14 de Março de
2022 Robert Bibeau
Alastair Crooke – Fevereiro 2022 – Fonte Al Mayadeen
Yuri Ushakov, conselheiro sénior do
Kremlin, tinha revelado antes da declaração de Putin-Xi de Pequim que a sua publicação
marcaria um ponto de inflexão nas relações internacionais. Seria uma nova era,
com a Rússia e a China em sintonia. "sobre as questões mais
importantes do mundo – e com especial enfoque nas questões de segurança."
(Veja
aqui a declaração de Putin-Xi: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2022/02/a-america-perdeu-guerra-na-ucrania.html
)
O mundo inteiro está apenas a começar a
entender como esta
afirmação representa um ponto de viragem. A declaração em si era geral – uma repetição de
grandes princípios. O que é ainda mais claro hoje é que Moscovo e Pequim já
tinham decidido romper com o Ocidente – fundamentalmente.
O que está a ser preparado hoje é a manifestação desta decisão preliminar. É a concretização desta ruptura com o Ocidente (nunca absoluta, claro) e a separação concomitante do globo em duas esferas distintas: os Estados que seguem a visão russo-chinesa seguem os seus próprios processos civilizacionais e políticos. A China e a Rússia estão empenhadas num coração asiático integrado e coerente (uma esfera distinta) – que se estende da Europa à Ásia Oriental (incluindo também partes do Ártico).
Em termos menos
diplomáticos, a Rússia e a China concluíram que já não era possível partilhar
uma sociedade mundial com uma América determinada a impor uma ordem mundial
hegemónica destinada a
"parecer-se com o Arizona".
Matt Taibbi escreveu: "O problema é que estamos a entrar
na terceira década em que os líderes ocidentais abraçaram o não-pensamento como
um conceito fundamental de segurança nacional. É como se estas pessoas tivessem
ido para a escola anti-governo. »
Taibbi aponta para o
ponto de partida desta tendência na "Doutrina Bernard Lewis" de 2004. O argumento
era a própria simplicidade. O bom professor achou que era inútil
perguntar "Porque é que nos odeiam?" (sic) porque a
resposta estava tão obviamente enraizada num problema que não conseguíamos
resolver: o fracasso civilizacional do Islão. (resic)
De certa forma, odeiam-nos há séculos... Não se pode
ser rico, forte, bem sucedido e amado, especialmente por aqueles que não são
ricos, não são fortes e não são prósperos. Então o ódio é algo quase
axiomático. A pergunta que devemos fazer é: por que não nos temem e nos
respeitam?
Depois de Karl Rove ter convocado Lewis para informar
a Casa Branca de Bush, os nossos líderes começaram a falar sobre a
impossibilidade de dialogar com o Médio Oriente. Como a cultura deles foi um
fracasso, e a nossa um sucesso, eles odiar-nos-iam para sempre.
Por isso, não era necessário ouvir as razões pelas
quais eles nos odeiam tanto, uma vez que, do ponto de vista prático, a única
forma de pôr fim a esse ódio "axiomático" era tornar as suas sociedades menos fracassadas,
ou seja, mais como nós. A partir daí, iniciaram uma estratégia consciente de
não considerar o que outros povos ou países poderiam pensar, enquanto lançavam
o seu engenhoso plano para transformar a Mesopotâmia no Arizona, pela força.
Bem, parece que a
Rússia e a China chegaram à conclusão de que se uma ordem mundial é orquestrada
por aqueles que de alguma forma pensam que "sabem melhor" do que
metade de seu próprio eleitorado (ou seja, o próprio eleitorado dos Estados
Unidos), e aqueles que vivem nos fracassos civilizacionais, eles não o queriam.
Querem a separação. Se isso for feito através do diálogo (o que é improvável, uma vez que o princípio fundamental da geopolítica de hoje é definido pelo mal-entendido deliberado da "alteridade"), então deve ser alcançado através de uma escalada da dor – até que uma parte, ou outra, ceda. É claro que Washington não acredita que Xi e Putin possam pensar no que dizem — e pensam que, de qualquer forma, eles (o Ocidente) têm poder preponderante na área da escalada da dor.
É impressionante que a
decisão de romper com os Estados Unidos esteja a politizar a China. E as
ramificações desta mudança são enormes. Veja-se este exemplo: o autoritário Global Times,
num editorial intitulado Washington's Most War-Hungry Far from Ukraine's Front
Line avisa que os EUA
estão por detrás da guerra na Ucrânia precisamente para fortalecer a disciplina
do bloco –
para trazer os Estados europeus de volta ao colo dos EUA.
A China vê a Ucrânia
como o pivô ideal para mover a Europa para as necessidades geo-estratégicas ulteriores
da América: os EUA estão a empurrar a Ucrânia para a
linha da frente, mas eles próprios afastaram-se para evitar serem implicados.
As notas editoriais:
Claramente, o campo de visão de Washington é muito
estreito para ver o mundo real hoje. Os Estados Unidos são mais como um "representante de
classe" do pensamento antigo, afirmando
orgulhosamente as suas mentiras do século passado. Acham que são mais espertos
do que os outros, mas dão demasiado crédito a si próprios.
Esta polarização
ocidental entre "representantes
eleitos" que conhecem melhor do que ninguém e uma desprezada sub-classe de
cidadãos mal informados e fanáticos que "ocupam o espaço" (na frase de Trudeau) na esfera doméstica
leva a um dilema paralelo a nível mundial: "a separação ou a purga".
Parece que a pretensão
de "saber
melhor" e o desprezo por qualquer outro ponto de vista acabam de passar para
o nível mundial. E as consequências serão profundas.
No frenesim em torno
da Ucrânia, a importância geopolítica da China, que está a emergir da sua
neutralidade, foi largamente negligenciada. (sic) Pela primeira vez (desde os
mongóis), a China intervém directamente (adoptando uma posição muito clara e
poderosa) sobre uma questão central em matéria de assuntos europeus. A longo prazo, isto
sugere que a China terá uma abordagem mais política nas suas
relações com os países europeus e com outros países.
Em causa estão, portanto, decisões-chave que definirão a futura Europa. Mas o mesmo se aplica ao futuro do Médio Oriente. Já não será possível ficar satisfeito com uma posição hesitante perante esta nova China emergente: está do lado dos "velhos pensadores", que se imaginam mais inteligentes do que qualquer outra pessoa no planeta e que sopram "velhas melodias no seu velho clarim do século passado"? Ou está do lado da visão alternativa de um coração asiático integrado, baseado na soberania nacional e na especificidade política? É hora de tomar uma decisão geo-política. (sic)
Alastair Crooke
Traduzido por Zineb,
revisão por Wayan, para o Saker Francophone
Este artigo
foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
Sem comentários:
Enviar um comentário