terça-feira, 22 de março de 2022

Indexação dos salários à inflação, uma premissa reaccionária e revisionista

 


A fim de dar um contributo para a compreensão do oportunismo em que assenta a proposta de indexação dos salários à inflação, veiculado pelo artigo GUERRA DO POVO À GUERRA IMPERIALISTA! - INDEXAÇÃO MENSAL DOS SALÁRIOS E DAS REFORMAS À INFLAÇÃO A PARTIR DE JANEIRO!”, publicado, dia 18 de Março de 2022 no Luta Popular – Órgão Central do PCTP/MRPP (agora tomado de assalto por uma clique revisionista, neo-revisionista, social-fascista e burocrata), reproduzo aqui os capítulos de Salário, Preço e Lucro, escrito por Karl Marx, que relatam os Casos principais de luta pelo aumento de salários ou contra a sua redução, e A luta entre o capital e o trabalho e seus resultados.

 

Salário, Preço e Lucro

Karl Marx

 

13 - Casos principais de luta pelo aumento de salários ou contra a sua redução

Examinemos agora seriamente os casos principais em que se intenta obter um aumento dos salários, ou se opõe uma resistência à sua redução.

1 - Vimos que o valor da força de trabalho, ou, em termos mais populares, o valor do trabalho, é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade ou pela quantidade de trabalho necessária à sua produção. Por conseguinte, se num determinado país o valor dos artigos de primeira necessidade, em média diária consumidos por um operário, representa 6 horas de trabalho, expressa em 3 xelins, este trabalhador terá de trabalhar 6 horas por dia a fim de produzir um equivalente do seu sustento diário. Sendo de 12 horas a jornada de trabalho. o capitalista pagar-lhe-ia o valor de seu trabalbo entregando-lhe 3 xelins. Metade da jornada de trabalho será trabalho não remunerado e, portanto, a taxa de lucro elevar-se-á a 100 por cento. Mas vamos supor agora que, em conseqüência de uma diminuição da produtividade, seja necessário mais trabalho para produzir, digamos, a mesma quantidade de produtos agrícolas que dantes, com o que o preço médio dos víveres diariamente necessários subirá de 3 para 4 xelins. Neste caso, o valor do trabalho aumentaria de um terço, ou seja, de 33,3 por cento. A fim de produzir o equivalente do sustento diário do trabalhador, dentro do padrão de vida anterior, seriam precisas 8 horas de jornada de trabalho. Logo, o sobretrabalho diminuiria de 6 para 4 horas e a taxa de lucro reduzir-se-ia de 100 para 50 por cento. O trabalhador que nestas condições pedisse um aumento de salário limitar-se-ia a exigir que lhe pagassem o valor incrementado do seu trabalho, como qualquer outro vendedor de uma mercadoria que, quando aumenta o custo de produção desta, age de modo a conseguir que o comprador lhe pague esse incremento do valor. E se os salários não sobem, ou não sobem em proporcões suficientes para compensar o incremento do valor aos artigos de primeira necessidade, o preço do trabalho descerá abaixo do valor do trabalho e o padrão de vida do trabalhador piorará.

Mas também pode operar-se uma mudança em sentido contrário. Ao elevar-se a produtividade do trabalho, pode acontecer que a mesma quantidade de artigos de primeira necessidade, consumidos em média, diariamente, baixe de 3 para 2 xelins, ou que, em vez de 6 horas de jornada de trabalho, bastem 4 para produzir o equivalente do valor dos artigos de primeira necessidade consumidos num dia. O operário poderia, então, comprar por 2 xelins exactamente os mesmos artigos de primeira necessidade que antes lhes custavam 3. Na realidade teria baixado o valor do trabalho; mas este valor diminuido disporia da mesma quantidade de mercadorias que antes. O lucro subiria de 3 para 4 xelins e a taxa de lucro, de 100 para 200 por cento. Ainda que o padrão de vida absoluto do trabalhador continuasse sendo o mesmo, o seu salário relativo e, portanto, a sua posição social relativa, comparada com a do capitalista, teria piorado. Opondo-se a esta redução de seu salário relativo, o trabalhador não faria mais que lutar para obter uma parte das forças produtivas incrementadas do seu próprio trabalho e manter a sua antiga situação relativa na escala social. Assim, após a abolição das Leis Cerealistas e violando, flagrantemente, as promessas soleníssimas que haviam feito, na sua campanha de propaganda contra aquelas leis, os donos das fábricas inglêsas diminuíram em geral os salários em 10 por cento. A princípio, a oposição dos trabalhadores foi frustrada; porém, mais tarde, logrou-se a recuperação dos 10 por cento perdidos, em conseqüência de circunstâncias que não me posso deter a examinar agora.

2. - Os valores dos artigos de primeira necessidade e, por conseguinte, o valor do trabalho podem permanecer invariáveis, mas o preço deles em dinheiro pode sofrer alteração desde que se opere uma prévia modificação no valor do dinheiro.

Com a descoberta de jazidas mais abundantes, etc., 2 onças de ouro, por exemplo, não suporiam mais trabalho do que antes exigia a produção de uma onça. Neste caso, o valor do ouro baixaria para metade, 50 por cento. E como, em consequência disto, os valores das demais mercadorias expressar-se-iam no dobro do seu preço em dinheiro anterior, o mesmo aconteceria com o valor do trabalho. As 12 horas de trabalho, que antes se expressavam em 6 xelins, agora se expressariam em 12. Logo, se o salário do operário continuasse a ser de 3 xelins, em vez de ir a 6, resultaria que o preço em dinheiro do seu trabalho só corresponderia à metade do valor do seu trabalho, e o seu padrão de vida pioraria assustadoramente. O mesmo ocorreria, em grau maior ou menor, se o seu salário subisse, mas não proporcionalmente à baixa do valor do ouro. Em tal caso, não se teria operado a menor mudança, nem nas forças produtivas do trabalho, nem na oferta e procura, nem tampouco nos valores. Só teria mudado o nome em dinheiro destes valores. Dizer, neste caso, que o operário deve lutar pelo aumento proporcional do seu salário, equivale a pedir-lhe que se resigne a que se lhe pague o seu trabalho com nomes não com coisas. Toda a história do passado prova que sempre que se produz uma depreciação do dinheiro, os capitalistas se aprestam para tirar proveito da conjuntura e enganar os operários. Uma grande escola de economistas assevera que, em conseqüência das novas descobertas de terras auríferas, da melhor exploração das minas de prata e do barateamento do fornecimento do mercúrio, voltou a depreciar-se o valor dos metais preciosos. Isto explicaria as tentativas generalizadas e simultâneas que se fazem no Continente para conseguir um aumento de salários.

3. - Até aqui partimos da suposição de que a jornada de trabalho tem limites dados. Mas, na realidade, essa jornada, em si mesma, não tem limites constantes. O capital tende constantemente a dilatá-la ao máximo da sua possibilidade física, já que na mesma proporção aumenta o sobretrabalho e, portanto, o lucro que dele deriva. Quanto mais êxito tiverem as pretensões do capital para alongar a jornada de trabalho, maior será a quantidade de trabalho alheio de que se apropriará. Durante o século XVII, e até mesmo durante os primeiros dois terços do XVIII, a jornada normal de trabalho, em toda Inglaterra, era de 10 horas. Durante a guerra contra os jacobitas,  que, foi, na realidade, uma guerra dos barões ingleses contra as massas trabalhadoras inglêsas, o capital viveu dias de orgia e prolongou a jornada de 10 para 12, 14 e 18 horas. Malthus, que não pode precisamente infundir suspeitas de terno sentimentalismo, declarou num folheto, publicado por volta de 1815, que a vida da nação estava ameaçada nas suas raizes, caso as coisas continuassem assim. Alguns anos antes da generalização dos novos inventos mecânicos, cerca de 1765, veio à luz na Inglaterra um folheto intitulado An Essay on Trade ["Um Ensaio Sobre o Comércio"]. O anónimo autor deste folheto, inimigo jurado da classe operária, clama pela necessidade de estender os limites da jornada de trabalho. Entre outras coisas, propõe criar, com este objectivo, casas de trabalho para pobres que, diz ele, deveriam ser "casas de terror". E qual é a duração da jornada de trabalho proposta para estas"casas de terror"? Doze horas, quer dizer, precisamente a jornada que, em 1832, os capitalistas, os economistas e os ministros declaravam não só vigente de facto, mas também o tempo de trabalho necessário para as crianças menores de 12 anos.

Ao vender a sua força de trabalho ,- e o operário é obrigado a fazê-lo, no regime actual -, ele cede ao capitalista o direito de empregar esta força, porém dentro de certos limites racionais. Vende a sua força de trabalho para conservá-la ilesa, salvo o natural desgaste, porém não para destruí-la. E como a vende pelo seu valor diário, ou semanal, se subentende que num dia ou numa semana não se há-de arrancar à sua força de trabalho um uso, ou desgaste de dois dias ou duas semanas. Tomemos uma máquina que valha 1 000 libras. Se ela se usa em dez anos, acrescentará no fim de cada ano 100 libras ao valor das mercadorias que ajuda a produzir. Se se usa em 5 anos, o valor acrescentado por ela será de 200 libras anuais, isto é, o valor do seu desgaste anual está na razão inversa da rapidez com que se esgota. Mas isto distingue o operário da máquina. A maquinaria não se esgota exactamente na mesma proporção em que se usa. Ao contrário, o homem esgota-se numa proporção muito superior à que a mera soma numérica do trabalho acusa.

Nas tentativas para reduzir a jornada de trabalho à sua antiga duração racional, ou, onde não podem arrancar uma fixação legal da jornada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o trabalho excessivo por meio de um aumento de salário, aumento que não basta esteja em proporção com o sobretrabalho que os exaure, e deve, sim, estar numa proporção maior, os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles mesmos e a sua raça. Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas do capital. O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono, das refeições, etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. E, no entanto, toda a história da moderna indústria demonstra que o capital, se não se lhe põe um freio lutará ,sempre, implacavelmente e sem contemplações, para conduzir toda a classe operária a este nível de extrema degradação.

Pode acontecer que o capital, ao prolongar a jornada de trabalho, pague salários mais altos e que, sem embargo, o valor do trabalho diminua, se o aumento dos salários não corresponde à maior quantidade de trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento da força de trabalho que daí resultará. Isto pode ainda ocorrer de outro modo. Os vossos estatísticos burgueses dir-vos-ão, por exemplo, que os salários médios das famílias que trabalham nas fábricas do Lancashire subiram. Mas esqueceram-se de que agora, em vez de ser só o homem, o cabeça da família, são também a sua mulher e, talvez, três ou quatro filhos que se vêem lançados sob as rodas do carro de Jaguernaut do capital e que a alta dos salários totais não corresponde à do sobretrabalho total arrancado à família.

Mesmo com uma jornada de trabalho de limites determinados, como existe hoje em dia em todas as indústrias sujeitas às leis fabris, pode-se tornar necessário um aumento de salários, ainda que somente seja com o fito de manter o antigo nível do valor do trabalho. Mediante o aumento da intensidade do trabalho, pode-se fazer que um homem gaste numa hora tanta força vital como antes em duas. É o que se tem produzido nas indústrias submetidas às leis fabris, até certo ponto, acelerando a marcha das máquinas e aumentando o número de máquinas de trabalho a que deve atender agora um só indivíduo. Se o aumento da intensidade do trabalho ou da quantidade de trabalho despendida numa hora se mantém abaixo da diminuição da jornada de trabalho, sairá então a ganhar o operário. Se se ultrapassa este limite, perderá por um lado o que ganhar por outro, e 10 horas de trabalho o arruinarão tanto como antes 12. Ao contrabalançar esta tendência do capital, por meio da luta pela alta dos salários, na medida correspondente à crescente intensidade do trabalho, o operário não faz mais que opor-se à depreciação do seu trabalho e à degeneração da sua raça.

4. - Sabeis todos que, por motivos que não me cabe aqui explicar, a produção capitalista move-se através de determinados ciclos periódicos. Passa por fases de calma, de animação crescente, de prosperidade, de sobre-produção, de crise e de estagnação. Os preços das mercadorias no mercado e a taxa de lucro no mercado seguem estas fases; ora descendo abaixo de seu nível médio, ora ultrapassando-o. Se considerardes todo o ciclo, vereis que uns desvios dos preços do mercado são compensados por outros e que, tirando a média do ciclo, os preços das mercadorias do mercado se regulam pelos seus valores. Pois bem. Durante as fases de baixa dos preços no mercado e durante as fases de crise de estagnação, o operário, se é que não o põem na rua, pode estar certo de ver rebaixado o seu salário. Para que não o enganem, mesmo com essa baixa de preços no mercado, ver-se-á compelido a discutir com o capitalista em que proporção se torna necessário reduzir os salários. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista obtém lucros extraordinários, o operário não lutar por uma alta de salários, ao tirar a média de todo o ciclo industrial, veremos que ele nem sequer percebe o salário médio, ou seja, o valor do seu trabalho. Seria o cúmulo da loucura exigir que o operário, cujo salário se vê forçosamente afectado pelas fases adversas do ciclo, renunciasse ao direito de ser compensado durante as fases prósperas. Geralmente, os valores de todas as mercadorias só se realizam por meio da compensação que se opera entre os preços constantemente variáveis do mercado, variação proveniente das flutuações constantes da oferta e da procura. No âmbito do sistema actual, o trabalho é uma mercadoria, como outra qualquer. Tem, portanto, que passar pelas mesmas flutuações, até obter o preço médio que corresponde ao seu valor. Seria um absurdo considerá-lo como mercadoria para certas coisas e, para outras, querer exceptuá-lo das leis que regem os preços das mercadorias. O escravo obtém uma quantidade constante e fixa de meios de subsistência; o operário assalariado, não. Ele não tem outro recurso senão tentar impor, em alguns casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas para compensar a baixa em outros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar a vontade, os ditames do capitalista, como uma lei económica permanente compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar, em troca, da segurança deste.

5. - Em todos os casos que considerei, e que representam 99 em 100, vistes que a luta pelo aumento de salários vai sempre na pista de modificações anteriores e é o resultado necessário das modificações prévias operadas no volume de produção, nas forças produtivas do trabalho, no valor deste, no valor do dinheiro, na maior extensão ou intensidade do trabalho extorquido nas flutuações dos preços do mercado, que dependem das flutuações da oferta e da procura e se verificam em função das diversas fases do ciclo industrial; numa palavra, é a reacção dos operários contra a acção anterior do capital. Se focalizássemos a luta pelo aumento de salários fazendo caso omisso de todas estas circunstâncias, apenas considerando as modificações operadas nos salários e passando por cima de outras modificações, das quais elas provêm, partiríamos de uma falsa premissa para chegar a conclusões falsas.

14 - A luta entre o capital e o trabalho e seus resultados

1. - Após demonstrar que a resistência periódica que os trabalhadores opõem à redução dos salários e suas tentativas periódicas para conseguir um aumento de salários são fenómenos inseparáveis do sistema do salariado e ditadas pelo próprio facto de o trabalho se achar equiparado às mercadorias, por conseguinte submetido às leis que regulam o movimento geral dos preços, tendo demonstrado, ainda, que um aumento geral de salários resultaria numa diminuição da taxa geral de lucro, sem afectar, porém, os preços médios das mercadorias, nem os seus valores,surge a questão de saber até que ponto, na luta incessante entre o capital e o trabalho, tem este possibilidade de êxito.

Poderia responder com uma generalização, dizendo que o preço do trabalho no mercado, da mesma forma que o das demais mercadorias, tem que se adaptar, no decorrer do tempo, ao seu valor; que, portanto, a despeito de todas as altas e baixas e do que possa fazer, o operário acabará recebendo sempre, em média, somente o valor do seu trabalho, que se reduz ao valor da sua força de trabalho, a qual, por sua vez, é determinada pelo valor dos meios de subsistência necessários à sua manutenção e reprodução, valor esse regulado, em última análise, pela quantidade de trabalho necessária para produzi-los.

Mas há certos traços peculiares que distinguem o valor da força de trabalho, ou valor do trabalho, dos valores de todas as demais mercadorias. O valor da força de trabalho é formado por dois elementos, um dos quais puramente físico, o outro de caráter histórico e social. O seu limite mínimo é determinado pelo elemento físico, quer dizer , para poder manter-se e se reproduzir, para perpetuar a sua existência física, a classe operária precisa obter os artigos de primeira necessidade absolutamente indispensáveis à vida e à sua reprodução. O valor destes meios de subsistência indispensáveis constitui, pois, o limite mínimo do valor do trabalho. Por outra parte, a extensão da jornada de trabalho também tem os seus limites máximos, se bem que sejam muito elásticos. O seu limite máximo é dado pela força física do trabalhador. Se o esgotamento diário das suas energias vitais excede um certo grau, eIe não poderá fornecê-las outra vez, todos os dias. Mas, como dizia, esse limite é muito elástico. Uma sucessão rápida de gerações raquíticas e de vida curta manterá abastecido o mercado de trabalho tão bem como uma série de gerações robustas e de vida longa.

Além deste mero elemento físico, na determinação do valor do trabalho entra o padrão de vida tradicional em cada país. Não se trata somente da vida física, mas também da satisfação de certas necessidades que emanam das condições sociais em que vivem e se criam os homens. O padrão de vida inglês poderia baixar ao irlandês; o padrão de vida de um camponês alemão ao de um camponês livónio. A importância do papel que, a este respeito, desempenham a tradição histórica e o costume social podereis vê-la no livro do sr. Thornton sobre a "Sobre-população", onde ele mostra que, em distintas regiões agrícolas da Inglaterra dos nossos dias, os salários médios continuam a ser hoje diferentes, conforme as condições mais ou menos favoráveis em que essas regiões saíram da servidão.

Este elemento histórico ou social, que entra no valor do trabalho, pode acentuar-se, ou debilitar-se e, até mesmo, extinguir-se de todo, de tal modo que só fique de pé o limite físico.

Durante a guerra contra os jacobitas, que, como costumava dizer o incorrigível devorador de impostos e prebendas, o velho George Rose, foi empreendida para que esses descrentes franceses não destruíssem os consolos da nossa santa religião, os honestos fazendeiros inglêses, a quem tratamos com tanto carinho num capítulo anterior, fizeram baixar os salários dos trabalhadores do campo para além daquele mínimo estritamente físico, completando a diferença indispensável para assegurar a perpetuação física da raça, mediante as leis dos pobres. Era um glorioso método para converter o trabaIhador assalariado em escravo e orgulhoso yeoman de Shakespeare em mendigo.

Se comparais os salários normais ou valores do trabalho em diversos países e em épocas históricas distintas, dentro do mesmo país, vereis que o valor do trabalho não é por si uma grandeza constante, mas variável, mesmo supondo que os valores das demais mercadorias permaneçam fixos.

Um estudo comparativo semelhante das taxas de lucro no mercado provaria que não só elas se modificam como também as suas taxas médias.

Mas, no que se refere ao lucro, não existe nenhuma lei que lhe fixe o mínimo. Não podemos dizer qual seja o limite extremo da sua baixa. E por que não podemos estabelecer esse limite? Porque, embora possamos fixar o salário mínimo, não podemos fixar o salário máximo. Só podemos dizer que, dados os limites da jornada de trabalho, o máximo de lucro corresponde ao mínimo físico dos salários e que, partindo de dados salários, o máximo de lucro corresponde ao prolongamento da jornada de trabalho na medida em que seja compatível com as forças físicas do operário. Portanto, o máximo de lucro só se acha limitado pelo mínimo físico dos salários e pelo máximo físico da jornada de trabalho. É evidente que, entre os dois limites extremos da taxa máxima de lucro, cabe uma escala imensa de variantes. A determinação do seu grau efectivo só fica assente pela luta incessante entre o capital e o trabalho; o capitalista, tentando constantemente reduzir os salários ao seu mínimo físico e a prolongar a jornada de trabalho ao seu máximo físico, enquanto o operário exerce constantemente uma pressão no sentido contrário.

A questão reduz-se ao problema da relação de forças dos combatentes.

2. - Pelo que concerne à limitação da jornada de trabalho, tanto na Inglaterra como em todos os outros países, nunca ela foi regulamentada senão por intervenção legislativa.E sem a constante pressão dos operários agindo por fora, nunca essa intervenção se daria. Em todo o caso, este resultado não teria sido alcançado por meio de convénios privados entre os operários e os capitalistas. E esta necessidade mesma de uma acção política geral é precisamente o que demonstra que, na luta puramente económica, o capital é a parte mais forte.

Quanto aos limites do valor do trabalho, a sua fixação efectiva depende sempre da oferta e da procura, e refiro-me à procura de trabalho por parte do capitalista e à oferta de trabalho pelos operários. Nos países coloniais, [10] a lei da oferta e da procura favorece os operários. Daqui resulta o nível relativamente elevado dos salários nos Estados Unidos. Nestes países, faça o que fizer o capital, ele não pode nunca evitar que o mercado de trabalho esteja constantemente desabastecido pela constante transformação dos trabalhadores assalariados em lavradores independentes com fontes próprias de subsistência. Para grande parte da população norte-americana, a posição de assalariados não é mais do que uma estação de trânsito, que estão seguros de abandonar, mais tarde ou mais cedo. Para remediar este estado colonial de coisas, o paternal governo britânico adoptou, há tempos, a chamada teoria moderna da colonização, que consiste em atribuir às terras coloniais um preço artificialmente elevado para, deste modo,obstar à transformação demasiado rápida do trabalhador assalariado em lavrador independente.

Mas passemos agora aos velhos países civilizados onde o capital domina todo o processo de produção. Tomemos, por exemplo, a elevação dos salários agrícolas ingleses, de 1849 a 1859. Qual foi a sua conseqüência? Os agricultores não puderam elevar o valor do trigo, como lhes teria aconselhado o nosso amigo Weston, nem sequer o seu preço no mercado. Ao contrário, tiveram que resignar-se a vê-lo baixar. Mas durante estes onze anos introduziram máquinas de todas as classes e novos métodos científicos, transformaram uma parte das terras de lavoura em pastagens, aumentaram a extensão das suas propriedades agrícolas e com ela a escala de produção; e por estes e outros processos, fazendo diminuir a procura de trabalho graças ao aumento das suas forças produtivas, tornaram a criar um excedente relativo da população de trabalhadores rurais. Tal é o método geral segundo o qual opera o capital nos países antigos, de bases sólidas, para reagir, mais rápida ou mais lentamente, contra os aumentos de salários. Ricardo observou, com exactidão, que a máquina está em continua concorrência com o trabalho e, amiúde, só pode ser introduzida quando o preço do trabalho alcança certo limite; mas a aplicação da maquinaria é apenas um dos muitos métodos empregados para aumentar a força produtiva do trabalho. Este mesmo processo, que cria uma super-abundância relativa de trabalho ordinário, simplifica muito o trabalho qualificado e, portanto, deprecia-o.

A mesma lei faz-se sentir de outra forma. Com o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, acelera-se a acumulação do capital, inclusive a despeito de uma taxa de salário relativamente alta. Daqui poderia inferir-se, conforme fez Adam Smith, em cujos tempos a indústria moderna ainda estava na sua infância, que a acumulação acelerada do capital tem forçosamente que fazer pender a balança a favor do operário, por garantir uma procura crescente de seu trabalho. Situando-se no mesmo ponto de vista, há muitos autores contemporâneos que se assombram de que, apesar de nos últimos vinte anos, o capital inglês ter crescido mais rapidamente do que a população inglesa, os salários nem por isso registram um aumento maior. Mas é que, simultâneamente, com a acumulação progressiva, opera-se uma mudança progressiva na composição do capital. A parte do capital global formada por capital fixo : maquinaria, matérias-primas, meios de produção de todo género, cresce com maior rapidez que a outra parte do capital destinada a salários, ou seja, à compra de trabalho. Esta lei foi estabelecida, sob uma forma mais ou menos precisa, pelos srs. BartonRicardoSismondi, prof. Richard Jones, prof. RamseyCherbuliez e outros.

Se a proporção entre estes dois elementos do capital era, originariamente, de 1 para 1, com o progresso da indústria será de 5 para 1, e assim sucessivamente. Se de um capital global de 600 são desembolsados 300 para instrumentos, matérias-primas, etc., e 300 para salários, basta dobrar o capital global para ser possível absorver 600 operários em vez de 300. Mas, se de um capital de 600 se invertem 500 em maquinaria, materiais, etc., e somente 100 em salários, este capital precisa aumentar de 600 a 3 600, para criar uma procura de 600 operários em lugar de 300. Portanto, ao desenvolver-se a índústria, a procura de trabalho não avança com o mesmo ritmo da acumulação do capital. Aumenta, sem dúvida, mas aumenta numa proporção constantemente decrescente, quando comparada com o incremento do capital.

Estas breves indicações bastarão para demonstrar, precisamente, que o próprio desenvolvimento da indústria moderna contribui por força para inclinar cada vez mais a balança a favor do capitalista contra o operário e que, em conseqüência disto, a tendência geral da produção capitalista não é para elevar o nível médio normal do salário, mas, ao contrário, para fazê-lo baixar, empurrando o valor do trabalho mais ou menos até seu limite mínimo. Porém, se tal é a tendência das coisas neste sistema, quer isto dizer que a classe operária deva renunciar a defender-se contra os abusos do capital e abandonar os seus esforços para aproveitar todas as possibilidades que se lhe ofereçam de melhorar em parte a sua situação? Se o fizesse, ver-se-ia degradada a uma massa informe de homens famintos e arrasados, sem probabilidade de salvação. Creio haver demonstrado que as lutas da classe operária em torno do padrão de salários são episódios inseparáveis de todo o sistema do salariado, que, em 99 por cento dos casos, os seus esforços para elevar os salários não são mais que esforços destinados a manter de pé o valor dado do trabalho e que a necessidade de disputar o seu preço com o capitalista é inerente à situação em que o operário se vê colocado e que o obriga a vender-se a si mesmo como uma mercadoria. Se nos seus conflitos diários com o capital cedessem covardemente ficariam os operários, por certo, desclassificados para empreender outros movimentos de maior envergadura.

Ao mesmo tempo, e ainda abstraindo totalmente a escravização geral que o sistema do salariado implica, a classe operária não deve exagerar aos seus próprios olhos o resultado final destas lutas diárias. Não deve esquecer-se de que luta contra os efeitos, mas não contra as causas desses efeitos; que logra conter o movimento descendente, mas não fazê-lo mudar de direcção; que aplica paliativos, mas não cura a enfermidade. Não deve, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuações do mercado. A classe operária deve saber que o sistema actual, mesmo com todas as misérias que lhe impõe, engendra simultaneamente as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma reconstrucção económica da sociedade. Em vez do lema conservador de: "Um salário justo por uma jornada de trabalho justa!", deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária:"Abolição do sistema de trabalho assalariado!".

Depois desta exposição longuíssima e, receio eu, fatigante, que julguei indispensável para esclarecer um pouco o nosso tema principal, vou concluir, propondo a aprovação da resolução seguinte:

1. - Uma alta geral da taxa de salários acarretaria uma baixa da taxa geral de lucro, mas não afectaria, em linhas gerais, os preços das mercadorias.

2. - A tendência geral da produção capitalista não é para elevar o padrão médio de salários, mas para reduzi-lo.

3. - Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas, são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em lugar de ao mesmo tempo se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem as suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado.

A nossa táctica é o marxismo, deixou-nos, de forma clara, o camarada Arnaldo Matos. Se não o fizermos nunca teremos um Guia para a acção revolucionária do proletariado moderno e, muito menos, saberemos contrariar os desvios revisionistas que artigos como o publicado a 18 de Março de 2022 no Órgão Central do PCTP/MRPP – o Luta Popular online -, sob o pomposo título “GUERRA DO POVO À GUERRA IMPERIALISTA!
INDEXAÇÃO MENSAL DOS SALÁRIOS E DAS REFORMAS À INFLAÇÃO A PARTIR DE JANEIRO!
” propõe à classe operária e aos restantes escravos assalariados.

 

Como afirmava sem hesitação Karl Marx, o que se deve inscrever na bandeira da luta da classe operária contra o Capital é a divisa revolucionária:

 

"Abolição do sistema de trabalho assalariado!"

 

Luis Júdice

 

22 de Março de 2022

 Nota de rodapé: E agora, oh Castro, diz-me tu, intelectualóide de pacotilha?! Se o "Manifesto do Partido Comunista" correspondia à "fase juvenil" de Marx, a que fase pertence esta sua dissertação? Sim, porque tu e os revisionistas Cidália Guerreiro e João Pinto, que protagonizaram o assalto social-fascista à direcção do PCTP/MRPP,  estão, obviamente, na fase senil do mais abjecto e moribundo dos revisionismos. Isto é que vai aqui um Putedo!

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