10 de Março de
2022 Robert Bibeau
By Andrew Korybko − 1 de Março de 2022 - Source OneWorld
Press
Isso deve aterrorizar os países que resistem ao endurecimento dos EUA na sua hegemonia unipolar em declínio, mas também pode gerar uma reacção se esses países cooperarem mais para acelerar a transicção sistémica global em andamento para a multipolaridade, desde que os seus líderes continuem a resistir à pressão dos EUA.
Não deve haver mais ilusões sobre a utilização pelo Ocidente de instrumentos económicos e financeiros como arma, liderada pelos Estados Unidos, depois de o ministro francês das Finanças ter declarado que a UE lançaria uma "guerra económica e financeira total" contra a Rússia. Isto deve aterrorizar o mundo: significa que os países relativamente mais fracos do que as Grandes Potências da Eurásia também se encontrarão com o dedo apontado ao longo do tempo. Serão visados, como a Rússia, se se atreverem a desafiar as exigências hegemónicas do Ocidente, lideradas pelos Estados Unidos.
O Presidente Putin
anunciou a operação especial do seu país na
Ucrânia na semana passada, sob o pretexto imediato de proteger as populações
russas das repúblicas do Donbass, reconhecidas alguns dias antes por Moscovo, mas
o seu grande objectivo estratégico é proteger as linhas vermelhas de segurança
nacional da Rússia, atravessadas pela NATO naquele país. Se não o tivesse
feito, as capacidades nucleares de segundo ataque nuclear da Rússia acabariam
por ser neutralizadas, e a Rússia teria ficado vulnerável a um ataque
convencional da NATO.
A Rússia não é o único
país ameaçado pelo Ocidente: a China e o Irão também estão entre os principais alvos. Mas estes países são
vistos há muito como um desafio à diminuição da hegemonia dos EUA, pelo que
muitos observadores ficaram surpreendidos quando a Etiópia também se viu alvo
do dedo apontado pelo Ocidente. Este país, outrora um pilar aliado do
Ocidente, foi punido devido ao
equilíbrio pragmático alcançado pelo seu governo entre as superpotências
americanas e chinesas.
A tentativa liderada
pelos EUA de reimpor a sua hegemonia unipolar em declínio sobre todos os outros
países indica que a Etiópia não será o último país do Sul profundo na lista de
alvos, nem será o último ex-aliado dos EUA a figurar na lista. Qualquer país
que resista
às tentativas de Washington de dividir o mundo em
dois blocos: um "autoritário liderado pela China" e
o outro "democrático, liderado pelos Estados Unidos", suportará
o peso dele através de guerras híbridas multidimensionais
lançadas contra ele, especialmente guerras económicas, financeiras e da esfera
da informação.
A UE já se alinhou completamente com o seu patrocinador norte-americano na
Rússia, o que significa que em breve poderá fazer o mesmo em relação à China se
os EUA o pedirem. Os Estados do Golfo que se aproximaram recentemente das duas
Grandes Potências Euro-asiáticas também poderiam estar no topo da lista de
alvos do Ocidente, liderados pelos Estados Unidos, embora a influência significativa
que exercem no mercado mundial da energia possa fazer Washington pensar duas
vezes antes de os provocar demasiado.
A ASEAN terá de
desempenhar o equilíbrio entre os Estados Unidos e a China num futuro próximo,
uma vez que não pode dar-se ao luxo de cortar laços com a República Popular,
com a qual os seus membros se dedicam a muitas trocas comerciais. O bloco do
Sudeste Asiático também faz parte da Parceria Económica Regional
Abrangente, juntamente com a China e outros países, pelo que resta
saber quais os efeitos que as pressões dos EUA podem ter nesta plataforma. Se
estes países não se submeterem aos Estados Unidos, poderão, pelo menos, ver-se
visados, pelo menos, por guerras de informação.
Toda a África já viu o que
aconteceu à Etiópia, de modo que alguns países mais fracos, que permaneceram
numa relação neo-colonial com o Ocidente, obviamente não se atreverão a
desafiar os seus patrocinadores, mas aqueles que têm mais confiança em
trabalhar pela sua autonomia estratégica podem apostar que é melhor para eles
correr o risco de duplicar a decisão de equilíbrio tomada por Adis Abeba, em
busca dos seus interesses nacionais. Afinal, a Etiópia deu um exemplo brilhante
de como os países africanos podem resistir a estas pressões híbridas de guerra
do Ocidente, lideradas pelos Estados Unidos.
A neutralidade adoptada
em princípio pela Índia
e pelo Brasil, no centro das
tensões da NATO, poderia também assegurar que estas duas Grandes Potências
multipolares, bem como os seus camaradas BRICS, estarão entre os próximos alvos
de campanhas de pressão do Ocidente, lideradas pelos Estados Unidos. Este é um
processo que já tinha começado, com os meios de comunicação norte-americanos a
serem extremamente críticos em matéria interna nestes países, que os seus
governos consideram temas estritamente nacionais, e sobre os quais os
estrangeiros nem sequer devem ser convidados a comentar.
Quebrar a
aliança BRICS sempre esteve no
topo da agenda da grande estratégia dos EUA, e esta aliança tornou-se em grande
parte moribunda nos últimos anos, mas tem dado sinais de recuperação ao longo
do último ano, pelo que estes cenários são realistas. As consequências do seu
sucesso, que parece mais provável no Brasil do que na Índia, podem ser
profundas, e é por isso que é importante que estes países mantenham a fasquia
firmemente face a estas pressões.
Isto não quer dizer
que Bolsonaro seja o melhor
líder que o Brasil alguma vez teve de conhecer, mas apenas para salientar que
os decisores por trás dele, que são os principais responsáveis pela
neutralidade de princípios adoptada pelo seu país nestas circunstâncias, devem
garantir que não serão substituídos se o presidente for alvo de impeachment por
meios democráticos (embora provavelmente indirectamente apoiados pelos Estados
Unidos) no final das próximas eleições. O cenário ideal seria ver Lula, ou quem
quer que se torne presidente do Brasil, manter estes especialistas com ele a
todo o custo.
Mas, voltando ao tema principal desta análise, a declaração da UE de uma
guerra económica e financeira total contra a Rússia é também uma declaração de
guerra contra o mundo inteiro. Deve aterrorizar os países que resistem ao
agravamento da sua hegemonia unipolar em declínio, mas também pode provocar
represálias se estes países cooperarem mais uns com os outros para acelerar a
transicção sistémica mundial para a multipolaridade, desde que os seus líderes
continuem firmes face à pressão dos EUA.
Andrew Korybko é um analista político
norte-americano sediado em Moscovo especializado na relação entre a estratégia
dos EUA em África e a Eurásia, as Novas Rotas da Seda da China e a Guerra Híbrida.
Traduzido por José
Martí para o Saker Francophone
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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