, como vimos, consistia, em última análise, em acompanhar a política nazi, não recebeu qualquer justificação por parte da Internacional, para além da referência ao papel anteriormente desempenhado pelos sociais-democratas. O Stato operario de Julho-Agosto de 1931, num artigo destinado a justificar a política do partido alemão, escrevia: "Quem acusa os comunistas de serem aliados do fascismo? São os ministros da polícia prussiana, os fuziladores de operários e o senhor Pietro Nenni7, fascista desde o início. Estas considerações seriam suficientes para julgar o caso.

Quando Hindenburg entregou o poder a Hitler, a 30 de Janeiro de 1933, a vitória do capitalismo internacional, consagrada na Rússia em Dezembro de 1927, onde triunfou a "teoria do socialismo num só país", repetiu-se no essencial na Alemanha. Uma simples inversão de termos na mesma fórmula. Na Rússia, o socialismo nacional, na Alemanha, o nacional-socialismo. Estavam assim reunidas as condições para colocar o mundo no caminho da guerra, com as etapas intermédias das guerras da Abissínia8 e de Espanha.

A derrota infligida ao proletariado internacional na Alemanha não provocou qualquer reação no seio da Internacional contra a táctica seguida pelo Comintern. Manuilsky congratulou-se com isso e declarou na reunião plenária do Executivo da Internacional (ver Stato operaio de Fevereiro de 1934): "A atitude sobre a questão alemã tem sido uma pedra de toque do grau de bolchevização das secções da Internacional Comunista, do seu temperamento bolchevique, da sua capacidade de enfrentar as mudanças súbitas da situação. Este Plenário deve ter o prazer de reconhecer que as secções do Comintern passaram com honra este teste. Pensemos no que teria acontecido se estes acontecimentos tivessem ocorrido há alguns anos atrás, quando a bolchevização dos partidos da Internacional se processava através de crises contínuas. Sem dúvida, teriam provocado uma crise profunda no seio do Comintern". Não se poderia ser mais cínico e ao mesmo tempo mais explícito sobre o significado de "bolchevização". Manuilsky diz-nos inequivocamente: é o sucesso total da bolchevização que imuniza a Internacional contra qualquer reacção ao sucesso das tácticas de acompanhamento de Hitler na Alemanha. Após esta prova decisiva, o Comintern só podia mostrar-se perfeitamente adaptado à fase seguinte da política belicista em Espanha, enquanto esperava para se tornar cúmplice das forças democráticas e fascistas na segunda guerra mundial imperialista.

Os acontecimentos alemães deviam acentuar a divergência entre as posições políticas de Trotsky e as da nossa corrente, uma divergência que já se tinha manifestado não só nas questões internacionais, na crítica de Trotsky à política do Comintern durante os acontecimentos alemães de 1923, uma crítica considerada insuficiente por Bordiga (ver A Questão Trotsky de A. Bordiga9), mas também - como vimos nos capítulos anteriores - nas questões russas e chinesas.

Trotsky, aplicando à situação alemã as tácticas seguidas pelo partido bolchevique entre 1905 e 1917, e em particular as aplicadas em Setembro de 1917 quando Kornilov ameaçou o governo de Kerensky, assumiu que a social-democracia era historicamente uma força de oposição ao ataque fascista, e concluiu que era necessário defender uma frente unida para se opor ao ataque nazi. E a nossa corrente foi acusada por Trotsky de "estalinismo" porque, perante a situação alemã de 1930-33, retomou a política seguida pelo Partido Italiano em 1921-22, que consistia numa frente sindical unida para reivindicações parciais que conduzissem a uma mobilização de toda a classe operária contra a classe capitalista. No que respeita à questão do poder, por outro lado, para nós a posição central da ditadura proletária tinha de permanecer inalterada e não podia conhecer qualquer substituto. Trotsky não só não aceitava polémicas com a nossa corrente, como, intolerante com as críticas desta à Oposição Internacional, não encontrou outra solução senão a administrativa de nos expulsar da Oposição Internacional, sancionada em 1932.

 

 

7. Nenni, o "primeiro fascista", manteve-se fiel ao seu programa de 1919. Tinha sido um belicista em 1914-1918 e continuou a sê-lo durante a guerra de Espanha e a guerra mundial de 1939-1945. Togliatti e os seus congéneres juntaram-se a Nenni para se tornarem, se possível, mais belicistas do que ele, para o êxito da guerra imperialista em Espanha, primeiro, e da guerra mundial, depois [nota no texto original. Nenni era um dirigente do Partido Socialista Italiano, nota do GIGC].

8 . A Itália de Mussolini invadiu a Etiópia em Outubro de 1935 [nota do GIGC].

9 . https://www.marxists.org/francais/bordiga/works/1925/02/bordiga_19250208.htm.


 

Trotsky não entendeu que não era possível julgar a evolução do Estado capitalista em 1930-1933 pela bitola da evolução que havia ocorrido no período anterior à Primeira Guerra Mundial Imperialista. O facto de o Estado capitalista ter evoluído anteriormente de acordo com o processo democrático dependia das particularidades históricas do período. No período do imperialismo financeiro, quando a luta entre as classes tinha atingido o seu apogeu, o Estado foi levado - pelas novas circunstâncias históricas - a evoluir numa direcção totalitária e fascista, e todas as forças políticas do capitalismo só podiam favorecer e contribuir conjuntamente para este resultado. O resultado foi que a social-democracia, embora destinada a ser uma das vítimas deste processo, só podia ser um factor no seu desenvolvimento, enquanto que só a classe proletária e o seu partido de classe podiam provocar uma ruptura no curso do Estado capitalista. Esta evolução não pode ser explicada por precedentes históricos, mas pela dialética da luta de classes na sua fase mais avançada.

A Internacional, fundada para o triunfo da revolução mundial, estabeleceu assim a "táctica do terceiro período", que facilitou e acompanhou o triunfo do nazismo na Alemanha. O caminho iniciado em 1927 prosseguiu tragicamente, e apenas as patrulhas dispersas da esquerda italiana permaneceram na brecha para defender as posições marxistas.

 

Vercesi, Prometeo #4, dezembro de 1946

 

 

Fonte: www.igcl.org

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice

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