terça-feira, 22 de março de 2022

Ucrânia, Rússia, Síria... Compreender o tabuleiro mundial

 


 22 de Março de 2022  Robert Bibeau  


Por 
Claude Janvier.

Para compreender para que serve o conflito ucraniano, é necessário compreender as questões políticas, económicas e, acima de tudo, quem está a puxar os cordelinhos.

Relatar a guerra todos os dias, como a maioria dos jornalistas dos media fazem em busca de manchetes e emoções, não traz qualquer compreensão dos factos reais. Uma minoria de cientistas políticos, escritores e investigadores divulgam análises muito boas, transmitidas nos meios de comunicação livres. Ser informado é, portanto, sempre possível, desde que queira relegar as emissões relaxantes e soporíferas das notícias televisivas, da BFMTV e do resto da PAF – paisagem audiovisual francesa (e universal – NdT) – para o seu lugar de direito que é: o caixote do lixo.


Infelizmente, a realidade é bem diferente. A grande maioria das pessoas, hipnotizadas e agarradas diariamente à frente dos seus ecrãs de televisão, tornaram-se máquinas de propaganda. A bandeira ucraniana hasteia no canto superior esquerdo dos ecrãs de TV, artistas condescendentes mobilizam-se, as lágrimas de crocodilo fluem, as câmaras municipais soam as sirenes, e a Torre Eiffel foi adornada com cores azuis e amarelas, graças a Anne Hidalgo. A mesma que tinha feito extinguir o símbolo da França, no dia em que 
Alepo foi libertado. Sem comentários...

Além do valor educacional em que muitas pessoas aprenderam como eram as cores da bandeira ucraniana, a arrogância e a lavagem cerebral são totais.

Doações para a Ucrânia, petições online, solicitações nas lojas, a maquinaria humanitária activou o turbo e a injecção. A União Europeia vibra em uníssono! Como é bonito!

Gostaríamos e ainda esperaríamos pelo mesmo fervor intenso, a mesma onda de fraternidade, a mesma comunhão pelos massacres que continuam no Iémen – 377.000 mortos -, no Donbass - 15.000 mortos -, na Síria - entre 400.000 e 500.000 mortos - e no Iraque - 500.000 mortos - e no Iraque - 500.000 mortos -

Mas nada, nem uma linha ou quase, sem bandeiras a acenar, sem artistas lamechas a gritar as suas compaixões tolas e xaroposas, sem visitar o BHL, – o nosso grande repórter de guerra, mas no estúdio –, sem doações, sem apoio, sem impulso fraternal, nada. Nada total. Pior, segundo a televisão na altura da invasão do Iraque pelos EUA e pela coligação internacional, só teria havido "ataques cirúrgicos". Que ignomínia!

A presença dos batalhões nazis presentes na Ucrânia, totalmente apoiada pelo presidente ucraniano e pelo seu governo, é minimizada pela "grande imprensa", numa complacência imunda. Perante o desprezível, a tolerância da imprensa parece tão surreal que seria difícil de acreditar. E, no entanto, o pesadelo da propaganda pôs os reactores em movimento. A partir do momento em que a imprensa mainstream fala sobre o mesmo, lembre-se que a verdade está noutro lugar e que é questionável. Ninguém relata que há, mais ou menos, 102.000 paramilitares no exército ucraniano! – Wikipédia, Guerra na Ucrânia –

Mas retomemos de forma breve à situação na Ucrânia e no Donbass.

A Ucrânia tem estado, desde o golpe de Estado de 2014, sob o controlo das operações norte-americanas, avançando a aliança militar da NATO, que é muito hostil à Rússia. Este vasto país tornou-se inimigo público nº 1 dos EUA e dos seus vassalos. A península da Crimeia com a base russa em Sevastopol está na mira da NATO.

O povo da Crimeia nunca quis fazer parte da Ucrânia. Realizou-se um referendo e uma esmagadora maioria dos Crimeenses votou para regressar à Rússia, do qual tinham sido separados por uma decisão autocrática de Khrushchev em 1954. É claro que os propagandistas ocidentais denunciaram esta "invasão russa", que é a fantasia mais abjecta.

Quanto à região de Donbass, composta pelas províncias de Donetsk e Luhansk, os residentes, consternados com o golpe de 2014 e as ameaças de perder o seu espírito patriótico em relação à Rússia, proclamaram a sua independência. Desde então, o inferno tem-se vindo a abater sobre eles e os sucessivos bombardeamentos do Governo ucraniano desde 2014 já mataram mais de 15.000 pessoas.

O Protocolo de Minsk, assinado em 5 de Setembro de 2014 pelos representantes da Ucrânia, Rússia, República Popular de Donetsk (DNR) e República Popular de Luhansk (LNR) pretendia pôr fim à guerra no leste da Ucrânia. O acordo centrou-se num cessar-fogo imediato na região do Donbass e na retirada do território ucraniano de formações armadas ilícitas e equipamento militar, bem como em combatentes e mercenários irregulares. Traduza-se por batalhões neonazis.

Este acordo nunca foi respeitado por sucessivos presidentes ucranianos desde o início e a região do Donbass vive um inferno há 8 anos. Para além de a Rússia não poder aceitar que os mísseis da NATO fossem dirigidos a Moscovo a partir da Ucrânia, a diplomacia estava, de facto, num impasse. Por conseguinte, o Presidente Putin tomou uma decisão muito difícil, que consiste em resolver o problema. Podemos culpá-lo, podemos elogiá-lo, podemos criticá-lo, mas as apostas, como vamos descobrir, estão longe de ser simples. Há uma grande diferença entre "aquele que faz a guerra, e aquele que cria a armadilha para a guerra acontecer." Citação para meditar.

Acima de tudo, é necessário entender que há três grandes correntes que governam a Terra:

1) Uma oligarquia financeira "liberal", a mais poderosa e a mais rica. É composta por políticos, industriais, financiadores e chefes dos media, que estão no clã dos democratas americanos actualmente encarnados por Joe Biden, da cidade de Londres, do Canadá de Justin Trudeau, a maioria dos países da UE, incluindo França, Japão, Austrália, Nova Zelândia e Israel.
Os seus lacaios obedientes e ultra-frívolos como Bill Gates, George Soros e o GAFAM – Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft – asseguram propaganda, infiltração e censura do Estado.

2) Uma oligarquia financeira "imperialista" com uma tendência nacionalista-populista, que se tornou ao longo do tempo um sério e perigoso desafiante para a outra facção, também composta por políticos, industriais e financiadores, encontrado no clã dos republicanos americanos encarnados por Donald Trump, China de Xi Jinping, Rússia de Vladimir Putin, Brasil de Jair Bolsonaro, A Venezuela de Nicolás Maduro e a Hungria de Victor Orban.

3) E o resto dos países que não querem tomar partido entre os dois, inclinando-se tanto para uma corrente como para  outra, tudo depende de alianças, investimentos e contratos económicos.


Os líderes dos Estados Unidos, protegidos na sua arrogância como uma "nação indispensável", não têm respeito por outros países do mundo. Não podemos esquecer que, desde a sua criação, os EUA estão em guerra com um ou mais países.

É óbvio que a Rússia representa um bloco que os EUA têm de assediar constantemente para o fazer dobrar. Do Kosovo e da ex-Jugoslávia – ou recordo-me que existiam campos de treino jihadistas para combater na Síria –, os EUA desejam ver dobrar-se, entre outros, a Rússia e assegurar que tem total controlo sobre todos os países da UE.

O actual conflito entre a Ucrânia é um episódio importante no confronto entre a facção liberal – EUA, UE – e a facção imperialista-populista – Rússia, China –

A Ucrânia está longe de ser governada por altruístas. Com efeito, quem ouviu falar da Lei n.º 38 sobre os povos indígenas votada a 1 de Julho de 2021? No fundo, esta lei proíbe os eslavos – russos e húngaros – de falarem a sua própria língua. No final, os eslavos deixaram de estar protegidos na Ucrânia e são considerados sub-humanos. É a primeira lei racial aprovada na Europa em 77 anos. Olá BHL!  https://zakon.rada.gov.ua/laws/show/1616-20#Text

Então, qual é a relação entre a situação na Ucrânia e na Síria? Em primeiro lugar, é necessário compreender brevemente como e por que começou a guerra na Síria. Desde 2010, parece que existem enormes reservas de gás e petróleo nas águas ao largo da Grécia, Turquia, Chipre e Síria. Israel explora as reservas de gás e petróleo sírios dos Altos Golã anexados a Israel desde 1981 (ilegal e ilegitimamente).

De acordo com relatos do jornal libanês Al-Akhbar publicado em 2012, os Cataris tinham um plano, aprovado pela administração Obama, para construir um gasoduto do Qatar para transportar gás para a Europa através da região síria de Homs.

Este oleoduto teria começado no Qatar, atravessado a Arábia Saudita, depois a Jordânia, evitando que o Iraque chegasse a Homs na Síria, de onde teria ramificado em três direcções: Latakia na costa síria, Trípoli, no norte do Líbano, e Turquia, a fim de quebrar o monopólio russo do gás na Europa e evitar um maior frete marítimo, mais caro e mais perigoso.

O Presidente Bashar al-Assad discordou e em 25 de Dezembro de 2013 assinou o seu primeiro acordo com a Rússia para explorar petróleo e gás nas suas águas territoriais. O Presidente Bashar al-Assad disse não à pilhagem dos seus recursos petrolíferos pelos EUA.

Diz-se que a Síria tem as maiores reservas de petróleo offshore do Mediterrâneo, com 2,5 mil milhões de barris, a maior de qualquer vizinho, excepto o Iraque.

Ao longo de dez anos de guerra mortífera, de 2010 a 2020, os governos dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Turquia, etc., apoiaram, financiaram e armaram grupos terroristas multinacionais e organizações de múltiplas fidelidades e chapéus, bem como milícias separatistas a seu mando. Realizaram deliberadamente agressões militares unilaterais e tripartidas contra a República Árabe Síria, ocuparam partes do seu território, cometeram assassínios e destruição, deslocaram e mudaram a demografia, pilharam a sua riqueza natural e histórica, incluindo petróleo, gás, culturas agrícolas e antiguidades, queimaram e destruíram tudo o que não podiam roubar, impuseram medidas coercivas cada vez mais unilaterais ao povo sírio.

Vocês nunca foram informados pelos meios de comunicação social de que, em 31 de Maio de 2020, a República Árabe Síria enviou uma queixa formal ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Presidente do Conselho de Segurança contra os governos de certos Estados-Membros, em primeiro lugar, os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e a Turquia. Objecto: "Pôr fim à ingerência hostil de Estados estrangeiros nos assuntos internos da República Árabe Síria e apelar a todos os Estados-Membros para que se abstenham de qualquer prática que vise minar a independência e a continuação do processo político."

O plano, elaborado há mais de 20 anos, consistia em desestabilizar permanentemente a Síria, começando por derrubar - um pré-requisito imperativo - o regime de Damasco. Os ocidentais, que desempenham o papel que Israel desempenha nos bastidores, irão, por isso, insistir fortemente na queda da Síria.

Os ocidentais, como resultado, e por trás deles a oligarquia financeira mundial "liberal", têm tentado, desde 2011, derrubar o regime sírio multiplicando provocações, guerra civil, ameaças, medidas de retaliação e ataques de falsa bandeira.

Por agora, e felizmente para o bem de todos, a coligação internacional está derrotada na Síria. Mas, é claro, a facção oligarquia "liberal" está a tentar, por todos os meios, alcançar os seus fins. Para isso, a Rússia deve estar dobrada. E o abcesso chama-se: Ucrânia

Desde finais de 2013, a Rússia tem sido inimiga do mundo ocidental, acusada de todos os males: de querer travar uma guerra em todo o lado, de ser homofóbica, racista e antidemocrática, e de multiplicar alegadas tentativas de desestabilização de todos os tipos (ciberataques, interferência nas eleições americanas em Novembro de 2016, etc.).


Porquê? Porque bloqueou a Terceira Guerra Mundial, porque não obedece ao bloco "liberal", porque é o campeão do clã nacional-populista, porque é o único capaz de resistir fisicamente à oligarquia liberal, (militar e economicamente graças à sua aproximação com a China, outra potência com uma tendência imperialista), e por isso impede fortemente a realização do plano!

É para isso que a Ucrânia se destina: tentar subordinar a Rússia à oligarquia financeira "liberal" e fazê-la ceder à questão síria. É isso que está a ser negociado debaixo da mesa. Se for esse o caso, saberemos rapidamente, quer pela abertura de um novo conflito na Síria, quer pela impossibilidade de resolver o conflito ucraniano.

Na cimeira de Genebra – Junho de 2021 – o Presidente Joe Biden reconheceu a derrota do seu país na Síria. Comprometeu-se a não intervir mais naquele país e reconheceu que este país estava protegido pela Rússia. O compromisso não é cumprido, porque as forças norte-americanas continuam omnipresentes na Síria. Da mesma forma, tinha concordado com a colocação em funcionamento do gasoduto Nord Stream 2 com um preço de gás ligeiramente superior ao normalmente cobrado pela Rússia como dano de guerra.

Note-se que houve um recomeço desde o início de 2022 de graves acontecimentos na Síria:

O ataque a uma prisão detida por mercenários curdos numa área ocupada ilegalmente pelos Estados Unidos, onde estavam localizados jihadistas, em Janeiro de 2022, seria o primeiro passo no plano de recrutamento dos EUA.

– A eliminação do califa do Daesh, Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, por um comando dos EUA, a 3 de Fevereiro de 2022, permitiu colocar um líder mais dócil na sua sucessão.

– Uma reunião, presidida pelo ex-Presidente do Conselho de Ministros sírio Riad Hijab e funcionários da Irmandade Muçulmana, deu origem a 5 de Fevereiro de 2022 no Qatar, para uma divisão de papéis entre diferentes grupos jihadistas e think tanks norte-americanos.

Centenas de pessoas reuniram-se na sexta-feira, 11 de Fevereiro de 2022, em Suaida, uma grande cidade no sul da Síria, para exigir melhores condições de vida. Os manifestantes reuniram-se pelo quinto dia consecutivo na cidade, depois de as autoridades terem retirado por engano 600.000 famílias inscritas no programa de subvenções, refere o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), sediado no Reino Unido, que tem uma extensa rede de fontes na Síria.

Estamos a assistir mais a uma emoção popular em relação às condições de vida do que a um movimento revolucionário como poderia ter havido em 2011. Embora a infiltração seja sempre possível. Tem que entender que a situação económica na Síria é realmente catastrófica. Por causa do embargo americano, há pouca ou nenhuma electricidade, não há combustível para aquecimento, o pão é racionado, os salários são miseráveis ​​lá, quando  tem a sorte de ter um...

 

– De acordo com o SVR (Serviço russo de Inteligência Estrangeira), a CIA está em processo de reconexão – desde Fevereiro de 2022 – com os jiadistas no norte da Síria. Recrutá-los-ia para realizar ataques esporádicos contra o Exército Árabe Sírio.

Para concluir, o resultado do conflito ucraniano e do conflito sírio permitirá, espero eu, uma redistribuição das cartas. Até agora, a maioria do planeta tem estado sob domínio unipolar, a da oligarquia financeira "liberal". A resistência da Rússia e da Síria permite vislumbrar a mudança para um mundo multipolar onde os povos, finalmente, podem prosperar sem a influência prejudicial da casta belicista dos EUA.

A Síria detém a chave para o Médio Oriente e, juntamente com a Rússia, estas duas nações têm as chavespara um futuro mais brando para a soberania dos povos.

Claude Janvier.


Escritor, ensaísta. Autor de três livros "golpes de gueule". Co-autor com Jean-Loup Izambert dos livros "O vírus e o presidente". Edição is. A publicar em breve, com os mesmos autores: Covid-19: "O balanço em 40 perguntas". Edição is. Publicação de "O Vírus e o Presidente" de Jean-Loup IZAMBERT e Claude JANVIER – IS Edition (is-edition.com)

 

 


Fonte: Ukraine, Russie, Syrie… Appréhender l’échiquier mondial – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

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