sexta-feira, 4 de março de 2022

As pontes da Europa caíram: mais um olhar sobre o conflito ucraniano

 


 4 de Março de 2022  Robert Bibeau  

Por Alastair Crooke – fevereiro de 2021 – Fonte Al Mayadeen Comentários:


O fundador da Eurointelligence, Wolfgang Münchau, é um forte apoiante da Europa. Tem sido assim há uma década. No início deste mês, porém, fez o seguinte comentário:

"A batalha pela integração europeia falhou. É tempo de reconhecer a derrota e de reflectir sobre as consequências: Quando lutamos por uma causa que não se materializa, em que ponto reconhecemos e admitimos a derrota? A crise da dívida soberana da zona euro roubou-me a minha última grande ilusão europeia, a ideia de que as crises nos tornam mais fortes. Esta crise em particular tornou-nos mais fracos. Assim como a pandemia... »


“O meu cepticismo não é impaciência, mas preocupação de que as oportunidades tenham sido perdidas para sempre. Veja as compras de activos do BCE. Houve uma pequena janela para um verdadeiro Eurobond entre 2008 e 2015, quando o programa de flexibilização quantitativa (QE) do BCE começou. Então o BCE comprou triliões de dívida soberana nacional e a transformou em euros. É isso que a flexibilização quantitativa faz: ela troca dívida por dinheiro. O dinheiro é um passivo semelhante aos títulos, excepto que tem uma vida útil mais curta. A ideia de um verdadeiro Eurobond não poderia ser mais diferente: se ao menos!… Cheguei à conclusão de que a oportunidade passou. Uma vez que percebemos isso, as consequências são de longo alcance. Se uma união económica real (integração) é a melhor opção: não se segue logicamente que uma união económica disfuncional seja a segunda melhor opção”.

Münchau está convencido de que a UE já passou o ponto de inflexão em que a Europa deve redefinir-se colectivamente. E a declaração conjunta russo-chinesa (a América perdeu a guerra na Ucrânia – Les 7 du Quebechttps://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2022/02/a-america-perdeu-guerra-na-ucrania.html aterrou à porta da Europa com um estrondo. (https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2022/02/o-conflito-ucraniano-ja-nao-aponta-para.html ) . Apresenta uma visão do futuro partilhada pela Rússia e pela China que só pode mobilizar o espírito europeu, até porque a declaração sobre a "Grande Estratégia" prevê a criação de uma comunidade euro-asiática que englobará toda a massa terrestre euro-asiática e as suas águas árticas adjacentes. Este coração euro-asiático será soberano e governado por um consenso multipolar. (https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2022/01/china-russia-irao-reforco-da-interaccao.html

Sejamos claros: a visão russo-chinesa opõe-se directamente ao Leitkultur 1 da UE e a sua insistência numa cultura liberal transnacional, desprovida de qualquer sentimento nacionalista e enraizada no "liberalismo" ocidental em roupas pós-modernas. A declaração celebra os vários nacionalismos soberanos – e a cultura local, num quadro multipolar. É o oposto da visão uniforme de uma UE homogénea.

Já era claro – no contexto do frenesim de invasão da Ucrânia – que a Europa não possui, na verdade, quase nenhum meio de pressionar a Rússia (muito menos os co-arquitectos da nova ordem mundial).  (https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2020/10/a-russia-e-china-desdolarizam-se.html ). A ameaça da "mãe de todas as sanções" acabou por ser apenas fumo e espelhos enviados pela equipa Biden. É evidente que a Rússia é, em grande parte, imune às sanções. E, em todo o caso, as sanções provavelmente prejudicariam mais a Europa do que a Rússia. (Mas acima de tudo, o grande capital chino-russo-iraniano foi mais bem sucedido no alistamento – o alistamento militar – da sua população do que o grande capital ocidental, como demonstra o complicado exercício pandémico e a guerra da Ucrânia perdida (  resultados da Investigação para a "Ucrânia" – Les 7 du Quebeque) 

A Rússia compreende claramente que os pontos de pressão geopolítica e geoeconómica controlados pela Europa estão perto de zero e que, militarmente, qualquer intervenção europeia estaria condenada a uma catástrofe total face às capacidades militares russas.

A UE agarrou-se então à sua "jangada salva-vidas". Disse que, embora seja verdade que a Europa depende do gás russo para 40% das suas necessidades, Bruxelas diz que isso deve ser entendido como uma "interdependência" e não como uma dependência: ou seja, a Rússia precisava do mercado europeu para o seu gás, tanto quanto a Europa necessitava de gás russo. Como de costume, a UE imagina que o seu "mercado" tem um magnetismo tão irresistível que outros Estados só podem convergir sobre ele e aceitar a imposição concomitante de "valores" europeus. É assim que a UE concebe o imperium do Prometeu Europeu.

Mas ainda há mais. À margem da cimeira russo-chinesa, foi anunciado um gasoduto "Power of Siberia 2", que será maior do que a já enorme capacidade do gasoduto "Power of Siberia 1". O que os líderes de Bruxelas precisam de ter em conta é que o gás PoS-2 virá dos mesmos campos da Sibéria Ocidental, de onde a Europa actualmente extrai o seu gás. Além disso, o PoS-2 estará ligado ao mesmo gasoduto que serve a Europa. Por outras palavras, se Bruxelas fizer "alguma coisa", a Rússia pode redireccionar o fluxo europeu para a rede chinesa. A Rússia não precisa da Europa para o seu gás.

Moscovo também pode ver que, mesmo que os EUA não queiram subir as taxas de juro, ainda tem de o fazer. A Rússia também pode ver que tem a capacidade de impor uma inflacção muito mais elevada à Europa, infligindo uma dor económica significativa. Podem ver que os preços dos produtos alimentares estão a subir, com a potassa da Bielorrússia bloqueada e a Rússia a proibir a exportação de nitrato de amónio. (Tudo isto faz parte dos preparativos para a guerra entre os dois blocos imperialistas: por um lado, o campo chinês-russo-iraniano está a estreitar os seus laços económicos para enfrentar sanções – enquanto, por outro lado, o campo ocidental está a aumentar a pressão, os controlos, os constrangimentos e os sacrifícios à sua população para a preparar para os imensos sacrifícios para a guerra inter-imperialista total.

 https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2022/03/declaracoes-internacionalistas-contra.html

As consequências para os preços dos fertilizantes – e, portanto, sobre os preços dos produtos alimentares na Europa – são óbvias, assim como as consequências para os preços da energia à vista na Europa, se o gás russo estivesse sujeito a sanções e não pudesse chegar à Europa. É assim que funciona a dor económica.

O Ocidente está gradualmente a descobrir que não tem meios para exercer pressão contra as medidas "militares-técnicas" russas e chinesas que serão tomadas em resposta ao "não" dos Estados Unidos e da NATO ao projecto de tratado de Moscovo sobre garantias de segurança.

O que está a tornar-se claro é que Moscovo já tinha decidido romper com o Ocidente de uma forma fundamental. O que está a ser preparado hoje é a manifestação desta decisão preliminar.

O que fará a Europa? Se o projecto de integração europeia já falhou, em que direcção irá a Europa? Pode ao menos ir? Tentará conviver com este novo e confiante Super Eixo, ou irá agarrar-se cada vez mais às cordas da bolsa de Washington (embora os EUA vejam agora a UE como um perigoso "rival", talvez mesmo a par da China)?

Na prática, a Europa não se pode dar ao luxo de poder fazer uma escolha tão ponderada e silenciosa. Em primeiro lugar, tem de abordar o descalabro energético que ela própria causou; em segundo lugar, tem de encarar a realidade: chegou o fim da "supernova de liquidez". Esta semana, o Bank of America alertou que o fim do jogo começou: o choque mundial das taxas vai desencadear um "afundamento tecnológico", uma contagem decrescente para a recessão e o risco de um "evento sistémico". (O golpe terrorista da emergência climática reduzirá o poder de compra da população em mais de 25%, enquanto as moedas desvalorizarão e o desemprego cairá sobre a classe proletária e a empobrecida pequena burguesia. A actual desvalorização do rublo tende ao que será a miséria no Ocidente – agarrando-se ao dólar em poucos meses.  https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/08/fit-for-55-o-acordo-verde-esta-acelerar.htmldívida italiana e serve o interesse nacional italiano. Isto não pode continuar, uma vez que a Reserva Federal aumenta as taxas face à inflação recorde.

O problema fundamental é que a Europa queimou todas as pontes para o futuro. No excesso de zelosidade para dissipar qualquer oposição a um leitkultur europeu transnacional, a "política" europeia, no sentido lato, foi abolida.

Os líderes "tecnocráticos" pró-UE foram lançados de para-quedas para "servir" como chefes de governo para garantir que os temidos "populistas" sejam removidos; as eleições foram por assim dizer "interditas" ou seja, os eleitores foram matraqueados para se conformarem através de uma guerra de memes travada por colaboradores e pelos meios de comunicação a soldo.

Todos os partidos políticos opositores são assim minados, deixando para trás apenas a oposição mais dócil que nunca cometeria um sacrilégio contra o projecto europeu, e os tribunais nacionais que questionam a constitucionalidade são esvaziados da sua competência por um poder judicial "super" partidário (o TJCE).

Onde está a "oposição" na Europa (além de Orbán)? É o único de pé (por enquanto)? A Europa não tem um "outro pensamento" ou visão credível. Bruxelas será, portanto, sacudida de um lado para o outro pelas grandes vagas de “eventos” que se aproximam rapidamente. (Não pode haver uma oposição tolerável por parte do grande capital ocidental quando já foi dada a ordem de marcha para a guerra total – viral – bacteriológica – cibernética – climática – económica – financeira e militar clássica e nuclear. As tropas estão em marcha tanto no Leste como no Oeste. O proletariado é convocado para se reunir para os preparativos para a guerra ou para a revolta.  https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2022/03/declaracoes-internacionalistas-contra.html  

Tendo todas as pontes caído, as Elites Euro não têm como aceder a uma nova visão política. E os seus cidadãos não têm escolha a não ser protestar de forma desorganizada e violenta (principalmente ilegalmente), quando as tensões económicas se tornam insuportáveis. Até lá, a segunda escolha de Münchau, a "união económica disfuncional", continuará a ser relevante. Podemos desdenhá-lo, mas as elites não deixaram senão terra queimada.

Alastair Crooke

Traduzido por Zineb, revisto por Wayan, para o Saker Francophone

 

Fonte: Les ponts de l’Europe sont tombés: un autre regard sur le conflit ukrainien – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

Sem comentários:

Enviar um comentário