21 de Maio de 2024 Robert Bibeau
Por M.K. Bhadrakumar
A visita de Estado do Presidente russo,
Vladimir Putin, à China mostrou que a escolha das duas superpotências para se
alinharem com o modelo do acordo está a ganhar terreno. Não se trata de
obrigações militares explícitas de apoio, mas isso não exclui completamente o
apoio militar. Ao adoptarem uma forma de ambiguidade estratégica, as duas
superpotências dispõem de um meio óptimo para lidar com a ameaça comum colocada
pelos Estados Unidos através da acção colectiva, preservando simultaneamente a
autonomia das acções independentes para a prossecução de interesses
específicos.
A importância histórica das conversações de Pequim reside no facto de a base do entendimento estratégico que tem sido gradualmente construído através do esforço para modelar a entente Rússia-China ter evoluído para uma escolha de alinhamento mais eficaz do que uma aliança formal para contrabalançar a estratégia dupla de contenção dos Estados Unidos.
O acordo permite que a Rússia e a China encontrem um meio-termo entre a
armadilha e a dissuasão. Ao mesmo tempo, a ambiguidade estratégica inerente a
estes dois objectivos aparentemente contraditórios de um acordo deve ser um
elemento-chave do seu sucesso como estratégia de alinhamento.
A agência de notícias
estatal russa TASS informou na
quinta-feira de Pequim que "o tema central deve ser a crise da Ucrânia" e que o lanche
informal e o jantar de pequeno formato entre Xi e Putin seriam "a parte mais importante das negociações
de Pequim", onde os dois presidentes manteriam "discussões substantivas sobre a Ucrânia".
Na sua declaração à
imprensa após as negociações, Xi esclareceu o princípio orientador. Disse:
"A
ideia de amizade tornou-se profundamente enraizada nas nossas mentes ...
Estamos também a demonstrar apoio mútuo e resoluto em questões relacionadas com
os interesses centrais de ambas as partes e a responder às preocupações actuais
de cada uma. Este é o principal pilar da parceria abrangente e da cooperação
estratégica entre a Rússia e a China para uma nova era."
Xi acrescentou: "A China e a Rússia acreditam que a crise
na Ucrânia deve ser resolvida por meios políticos (...) Esta abordagem visa
moldar uma nova arquitectura de segurança equilibrada, eficaz e sustentável.»
Putin respondeu que
Moscovo avaliou positivamente o plano chinês. Ele disse à agência de
notícias Xinhua numa entrevista
que Pequim está bem ciente das causas profundas e da importância geopolítica mundial
do conflito. As ideias e propostas contidas no documento reflectem o "desejo sincero dos nossos amigos
chineses de ajudar a estabilizar a situação".
Tal é a confiança mútua que a ofensiva russa em curso em Kharkov começou em
10 de Maio, apenas seis dias antes da viagem de Putin à China. Pequim sabe que
este é um divisor de águas na guerra: Moscovo está a apenas três ou quatro
minutos de um ataque com mísseis se a Otan tiver acesso à cidade.
A declaração conjunta
emitida após a visita de Putin afirma, entre outras coisas, que para "uma solução duradoura da crise
ucraniana, é necessário eliminar as suas causas profundas". Para além da
espinhosa questão da expansão da NATO, este documento de 7000 palavras aborda
pela primeira vez a demolição de monumentos para a glória do Exército Vermelho
na Ucrânia e em toda a Europa, bem como a reabilitação do fascismo.
Pequim sente que a Rússia ganhou vantagem na guerra. De facto, se a NATO sofresse uma derrota na Ucrânia, isso teria consequências profundas para o sistema transatlântico e para a propensão dos Estados Unidos para arriscar um novo confronto na região da Ásia-Pacífico. (Curiosamente, o ministro cessante dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, Joseph Wu, disse numa entrevista à Associated Press que a visita de Putin à China era uma prova de que a Rússia e a China estavam a "ajudar-se mutuamente a expandir o seu domínio territorial".)
A China está consciente das linhas de fractura da aliança euro-atlântica e
está a desenvolver voluntariamente relações estreitas com partes da Europa
continental. Este é o leitmotiv da recente digressão de Xi pela França, Sérvia
e Hungria, como evidenciado pelas reacções nervosas em Washington e Londres.
A China espera ganhar o máximo de tempo
possível para manter o ponto de tensão de Taiwan à distância. A China não tem
ilusões: o seu confronto com os Estados Unidos é de natureza estratégica e o
seu principal objectivo é controlar o acesso aos recursos e mercados mundiais e
impor normas mundiais como parte da Quarta Revolução Industrial.
Ao contrário da Rússia, a China não tem bagagem nas suas relações com a
Europa. As prioridades europeias também não passam por se enredar num confronto
entre os Estados Unidos e a China. As elites europeias ainda não estão a
considerar uma nova política, mas é provável que esta situação mude após as
eleições para o Parlamento Europeu (6-8 de Junho), uma vez que são pressionadas
a encontrar um compromisso com a Rússia devido ao aumento dos custos económicos
das despesas com a defesa, à crescente preocupação com a perspectiva de um
conflito directo com a Rússia, a crescente consciência de que a Rússia não pode
ser derrotada e a consciência pública de que as despesas europeias com a
Ucrânia estão, de facto, a financiar o complexo militar-industrial dos EUA.
A China espera que
tudo isto tenha um efeito salutar na segurança internacional a curto prazo. Em
última análise, é do interesse da China manter relações harmoniosas com a
Europa, que é um parceiro económico fundamental depois da ASEAN. Como escreveu
um colunista russo na semana passada, "a China acredita sinceramente que a economia
desempenha um papel central na política mundial". Apesar das
suas raízes antigas, a cultura da política externa da China é também um produto
do pensamento marxista, no qual a base económica é vital em relação à
superestrutura política.
Por outras palavras, Pequim acredita que o aprofundamento dos seus laços
económicos com a UE é a forma mais segura de encorajar as grandes potências
europeias a travar as estratégias unilaterais aventureiras e intervencionistas
dos EUA na política mundial.
A dialética em acção no entendimento sino-russo não pode ser adequadamente
compreendida se as narrativas ocidentais continuarem a contar as árvores, mas
não conseguirem pintar um quadro geral da floresta. Além disso, um dos factores
por trás da bem-sucedida "desdolarização" do sistema de pagamentos
russo-chinês é que os Estados Unidos não têm mais os meios para monitorizar o
tráfego através desta vasta fronteira de 4209,3 km e são cada vez mais
obrigados a adivinhar o que está a acontecer.
O tempo está do lado da Rússia e da China. A gravidade da sua aliança já é
contagiosa, uma vez que os países mais a sul do planeta se juntam a eles. Uma
forte presença russa ao longo da costa atlântica da África Ocidental é apenas
uma questão de tempo. A intensificação da coordenação da política externa entre
Moscovo e Pequim significa que estão a agir em conjunto, ao mesmo tempo que
prosseguem políticas externas independentes e lhes permitem explorar interesses
específicos.
Na sua declaração aos meios de comunicação social, Xi afirmou que a China e
a Rússia estavam empenhadas em fazer da coordenação estratégica a base das suas
relações e em orientar a governação mundial na direcção certa. Por seu lado,
Putin sublinhou que as duas grandes potências mantiveram uma estreita
coordenação na cena internacional e estão empenhadas em promover o estabelecimento
de uma ordem mundial multipolar mais democrática.
A componente simbólica da visita de Putin à China, que é a sua primeira
deslocação após a sua tomada de posse, reveste-se de grande importância. Os
chineses lêem perfeitamente todos estes sinais e compreendem perfeitamente que
Putin está a enviar uma mensagem ao mundo sobre as suas prioridades e a força
dos seus laços pessoais com Xi.
A declaração conjunta, que reflecte um aprofundamento das relações
estratégicas, menciona os planos para intensificar os laços militares e a forma
como a cooperação entre as duas nações no sector da defesa melhorou a segurança
regional e mundial.
Mais importante ainda, critica os Estados Unidos. A declaração conjunta
afirma que "os Estados Unidos ainda
pensam em termos da Guerra Fria e são guiados pela lógica da confrontação em
bloco, colocando a segurança de 'grupos restritos' acima da segurança e
estabilidade regionais, o que cria uma ameaça à segurança de todos os países da
região. Os Estados Unidos devem abandonar este comportamento".
A declaração conjunta também "condena as iniciativas para confiscar bens e propriedades de Estados estrangeiros e sublinha o direito desses Estados de aplicar medidas de retaliação em conformidade com as normas jurídicas internacionais" - uma clara referência às iniciativas ocidentais para redireccionar os benefícios dos bens russos congelados, ou os próprios bens, para ajudar a Ucrânia. A China está atenta, como o demonstra a redução constante das suas participações em títulos do Tesouro dos EUA e a adição de mais e mais ouro às suas reservas do que nos últimos 50 anos.
Fonte: Indian Punchline via Le Saker Francophone e
via https://reseauinternational.net/lentente-sino-russe-modifie-les-plaques-tectoniques-de-la-politique-mondiale/
Fonte: L’entente sino-russe consolide l’alliance impérialiste du Pacifique – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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