sábado, 26 de agosto de 2023

A revolução nigerina toma um rumo bonapartista

 


Postado em 24 de Agosto de 2023 por Wayan

Por M.K. Bhadrakumar – 23 de Agosto de 2023 – Fonte Indian punchline

A agitação que reina há quatro semanas no Estado do Níger, na África Ocidental, está a tomar um rumo curioso que já não permite uma visão binária entre "neo-colonialismo e imperialismo" e "libertação nacional". Os golpistas do Níger estão a fazer aberturas aos Estados Unidos e a manter as empresas militares russas, Wagner PMC, à distância, pelo menos na fase actual da transição de poder.

A rapidez com que Washington destacou Kathleen FitzGibbon, uma especialista em África com experiência em serviços secretos, como sua nova embaixatriz em Niamey, indica que a diplomacia é o caminho escolhido, mantendo todas as opções em cima da mesa.

Significativamente, num editorial de hoje, o Washington Post observou que "as duas forças armadas [norte-americana e nigeriana] trabalharam em estreita colaboração durante a última década: os oficiais conhecem-se bem e os generais nigerianos não foram vistos como anti-americanos".

Da mesma forma, a declaração do Departamento de Estado dos EUA sobre a Embaixatriz FitzGibbon sublinha que a sua missão precipitada é "apoiar os esforços para ajudar a resolver a crise política neste momento crítico" e que o seu "objectivo diplomático será defender uma solução diplomática".

Curiosamente, o comunicado limita-se a pedir a libertação do presidente deposto e dos membros da sua família, ignorando o pedido específico anterior para a sua reintegração no governo. O documento sugere que a diplomacia americana está a lançar uma rede ampla e não se limitará à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

No dia anterior à chegada da embaixatriz FitzGibbon a Niamey, o New York Times publicou uma entrevista com Ali Lamine Zeine, o primeiro-ministro designado do Níger. De facto, Zeine, o principal responsável civil da junta militar, estava a falar em nome dos generais e a dirigir-se a uma audiência ocidental.

As observações de Zeine sugerem que a cabala no poder em Niamey é inteligente e pode ter uma visão a longo prazo ao procurar estabelecer relações directas com os Estados Unidos. De facto, a própria CEDEAO está no meio do fogo cruzado depois do seu primeiro encontro cara a cara com o líder do golpe, o general Abdouramane Tchiani, no fim de semana.

A missão de mediação da CEDEAO foi liderada pelo General Abdulsalami Abubakar, um estadista e criador de reis extremamente influente, o último chefe de Estado militar da Nigéria e uma fonte de autoridade moral, que cumpriu a sua promessa de entregar o poder a um governo democraticamente eleito, tornando realidade o sonho há muito esperado pelos nigerianos.

De regresso de Niamey, o Sr. Abubakar informou o Presidente Bola Tinubu e, em seguida, dirigiu-se aos meios de comunicação social, onde expressou o seu optimismo de que a crise no Níger não iria escalar para além do nível diplomático. Questionado sobre a possibilidade de evitar uma acção militar da CEDEAO no Níger, Abubakar disse: "Temos de esperar que a diplomacia ajude a melhorar a situação. Ninguém quer entrar em guerra, isso não beneficia ninguém, mas os nossos líderes disseram que se tudo falhar - e não creio que falhe - vamos conseguir alguma coisa, vamos sair desta confusão".

Em suma, o Níger está a enfrentar uma situação de "desordem" e não de revolução. Talvez se possam ver alguns elementos bonapartistas, que, evidentemente, têm muito que se lhe diga, pois as elites africanas e os seus fracassos são um factor importante, não só porque a opinião pública as associa à França, mas também devido a um duplo mal-estar devido à pobreza das ideologias políticas e do populismo, para além do surgimento de novas gerações de jovens frustrados com um status quo que, aos seus olhos, é obra da França.

Por isso, é importante sublinhar que a ameaça de a Rússia preencher o vazio é exagerada e não deve justificar a intervenção ocidental. O que é preciso compreender é que parte do apelo da Rússia reside no facto de muitos africanos verem Moscovo como uma espécie de "anti-França". Por outro lado, quanto menos a França continuar a viver como uma antiga potência colonial exploradora no imaginário popular, menor será o apelo simbólico da Rússia.

Podemos ver que os próprios russos compreendem isto por detrás da retórica anti-colonial e anti-imperialista de Moscovo. Um comentário no diário russo Nezavisimaya Gazeta observava há três dias que "para a Federação Russa, é notável que os golpistas se tenham dissociado pela primeira vez da Rússia e dos PMC de Wagner, assegurando ao Ocidente que estão prontos para a cooperação política e económica com ele".

No entanto, o general Tchiani, líder dos golpistas, não ia renunciar ao poder. Por outro lado, já não repete que o antigo presidente Bazum será julgado. A delegação da CEDEAO que se encontrou com o presidente deposto, Mohamed Bazoum, considerou que este não corria perigo iminente. Os golpistas deram ouvidos ao aviso severo de Washington.

O general Tchiani está também a distanciar-se do apoio público aos golpistas, que parece embaraçá-lo. O resultado final, segundo o diário russo, é que "a julgar pelas recentes acções e declarações dos militares do Níger, eles não querem realmente romper qualquer possibilidade de diálogo com a França, os Estados Unidos e as organizações que apoiam".

Na sua entrevista ao New York Times, Zeine descreveu as prioridades da política externa das novas autoridades. Rejeitou categoricamente as suposições e afirmações de que Moscovo estaria por detrás do golpe. "Não vejo qualquer intenção por parte do governo militar do Níger de cooperar com a Rússia ou com o grupo Wagner", afirmou Zeine.

Aconselhou mesmo o Ocidente a ser discreto e a não empurrar o Níger para os braços do grupo Wagner. (Há informações de que o temível líder do grupo Wagner, Evgeniy Prigozhin, viajou para o Mali, um país vizinho no Sahel, alimentando a especulação. [Parece que morreu ontem num "acidente de avião" na Rússia).

Mais importante ainda, Zeine deixou claro ao New York Times que o vector da política externa pró-francesa se manteria inalterado para o Níger, mesmo sob as novas autoridades. "Estudámos em universidades francesas, os nossos oficiais estudaram em França", disse.

A julgar pela entrevista, a única coisa que Tchiani e os seus colaboradores pretendem é uma revisão das condições de cooperação com a antiga metrópole", ironiza o Nezavisimaya Gazeta. Como disse Zeine, "só queremos ser respeitados". Presumivelmente, isto significa uma revisão das condições de extracção das reservas de urânio e ouro do Níger. Ambas estão actualmente suspensas.

Dito isto, existe uma incerteza considerável quanto às verdadeiras intenções dos protagonistas. Estará a junta, que tem interesses de classe ou corporativos, a tentar fazer concessões para salvar a face, ou estará simplesmente a tentar ganhar tempo? Estará o Ocidente a reduzir as suas anteriores exigências estridentes de restauração imediata do regime democrático para se contentar com uma expectativa modesta e realista de deixar Bazoum ir para o exílio e forçar os golpistas a respeitar um calendário para a transferência de poder para um governo eleito? Não há uma resposta fácil.

A gota de água foi o facto de a União Africana, numa sessão realizada na sua sede em Adis Abeba na terça-feira, ao suspender a adesão do Níger, ter decidido que precisava de tempo para estudar as implicações de uma possível intervenção armada no país.

A opinião interna na Nigéria também se opõe ferozmente a qualquer intervenção militar da CEDEAO. Afinal de contas, intervenções semelhantes na Libéria e na Serra Leoa não tiveram finais felizes. A Nigéria foi enganada pelas potências ocidentais e viu-se numa situação ambígua. A Nigéria já está muito ocupada com uma grave situação de segurança interna que não permite qualquer distração. As províncias do norte da Nigéria têm afinidades tribais e étnicas com o Níger e manifestaram-se contra a guerra.

 

M.K. Bhadrakumar

Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker Francophone.

 

Fonte: Les récents putschs en Afrique de l’Ouest sont des « révoltes » qui annonceraient un « Printemps Africain »! – les 7 du quebec (artigo publicado em complemento – e como comentário de Robert Bibeau, ao artigo “Os recentes golpes militares na África Ocidental são "revoltas" que anunciariam uma "Primavera Africana"!)

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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