Postado
em 24 de Agosto de 2023 por Wayan
A agitação que reina há quatro semanas no Estado do Níger, na África Ocidental, está a tomar um rumo curioso que já não permite uma visão binária entre "neo-colonialismo e imperialismo" e "libertação nacional". Os golpistas do Níger estão a fazer aberturas aos Estados Unidos e a manter as empresas militares russas, Wagner PMC, à distância, pelo menos na fase actual da transição de poder.
A
rapidez com que Washington destacou Kathleen FitzGibbon, uma especialista em
África com experiência em serviços secretos, como sua nova embaixatriz em
Niamey, indica que a diplomacia é o caminho escolhido, mantendo todas as opções
em cima da mesa.
Significativamente,
num editorial de hoje, o Washington Post observou que "as duas forças
armadas [norte-americana e nigeriana] trabalharam em estreita colaboração
durante a última década: os oficiais conhecem-se bem e os generais nigerianos
não foram vistos como anti-americanos".
Da
mesma forma, a declaração do Departamento de Estado dos EUA sobre a Embaixatriz
FitzGibbon sublinha que a sua missão precipitada é "apoiar os esforços
para ajudar a resolver a crise política neste momento crítico" e que o seu
"objectivo diplomático será defender uma solução diplomática".
Curiosamente,
o comunicado limita-se a pedir a libertação do presidente deposto e dos membros
da sua família, ignorando o pedido específico anterior para a sua reintegração
no governo. O documento sugere que a diplomacia americana está a lançar uma
rede ampla e não se limitará à Comunidade Económica dos Estados da África
Ocidental (CEDEAO).
As
observações de Zeine sugerem que a cabala no poder em Niamey é inteligente e
pode ter uma visão a longo prazo ao procurar estabelecer relações directas com
os Estados Unidos. De facto, a própria CEDEAO está no meio do fogo cruzado
depois do seu primeiro encontro cara a cara com o líder do golpe, o general
Abdouramane Tchiani, no fim de semana.
A
missão de mediação da CEDEAO foi liderada pelo General Abdulsalami Abubakar, um
estadista e criador de reis extremamente influente, o último chefe de Estado
militar da Nigéria e uma fonte de autoridade moral, que cumpriu a sua promessa
de entregar o poder a um governo democraticamente eleito, tornando realidade o
sonho há muito esperado pelos nigerianos.
De
regresso de Niamey, o Sr. Abubakar informou o Presidente Bola Tinubu e, em
seguida, dirigiu-se aos meios de comunicação social, onde expressou o seu optimismo
de que a crise no Níger não iria escalar para além do nível diplomático.
Questionado sobre a possibilidade de evitar uma acção militar da CEDEAO no
Níger, Abubakar disse: "Temos de esperar que a diplomacia ajude a melhorar
a situação. Ninguém quer entrar em guerra, isso não beneficia ninguém, mas os
nossos líderes disseram que se tudo falhar - e não creio que falhe - vamos
conseguir alguma coisa, vamos sair desta confusão".
Em
suma, o Níger está a enfrentar uma situação de "desordem" e não de
revolução. Talvez se possam ver alguns elementos bonapartistas, que,
evidentemente, têm muito que se lhe diga, pois as elites africanas e os seus
fracassos são um factor importante, não só porque a opinião pública as associa
à França, mas também devido a um duplo mal-estar devido à pobreza das
ideologias políticas e do populismo, para além do surgimento de novas gerações
de jovens frustrados com um status quo que, aos seus olhos, é obra da França.
Por
isso, é importante sublinhar que a ameaça de a Rússia preencher o vazio é
exagerada e não deve justificar a intervenção ocidental. O que é preciso
compreender é que parte do apelo da Rússia reside no facto de muitos africanos
verem Moscovo como uma espécie de "anti-França". Por outro lado,
quanto menos a França continuar a viver como uma antiga potência colonial
exploradora no imaginário popular, menor será o apelo simbólico da Rússia.
Podemos
ver que os próprios russos compreendem isto por detrás da retórica
anti-colonial e anti-imperialista de Moscovo. Um comentário no diário russo
Nezavisimaya Gazeta observava há três dias que "para a Federação Russa, é
notável que os golpistas se tenham dissociado pela primeira vez da Rússia e dos
PMC de Wagner, assegurando ao Ocidente que estão prontos para a cooperação
política e económica com ele".
No
entanto, o general Tchiani, líder dos golpistas, não ia renunciar ao poder. Por
outro lado, já não repete que o antigo presidente Bazum será julgado. A delegação
da CEDEAO que se encontrou com o presidente deposto, Mohamed Bazoum, considerou
que este não corria perigo iminente. Os golpistas deram ouvidos ao aviso severo
de Washington.
O
general Tchiani está também a distanciar-se do apoio público aos golpistas, que
parece embaraçá-lo. O resultado final, segundo o diário russo, é que "a
julgar pelas recentes acções e declarações dos militares do Níger, eles não
querem realmente romper qualquer possibilidade de diálogo com a França, os
Estados Unidos e as organizações que apoiam".
Na
sua entrevista ao New York Times, Zeine descreveu as prioridades da política
externa das novas autoridades. Rejeitou categoricamente as suposições e
afirmações de que Moscovo estaria por detrás do golpe. "Não vejo qualquer
intenção por parte do governo militar do Níger de cooperar com a Rússia ou com
o grupo Wagner", afirmou Zeine.
Aconselhou
mesmo o Ocidente a ser discreto e a não empurrar o Níger para os braços do
grupo Wagner. (Há informações de que o temível líder do grupo Wagner, Evgeniy
Prigozhin, viajou para o Mali, um país vizinho no Sahel, alimentando a
especulação. [Parece que morreu ontem num "acidente de avião" na
Rússia).
Mais
importante ainda, Zeine deixou claro ao New York Times que o vector da política
externa pró-francesa se manteria inalterado para o Níger, mesmo sob as novas
autoridades. "Estudámos em universidades francesas, os nossos oficiais
estudaram em França", disse.
A
julgar pela entrevista, a única coisa que Tchiani e os seus colaboradores
pretendem é uma revisão das condições de cooperação com a antiga
metrópole", ironiza o Nezavisimaya Gazeta. Como disse Zeine, "só
queremos ser respeitados". Presumivelmente, isto significa uma revisão das
condições de extracção das reservas de urânio e ouro do Níger. Ambas estão actualmente
suspensas.
Dito
isto, existe uma incerteza considerável quanto às verdadeiras intenções dos
protagonistas. Estará a junta, que tem interesses de classe ou corporativos, a
tentar fazer concessões para salvar a face, ou estará simplesmente a tentar
ganhar tempo? Estará o Ocidente a reduzir as suas anteriores exigências
estridentes de restauração imediata do regime democrático para se contentar com
uma expectativa modesta e realista de deixar Bazoum ir para o exílio e forçar
os golpistas a respeitar um calendário para a transferência de poder para um
governo eleito? Não há uma resposta fácil.
A
gota de água foi o facto de a União Africana, numa sessão realizada na sua sede
em Adis Abeba na terça-feira, ao suspender a adesão do Níger, ter decidido que
precisava de tempo para estudar as implicações de uma possível intervenção
armada no país.
A
opinião interna na Nigéria também se opõe ferozmente a qualquer intervenção
militar da CEDEAO. Afinal de contas, intervenções semelhantes na Libéria e na Serra
Leoa não tiveram finais felizes. A Nigéria foi enganada pelas potências
ocidentais e viu-se numa situação ambígua. A Nigéria já está muito ocupada com
uma grave situação de segurança interna que não permite qualquer distração. As
províncias do norte da Nigéria têm afinidades tribais e étnicas com o Níger e
manifestaram-se contra a guerra.
M.K.
Bhadrakumar
Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker
Francophone.
Fonte:
Les
récents putschs en Afrique de l’Ouest sont des « révoltes » qui
annonceraient un « Printemps Africain »! – les 7 du quebec
(artigo publicado em complemento – e como comentário de Robert Bibeau, ao
artigo “Os
recentes golpes militares na África Ocidental são "revoltas" que
anunciariam uma "Primavera Africana"!)
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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