A fim de dar um contributo para a
compreensão do oportunismo em que assenta a proposta de indexação dos salários
à inflação, veiculado pelo artigo “GUERRA DO POVO À GUERRA IMPERIALISTA! - INDEXAÇÃO MENSAL DOS SALÁRIOS E DAS REFORMAS À INFLAÇÃO A PARTIR DE
JANEIRO!”, publicado, dia 18 de Março de 2022 no Luta Popular –
Órgão Central do PCTP/MRPP (agora tomado de assalto por uma clique
revisionista, neo-revisionista, social-fascista e burocrata), reproduzo aqui os capítulos de Salário, Preço e Lucro, escrito por Karl Marx, que relatam os Casos principais de
luta pelo aumento de salários ou contra a sua redução, e A luta entre o capital e o trabalho e seus resultados.
Salário, Preço e Lucro
Karl Marx
13 - Casos
principais de luta pelo aumento de salários ou contra a sua redução
Examinemos agora seriamente os casos principais em que
se intenta obter um aumento dos salários, ou se opõe uma resistência à sua
redução.
1 - Vimos que o valor da força de trabalho, ou, em
termos mais populares, o valor do trabalho, é determinado pelo valor dos
artigos de primeira necessidade ou pela quantidade de trabalho necessária à sua
produção. Por conseguinte, se num determinado país o valor dos artigos de
primeira necessidade, em média diária consumidos por um operário, representa 6
horas de trabalho, expressa em 3 xelins, este trabalhador terá de trabalhar 6
horas por dia a fim de produzir um equivalente do seu sustento diário. Sendo de
12 horas a jornada de trabalho. o capitalista pagar-lhe-ia o valor de seu
trabalbo entregando-lhe 3 xelins. Metade da jornada de trabalho será trabalho
não remunerado e, portanto, a taxa de lucro elevar-se-á a 100 por cento. Mas
vamos supor agora que, em conseqüência de uma diminuição da produtividade, seja
necessário mais trabalho para produzir, digamos, a mesma quantidade de produtos
agrícolas que dantes, com o que o preço médio dos víveres diariamente
necessários subirá de 3 para 4 xelins. Neste caso, o valor do trabalho
aumentaria de um terço, ou seja, de 33,3 por cento. A fim de produzir o
equivalente do sustento diário do trabalhador, dentro do padrão de vida
anterior, seriam precisas 8 horas de jornada de trabalho. Logo, o sobretrabalho
diminuiria de 6 para 4 horas e a taxa de lucro reduzir-se-ia de 100 para 50 por
cento. O trabalhador que nestas condições pedisse um aumento de salário
limitar-se-ia a exigir que lhe pagassem o valor incrementado do seu trabalho,
como qualquer outro vendedor de uma mercadoria que, quando aumenta o custo de
produção desta, age de modo a conseguir que o comprador lhe pague esse
incremento do valor. E se os salários não sobem, ou não sobem em proporcões
suficientes para compensar o incremento do valor aos artigos de primeira
necessidade, o preço do trabalho descerá abaixo do valor do trabalho e o padrão
de vida do trabalhador piorará.
Mas também pode operar-se uma mudança em sentido
contrário. Ao elevar-se a produtividade do trabalho, pode acontecer que a mesma
quantidade de artigos de primeira necessidade, consumidos em média,
diariamente, baixe de 3 para 2 xelins, ou que, em vez de 6 horas de jornada de
trabalho, bastem 4 para produzir o equivalente do valor dos artigos de primeira
necessidade consumidos num dia. O operário poderia, então, comprar por 2 xelins
exactamente os mesmos artigos de primeira necessidade que antes lhes custavam
3. Na realidade teria baixado o valor do trabalho; mas este valor diminuido
disporia da mesma quantidade de mercadorias que antes. O lucro subiria de 3
para 4 xelins e a taxa de lucro, de 100 para 200 por cento. Ainda que o padrão
de vida absoluto do trabalhador continuasse sendo o mesmo, o seu salário
relativo e, portanto, a sua posição social relativa, comparada com a do
capitalista, teria piorado. Opondo-se a esta redução de seu salário relativo, o
trabalhador não faria mais que lutar para obter uma parte das forças produtivas
incrementadas do seu próprio trabalho e manter a sua antiga situação relativa
na escala social. Assim, após a abolição das Leis Cerealistas e violando,
flagrantemente, as promessas soleníssimas que haviam feito, na sua campanha de
propaganda contra aquelas leis, os donos das fábricas inglêsas diminuíram em
geral os salários em 10 por cento. A princípio, a oposição dos trabalhadores
foi frustrada; porém, mais tarde, logrou-se a recuperação dos 10 por cento
perdidos, em conseqüência de circunstâncias que não me posso deter a examinar
agora.
2. - Os valores dos artigos de primeira necessidade e,
por conseguinte, o valor do trabalho podem permanecer invariáveis, mas o preço
deles em dinheiro pode sofrer alteração desde que se opere uma prévia
modificação no valor do dinheiro.
Com a descoberta de jazidas mais abundantes, etc., 2
onças de ouro, por exemplo, não suporiam mais trabalho do que antes exigia a
produção de uma onça. Neste caso, o valor do ouro baixaria para metade, 50 por
cento. E como, em consequência disto, os valores das demais mercadorias expressar-se-iam
no dobro do seu preço em dinheiro anterior, o mesmo aconteceria com o valor do
trabalho. As 12 horas de trabalho, que antes se expressavam em 6 xelins, agora
se expressariam em 12. Logo, se o salário do operário continuasse a ser de 3
xelins, em vez de ir a 6, resultaria que o preço em dinheiro do seu trabalho só
corresponderia à metade do valor do seu trabalho, e o seu padrão de vida
pioraria assustadoramente. O mesmo ocorreria, em grau maior ou menor, se o seu
salário subisse, mas não proporcionalmente à baixa do valor do ouro. Em tal
caso, não se teria operado a menor mudança, nem nas forças produtivas do
trabalho, nem na oferta e procura, nem tampouco nos valores. Só teria mudado o
nome em dinheiro destes valores. Dizer, neste caso, que o operário deve lutar
pelo aumento proporcional do seu salário, equivale a pedir-lhe que se resigne a
que se lhe pague o seu trabalho com nomes não com coisas. Toda
a história do passado prova que sempre que se produz uma depreciação do
dinheiro, os capitalistas se aprestam para tirar proveito da conjuntura e
enganar os operários. Uma grande escola de economistas assevera que, em
conseqüência das novas descobertas de terras auríferas, da melhor exploração
das minas de prata e do barateamento do fornecimento do mercúrio, voltou a depreciar-se
o valor dos metais preciosos. Isto explicaria as tentativas generalizadas e
simultâneas que se fazem no Continente para conseguir um aumento de salários.
3. - Até aqui partimos da suposição de que a jornada
de trabalho tem limites dados. Mas, na realidade, essa jornada, em si mesma,
não tem limites constantes. O capital tende constantemente a dilatá-la ao
máximo da sua possibilidade física, já que na mesma proporção aumenta o
sobretrabalho e, portanto, o lucro que dele deriva. Quanto mais êxito tiverem
as pretensões do capital para alongar a jornada de trabalho, maior será a
quantidade de trabalho alheio de que se apropriará. Durante o século XVII, e
até mesmo durante os primeiros dois terços do XVIII, a jornada normal de
trabalho, em toda Inglaterra, era de 10 horas. Durante a guerra contra os jacobitas, que, foi, na realidade, uma guerra dos barões ingleses contra
as massas trabalhadoras inglêsas, o capital viveu dias de orgia e prolongou a
jornada de 10 para 12, 14 e 18 horas. Malthus,
que não pode precisamente infundir suspeitas de terno sentimentalismo, declarou
num folheto, publicado por volta de 1815, que a vida da nação estava ameaçada
nas suas raizes, caso as coisas continuassem assim. Alguns anos antes da
generalização dos novos inventos mecânicos, cerca de 1765, veio à luz na
Inglaterra um folheto intitulado An Essay on Trade ["Um
Ensaio Sobre o Comércio"]. O anónimo autor deste folheto, inimigo jurado
da classe operária, clama pela necessidade de estender os limites da jornada de
trabalho. Entre outras coisas, propõe criar, com este objectivo, casas de
trabalho para pobres que, diz ele, deveriam ser "casas de terror". E
qual é a duração da jornada de trabalho proposta para estas"casas de
terror"? Doze horas, quer dizer, precisamente a jornada que, em 1832, os
capitalistas, os economistas e os ministros declaravam não só vigente de facto,
mas também o tempo de trabalho necessário para as crianças menores de 12 anos.
Ao vender a sua força de trabalho ,- e o operário é
obrigado a fazê-lo, no regime actual -, ele cede ao capitalista o direito de
empregar esta força, porém dentro de certos limites racionais. Vende a sua
força de trabalho para conservá-la ilesa, salvo o natural desgaste, porém não
para destruí-la. E como a vende pelo seu valor diário, ou semanal, se
subentende que num dia ou numa semana não se há-de arrancar à sua força de
trabalho um uso, ou desgaste de dois dias ou duas semanas. Tomemos uma máquina
que valha 1 000 libras. Se ela se usa em dez anos, acrescentará no fim de cada
ano 100 libras ao valor das mercadorias que ajuda a produzir. Se se usa em 5
anos, o valor acrescentado por ela será de 200 libras anuais, isto é, o valor
do seu desgaste anual está na razão inversa da rapidez com que se esgota. Mas
isto distingue o operário da máquina. A maquinaria não se esgota exactamente na
mesma proporção em que se usa. Ao contrário, o homem esgota-se numa proporção
muito superior à que a mera soma numérica do trabalho acusa.
Nas tentativas para reduzir a jornada de trabalho à
sua antiga duração racional, ou, onde não podem arrancar uma fixação legal da
jornada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o trabalho
excessivo por meio de um aumento de salário, aumento que não basta esteja em
proporção com o sobretrabalho que os exaure, e deve, sim, estar numa proporção
maior, os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles mesmos e
a sua raça. Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas do capital. O tempo é
o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo
livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono, das
refeições, etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista,
é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e
espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. E, no entanto, toda
a história da moderna indústria demonstra que o capital, se não se lhe põe um
freio lutará ,sempre, implacavelmente e sem contemplações, para conduzir toda a
classe operária a este nível de extrema degradação.
Pode acontecer que o capital, ao prolongar a jornada
de trabalho, pague salários mais altos e que, sem embargo, o valor do trabalho
diminua, se o aumento dos salários não corresponde à maior quantidade de
trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento da força de trabalho que daí
resultará. Isto pode ainda ocorrer de outro modo. Os vossos estatísticos
burgueses dir-vos-ão, por exemplo, que os salários médios das famílias que
trabalham nas fábricas do Lancashire subiram. Mas esqueceram-se de que agora,
em vez de ser só o homem, o cabeça da família, são também a sua mulher e,
talvez, três ou quatro filhos que se vêem lançados sob as rodas do carro de
Jaguernaut do capital e que a alta dos salários totais não corresponde à
do sobretrabalho total arrancado à família.
Mesmo com uma jornada de trabalho de limites
determinados, como existe hoje em dia em todas as indústrias sujeitas às leis
fabris, pode-se tornar necessário um aumento de salários, ainda que somente
seja com o fito de manter o antigo nível do valor do trabalho. Mediante o
aumento da intensidade do trabalho, pode-se fazer que um homem gaste numa hora
tanta força vital como antes em duas. É o que se tem produzido nas indústrias
submetidas às leis fabris, até certo ponto, acelerando a marcha das máquinas e
aumentando o número de máquinas de trabalho a que deve atender agora um só
indivíduo. Se o aumento da intensidade do trabalho ou da quantidade de trabalho
despendida numa hora se mantém abaixo da diminuição da jornada de trabalho,
sairá então a ganhar o operário. Se se ultrapassa este limite, perderá por um
lado o que ganhar por outro, e 10 horas de trabalho o arruinarão tanto como
antes 12. Ao contrabalançar esta tendência do capital, por meio da luta pela alta
dos salários, na medida correspondente à crescente intensidade do trabalho, o
operário não faz mais que opor-se à depreciação do seu trabalho e à degeneração
da sua raça.
4. - Sabeis todos que, por motivos que não me
cabe aqui explicar, a produção capitalista move-se através de determinados
ciclos periódicos. Passa por fases de calma, de animação crescente, de
prosperidade, de sobre-produção, de crise e de estagnação. Os preços
das mercadorias no mercado e a taxa de lucro no mercado seguem estas fases; ora
descendo abaixo de seu nível médio, ora ultrapassando-o. Se considerardes todo
o ciclo, vereis que uns desvios dos preços do mercado são compensados por
outros e que, tirando a média do ciclo, os preços das mercadorias do mercado se
regulam pelos seus valores. Pois bem. Durante as fases de baixa dos preços no
mercado e durante as fases de crise de estagnação, o operário, se é que não o
põem na rua, pode estar certo de ver rebaixado o seu salário. Para que não o
enganem, mesmo com essa baixa de preços no mercado, ver-se-á compelido a
discutir com o capitalista em que proporção se torna necessário reduzir os
salários. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista obtém
lucros extraordinários, o operário não lutar por uma alta de salários, ao tirar
a média de todo o ciclo industrial, veremos que ele nem sequer percebe o
salário médio, ou seja, o valor do seu trabalho. Seria o cúmulo da loucura exigir
que o operário, cujo salário se vê forçosamente afectado pelas fases adversas
do ciclo, renunciasse ao direito de ser compensado durante as fases prósperas.
Geralmente, os valores de todas as mercadorias só se realizam por meio da
compensação que se opera entre os preços constantemente variáveis do mercado,
variação proveniente das flutuações constantes da oferta e da procura. No
âmbito do sistema actual, o trabalho é uma mercadoria, como outra qualquer.
Tem, portanto, que passar pelas mesmas flutuações, até obter o preço médio que
corresponde ao seu valor. Seria um absurdo considerá-lo como mercadoria para
certas coisas e, para outras, querer exceptuá-lo das leis que regem os preços
das mercadorias. O escravo obtém uma quantidade constante e fixa de meios de
subsistência; o operário assalariado, não. Ele não tem outro recurso senão
tentar impor, em alguns casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas
para compensar a baixa em outros casos. Se espontaneamente se resignasse a
acatar a vontade, os ditames do capitalista, como uma lei económica permanente
compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar, em troca, da
segurança deste.
5. - Em todos os casos que considerei, e que
representam 99 em 100, vistes que a luta pelo aumento de salários vai sempre na
pista de modificações anteriores e é o resultado necessário das modificações
prévias operadas no volume de produção, nas forças produtivas do trabalho, no
valor deste, no valor do dinheiro, na maior extensão ou intensidade do trabalho
extorquido nas flutuações dos preços do mercado, que dependem das flutuações da
oferta e da procura e se verificam em função das diversas fases do ciclo
industrial; numa palavra, é a reacção dos operários contra a acção anterior do
capital. Se focalizássemos a luta pelo aumento de salários fazendo caso omisso
de todas estas circunstâncias, apenas considerando as modificações operadas nos
salários e passando por cima de outras modificações, das quais elas provêm,
partiríamos de uma falsa premissa para chegar a conclusões falsas.
14 - A luta entre o capital e o trabalho e
seus resultados
1.
- Após demonstrar que a resistência periódica que os trabalhadores opõem à
redução dos salários e suas tentativas periódicas para conseguir um aumento de
salários são fenómenos inseparáveis do sistema do salariado e ditadas pelo
próprio facto de o trabalho se achar equiparado às mercadorias, por conseguinte
submetido às leis que regulam o movimento geral dos preços, tendo demonstrado,
ainda, que um aumento geral de salários resultaria numa diminuição da taxa
geral de lucro, sem afectar, porém, os preços médios das mercadorias, nem os
seus valores,surge a questão de saber até que ponto, na luta incessante entre o
capital e o trabalho, tem este possibilidade de êxito.
Poderia
responder com uma generalização, dizendo que o preço do trabalho no mercado, da
mesma forma que o das demais mercadorias, tem que se adaptar, no decorrer do
tempo, ao seu valor; que, portanto, a despeito de todas as altas e baixas e do
que possa fazer, o operário acabará recebendo sempre, em média, somente o valor
do seu trabalho, que se reduz ao valor da sua força de trabalho, a qual, por
sua vez, é determinada pelo valor dos meios de subsistência necessários à sua
manutenção e reprodução, valor esse regulado, em última análise, pela
quantidade de trabalho necessária para produzi-los.
Mas
há certos traços peculiares que distinguem o valor da força de trabalho, ou
valor do trabalho, dos valores de todas as demais mercadorias. O valor da força
de trabalho é formado por dois elementos, um dos quais puramente físico, o
outro de caráter histórico e social. O seu limite mínimo é determinado pelo
elemento físico, quer dizer , para poder manter-se e se reproduzir, para
perpetuar a sua existência física, a classe operária precisa obter os artigos
de primeira necessidade absolutamente indispensáveis à vida e à sua reprodução.
O valor destes meios de subsistência indispensáveis constitui, pois, o limite
mínimo do valor do trabalho. Por outra parte, a extensão da jornada de trabalho
também tem os seus limites máximos, se bem que sejam muito elásticos. O seu
limite máximo é dado pela força física do trabalhador. Se o esgotamento diário
das suas energias vitais excede um certo grau, eIe não poderá fornecê-las outra
vez, todos os dias. Mas, como dizia, esse limite é muito elástico. Uma sucessão
rápida de gerações raquíticas e de vida curta manterá abastecido o mercado de
trabalho tão bem como uma série de gerações robustas e de vida longa.
Além
deste mero elemento físico, na determinação do valor do trabalho entra o padrão
de vida tradicional em cada país. Não se trata somente da vida física, mas
também da satisfação de certas necessidades que emanam das condições sociais em
que vivem e se criam os homens. O padrão de vida inglês poderia baixar ao
irlandês; o padrão de vida de um camponês alemão ao de um camponês livónio. A
importância do papel que, a este respeito, desempenham a tradição histórica e o
costume social podereis vê-la no livro do sr. Thornton sobre a "Sobre-população", onde ele mostra
que, em distintas regiões agrícolas da Inglaterra dos nossos dias, os salários
médios continuam a ser hoje diferentes, conforme as condições mais ou menos
favoráveis em que essas regiões saíram da servidão.
Este
elemento histórico ou social, que entra no valor do trabalho, pode acentuar-se,
ou debilitar-se e, até mesmo, extinguir-se de todo, de tal modo que só fique de
pé o limite físico.
Durante
a guerra contra os jacobitas, que, como costumava dizer o incorrigível
devorador de impostos e prebendas, o velho George Rose, foi empreendida para
que esses descrentes franceses não destruíssem os consolos da nossa santa
religião, os honestos fazendeiros inglêses, a quem tratamos com tanto carinho
num capítulo anterior, fizeram baixar os salários dos trabalhadores do campo
para além daquele mínimo estritamente físico, completando a diferença
indispensável para assegurar a perpetuação física da raça, mediante as leis dos
pobres. Era um glorioso método para converter o trabaIhador assalariado em
escravo e orgulhoso yeoman de Shakespeare em mendigo.
Se
comparais os salários normais ou valores do trabalho em diversos países e em
épocas históricas distintas, dentro do mesmo país, vereis que o valor do
trabalho não é por si uma grandeza constante, mas variável, mesmo supondo que
os valores das demais mercadorias permaneçam fixos.
Um
estudo comparativo semelhante das taxas de lucro no mercado provaria que não só
elas se modificam como também as suas taxas médias.
Mas,
no que se refere ao lucro, não existe nenhuma lei que lhe fixe o mínimo. Não
podemos dizer qual seja o limite extremo da sua baixa. E por que não podemos
estabelecer esse limite? Porque, embora possamos fixar o salário mínimo, não
podemos fixar o salário máximo. Só podemos dizer que, dados os limites da
jornada de trabalho, o máximo de lucro corresponde ao mínimo físico dos
salários e que, partindo de dados salários, o máximo de lucro corresponde ao
prolongamento da jornada de trabalho na medida em que seja compatível com as
forças físicas do operário. Portanto, o máximo de lucro só se acha
limitado pelo mínimo físico dos salários e pelo máximo físico da jornada de
trabalho. É evidente que, entre os dois limites extremos da taxa máxima de lucro,
cabe uma escala imensa de variantes. A determinação do seu grau efectivo só
fica assente pela luta incessante entre o capital e o trabalho; o capitalista,
tentando constantemente reduzir os salários ao seu mínimo físico e a prolongar
a jornada de trabalho ao seu máximo físico, enquanto o operário exerce
constantemente uma pressão no sentido contrário.
A
questão reduz-se ao problema da relação de forças dos combatentes.
2.
- Pelo que concerne à limitação da jornada de trabalho, tanto na Inglaterra
como em todos os outros países, nunca ela foi regulamentada senão por
intervenção legislativa.E sem a constante pressão dos operários agindo por
fora, nunca essa intervenção se daria. Em todo o caso, este resultado não teria
sido alcançado por meio de convénios privados entre os operários e os
capitalistas. E esta necessidade mesma de uma acção política geral é
precisamente o que demonstra que, na luta puramente económica, o capital é a
parte mais forte.
Quanto
aos limites do valor do trabalho, a sua fixação efectiva depende sempre da
oferta e da procura, e refiro-me à procura de trabalho por parte do capitalista
e à oferta de trabalho pelos operários. Nos países coloniais, [10] a lei da oferta e da procura favorece os
operários. Daqui resulta o nível relativamente elevado dos salários nos Estados
Unidos. Nestes países, faça o que fizer o capital, ele não pode nunca evitar
que o mercado de trabalho esteja constantemente desabastecido pela constante
transformação dos trabalhadores assalariados em lavradores independentes com
fontes próprias de subsistência. Para grande parte da população
norte-americana, a posição de assalariados não é mais do que uma estação de
trânsito, que estão seguros de abandonar, mais tarde ou mais cedo. Para
remediar este estado colonial de coisas, o paternal governo britânico adoptou,
há tempos, a chamada teoria moderna da colonização, que consiste em atribuir às
terras coloniais um preço artificialmente elevado para, deste modo,obstar à
transformação demasiado rápida do trabalhador assalariado em lavrador
independente.
Mas
passemos agora aos velhos países civilizados onde o capital domina todo o
processo de produção. Tomemos, por exemplo, a elevação dos salários agrícolas
ingleses, de 1849 a 1859. Qual foi a sua conseqüência? Os agricultores não
puderam elevar o valor do trigo, como lhes teria aconselhado o nosso amigo
Weston, nem sequer o seu preço no mercado. Ao contrário, tiveram que
resignar-se a vê-lo baixar. Mas durante estes onze anos introduziram máquinas
de todas as classes e novos métodos científicos, transformaram uma parte das
terras de lavoura em pastagens, aumentaram a extensão das suas propriedades
agrícolas e com ela a escala de produção; e por estes e outros processos,
fazendo diminuir a procura de trabalho graças ao aumento das suas forças
produtivas, tornaram a criar um excedente relativo da população de
trabalhadores rurais. Tal é o método geral segundo o qual opera o capital nos
países antigos, de bases sólidas, para reagir, mais rápida ou mais lentamente,
contra os aumentos de salários. Ricardo observou,
com exactidão, que a máquina está em continua concorrência com o trabalho e,
amiúde, só pode ser introduzida quando o preço do trabalho alcança certo
limite; mas a aplicação da maquinaria é apenas um dos muitos métodos empregados
para aumentar a força produtiva do trabalho. Este mesmo processo, que cria uma
super-abundância relativa de trabalho ordinário, simplifica muito o trabalho
qualificado e, portanto, deprecia-o.
A
mesma lei faz-se sentir de outra forma. Com o desenvolvimento das forças
produtivas do trabalho, acelera-se a acumulação do capital, inclusive a
despeito de uma taxa de salário relativamente alta. Daqui poderia inferir-se,
conforme fez Adam Smith, em cujos tempos a indústria moderna ainda estava na
sua infância, que a acumulação acelerada do capital tem forçosamente que fazer
pender a balança a favor do operário, por garantir uma procura crescente de seu
trabalho. Situando-se no mesmo ponto de vista, há muitos autores contemporâneos
que se assombram de que, apesar de nos últimos vinte anos, o capital inglês ter
crescido mais rapidamente do que a população inglesa, os salários nem por isso
registram um aumento maior. Mas é que, simultâneamente, com a acumulação
progressiva, opera-se uma mudança progressiva na composição do capital. A parte
do capital global formada por capital fixo : maquinaria, matérias-primas, meios
de produção de todo género, cresce com maior rapidez que a outra parte do
capital destinada a salários, ou seja, à compra de trabalho. Esta lei foi
estabelecida, sob uma forma mais ou menos precisa, pelos srs. Barton, Ricardo, Sismondi,
prof. Richard Jones, prof. Ramsey, Cherbuliez e outros.
Se
a proporção entre estes dois elementos do capital era, originariamente, de 1
para 1, com o progresso da indústria será de 5 para 1, e assim sucessivamente.
Se de um capital global de 600 são desembolsados 300 para instrumentos,
matérias-primas, etc., e 300 para salários, basta dobrar o capital global para
ser possível absorver 600 operários em vez de 300. Mas, se de um capital de 600
se invertem 500 em maquinaria, materiais, etc., e somente 100 em salários, este
capital precisa aumentar de 600 a 3 600, para criar uma procura de 600
operários em lugar de 300. Portanto, ao desenvolver-se a índústria, a procura
de trabalho não avança com o mesmo ritmo da acumulação do capital. Aumenta, sem
dúvida, mas aumenta numa proporção constantemente decrescente, quando comparada
com o incremento do capital.
Estas
breves indicações bastarão para demonstrar, precisamente, que o próprio
desenvolvimento da indústria moderna contribui por força para inclinar cada vez
mais a balança a favor do capitalista contra o operário e que, em conseqüência
disto, a tendência geral da produção capitalista não é para elevar o nível
médio normal do salário, mas, ao contrário, para fazê-lo baixar, empurrando o
valor do trabalho mais ou menos até seu limite mínimo. Porém, se tal é a
tendência das coisas neste sistema, quer isto dizer que a classe operária deva
renunciar a defender-se contra os abusos do capital e abandonar os seus
esforços para aproveitar todas as possibilidades que se lhe ofereçam de
melhorar em parte a sua situação? Se o fizesse, ver-se-ia degradada a uma massa
informe de homens famintos e arrasados, sem probabilidade de salvação. Creio
haver demonstrado que as lutas da classe operária em torno do padrão de
salários são episódios inseparáveis de todo o sistema do salariado, que, em 99
por cento dos casos, os seus esforços para elevar os salários não são mais que
esforços destinados a manter de pé o valor dado do trabalho e que a necessidade
de disputar o seu preço com o capitalista é inerente à situação em que o
operário se vê colocado e que o obriga a vender-se a si mesmo como uma
mercadoria. Se nos seus conflitos diários com o capital cedessem covardemente
ficariam os operários, por certo, desclassificados para empreender outros
movimentos de maior envergadura.
Ao mesmo
tempo, e ainda abstraindo totalmente a escravização geral que o sistema do
salariado implica, a classe operária não deve exagerar aos seus próprios olhos
o resultado final destas lutas diárias. Não deve esquecer-se de que luta contra
os efeitos, mas não contra as causas desses efeitos; que logra conter o
movimento descendente, mas não fazê-lo mudar de direcção; que aplica
paliativos, mas não cura a enfermidade. Não deve, portanto, deixar-se absorver
exclusivamente por essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente
pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuações do mercado. A classe
operária deve saber que o sistema actual, mesmo com todas as misérias que lhe
impõe, engendra simultaneamente as condições materiais e as formas sociais
necessárias para uma reconstrucção económica da sociedade. Em vez do lema
conservador de: "Um salário justo por uma jornada de trabalho
justa!", deverá inscrever na sua bandeira esta divisa
revolucionária:"Abolição do sistema de trabalho assalariado!".
Depois
desta exposição longuíssima e, receio eu, fatigante, que julguei indispensável
para esclarecer um pouco o nosso tema principal, vou concluir, propondo a
aprovação da resolução seguinte:
1.
- Uma alta geral da taxa de salários acarretaria uma baixa da taxa geral de
lucro, mas não afectaria, em linhas gerais, os preços das mercadorias.
2.
- A tendência geral da produção capitalista não é para elevar o padrão médio de
salários, mas para reduzi-lo.
3. - Os
sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do
capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força.
Mas, são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta de guerrilhas
contra os efeitos do sistema existente, em lugar de ao mesmo tempo se
esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem as suas forças organizadas como
alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição
definitiva do sistema de trabalho assalariado.
A
nossa táctica é o marxismo, deixou-nos, de forma clara, o camarada Arnaldo
Matos. Se não o fizermos nunca teremos um Guia para a acção revolucionária do
proletariado moderno e, muito menos, saberemos contrariar os desvios
revisionistas que artigos como o publicado a 18 de Março de 2022 no Órgão
Central do PCTP/MRPP – o Luta Popular online -, sob o pomposo título “GUERRA DO POVO À GUERRA IMPERIALISTA!
INDEXAÇÃO MENSAL DOS SALÁRIOS E DAS REFORMAS À INFLAÇÃO A PARTIR DE
JANEIRO!” propõe à classe operária e aos
restantes escravos assalariados.
Como afirmava sem hesitação Karl Marx, o que se deve inscrever na
bandeira da luta da classe operária contra o Capital é a divisa revolucionária:
"Abolição do sistema de trabalho assalariado!"
Luis Júdice
22 de
Março de 2022
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