quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Guerra por procuração na Ucrânia – A Frente do Mar Negro (Delawarde)

 


 10 de Agosto de 2023  Robert Bibeau 


Por Dominique Delawarde.

Entrevista de DD por Xavier Moreau sobre o Mar Negro, 26 de Julho de 2023

O vídeo da entrevista está aqui, primeira parte e segunda parte...

🗺O TABULEIRO MUNDIAL🗺 DE XADREZ: OS DESAFIOS ECONÓMICO-MILITARES DO MAR NEGRO (odysee.com)



1
) Qual é o equilíbrio de poder militar no Mar Negro entre a Ucrânia e a Rússia?

Apesar da perda espectacular e de alto nível no Ocidente do seu navio-almirante da Frota do Mar Negro em 2022 e de alguns ataques com drones a instalações militares em Sebastopol, Berdiansk e na ponte da Crimeia, o equilíbrio de poder entre a Rússia e a Ucrânia no Mar Negro continua esmagador a favor da Rússia.

A Ucrânia perdeu a maior parte da sua frota baseada em Sebastopol quando a Crimeia foi anexada por referendo em 2014. O seu porta-estandarte afundou-se em vez de se render. A maioria dos marinheiros ucranianos pró-russos juntou-se voluntariamente ao lado russo com os seus navios. Por conseguinte, tanto quanto sei, a Ucrânia já não tem uma marinha militar que não seja fluvial.

Além disso, poucos dias antes do lançamento da operação especial, em Fevereiro de 2022, a Rússia, muito inteligentemente e antes do encerramento dos estreitos, trouxe de volta ao Mar Negro uma dúzia de navios da Frota do Norte durante um exercício naval. Estes incluíram 6 navios de desembarque e 1 submarino. https://www.opex360.com/2022/02/12/la-marine-russe-lance-un-important-exercice-naval-en-mer-noire/

Em termos de ar, a Rússia tem, sem dúvida, o controlo quase total dos céus.

No entanto, em termos de informações, a Ucrânia beneficia de informações da NATO provenientes de fontes aéreas e de satélites e de um grande número de drones, principalmente aéreos, mas também navais. A partir da costa, na região de Odessa, as forças ucranianas também podem intervir com mísseis anti-navio, drones e mísseis de cruzeiro, que os russos aprenderam a detectar e neutralizar.

Em conclusão, os russos têm controlo quase total sobre a navegação no Mar Negro de e para a Ucrânia, mas uma ou mais iniciativas ucranianas bem-sucedidas não podem ser descartadas.

2) Qual é o peso militar da Turquia? A NATO pode contar com ela?

A Turquia é o 2.º Exército da NATO, atrás dos EUA, em termos de mão de obra, e é precisamente a mão de obra que mais falta no campo NATO-Kiev.

No entanto, a Turquia, ciosa da sua soberania, mostrou-se rebelde em várias ocasiões em relação aos EUA e à NATO: nomeadamente pela compra do S 400 russo, pelo veto à adesão da Suécia, que ainda não foi oficialmente levantado, e pelo atraso na adesão da Finlândia. A Turquia também se recusou a permitir que aviões da coligação ocidental usassem bases turcas, incluindo a base de Incirlik, para bombardear o Iraque durante a 2ª Guerra do Golfo (2003).

Erdogan recordará durante muito tempo que foi salvo pelos russos de um golpe de Estado montado contra ele pelo seu aliado norte-americano. Recordará também que, nas últimas eleições presidenciais turcas, os meios de comunicação ocidentais fizeram campanha contra ele. Por fim, recordará que, durante o exercício Trident-Javelin da NATO, a 17 de Novembro de 2017, na Noruega, a Turquia e o seu então presidente, Erdogan, apareceram por engano numa tabela da lista de inimigos da NATO. Foi um erro humano muito revelador de um oficial norueguês que levou à retirada do exercício da representação turca, apesar das desculpas da Noruega, organizadora do exercício.

https://www.lexpress.fr/monde/la-turquie-presentee-comme-l-ennemi-dans-un-exercice-de-l-otan_1961653.html

Não esqueçamos também que a Turquia é o único país da NATO que é parceiro de discussão da Organização de Cooperação de Xangai há onze anos.

Nestas condições, o equilíbrio de Erdogan, que defende acima de tudo os interesses do seu país e que aprecia Putin, não pode ser nem é considerado um aliado fiável para a NATO, um aliado no qual podemos sempre confiar.

3) Vamos falar dos dois "pequenos" da NATO que são a Bulgária e a Roménia, qual o seu peso na zona?

O peso económico e militar da Bulgária e da Roménia está obviamente ligado ao seu peso demográfico. Estes dois pequenos Estados têm, em conjunto, 26 milhões de habitantes.

Quanto à Bulgária, que é muito dependente da Rússia para as suas importações de energia, não está naturalmente inclinada a zangar-se demasiado com Moscovo, que continua a ser o seu principal fornecedor, todas as categorias de bens combinadas. Para o ano de 2022, na Bulgária, as importações russas em valor mais do que triplicaram para 6,15 mil milhões de euros face a 2020 (1,92 mil milhões de euros).

A Roménia é muito menos dependente da Rússia do que a Bulgária. No entanto, tem pouca inclinação para intervir sozinha contra a Rússia porque não dispõe dos meios militares para o fazer. O seu poder de perturbação anti-russa limita-se, portanto, ao trânsito do fornecimento de armas ocidentais pela Ucrânia e à transferência para as forças ucranianas de equipamento de fabrico soviético ao serviço das suas forças armadas.

Tudo isto é conhecido, mas a Roménia mantém-se cautelosa.

4) Quais são as consequências do fim do acordo de cereais e dos bombardeamentos russos sobre as infraestruturas portuárias de Odessa?

O fim do acordo de cereais e o bombardeamento de Odessa reduzirão drasticamente, se não pararão, o tráfego marítimo de e para Odessa. Poucos armadores e companhias de seguros aceitarão o risco de navegar no Mar Negro, que é justamente considerado o pulmão da Ucrânia.

A Ucrânia será, por conseguinte, obrigada a exportar por via terrestre o que costumava exportar por via marítima. Mas alguns países limítrofes da UE recusam o trânsito de cereais ucranianos através do seu território, alegando que competem com a sua própria produção. (Polónia, República Checa)

Estas dificuldades de navegação resultarão num aumento dos preços dos cereais nos mercados e num aumento mais acentuado da inflacção no Ocidente, mas também em dificuldades para os países em desenvolvimento que importam cereais. Estas dificuldades, o Ocidente tentará explorá-las em detrimento da Rússia, fazendo-a assumir a culpa por toda a miséria do mundo.

A Rússia provavelmente fará anúncios na próxima cimeira Rússia-África para mostrar o quanto se preocupa com o fornecimento de cereais para África. Revelará algumas das medidas que tenciona tomar para cumprir os seus compromissos para com os países em desenvolvimento.

5) A Ucrânia tem capacidade para impor um bloqueio aos portos russos, como alega?

De modo algum. No entanto, tem capacidade para levar a cabo "um ou mais golpes" com a ajuda dos serviços secretos, do aconselhamento e do armamento da NATO, que são fornecidos gratuitamente. O objectivo de tal golpe ou golpes seria demonstrar que a navegação no Mar Negro em benefício da Rússia não é isenta de riscos e complicar o tráfego marítimo de e para os portos russos no Mar Negro.

6) A ideia de Vladimir Putin de criar um hub de gás com a Turquia parece realista para você?

A ideia de Vladimir Putin de criar um hub de gás com a Turquia parece-me uma excelente ideia por duas razões:

 – É um acordo em que todos ganham. Ancara poderá assim expandir a sua área de influência e reforçar as suas alavancas de pressão na Europa, na Rússia, no Cáucaso, no Médio Oriente e em toda a região mediterrânica. Poderá igualmente reforçar a sua economia. A Rússia está a encontrar uma nova forma de contornar as sanções ocidentais, ao mesmo tempo que melhora a sua já boa relação com a Turquia.

– Uma grande parte das infraestruturas já está instalada, incluindo o Turkish Stream e o Blue Stream.

Obviamente, a UE não é a favor deste projecto, que é prejudicial para os seus interesses de momento.

7) O Canal de Istambul parece uma perspectiva razoável para si? 

O projecto do Canal de Istambul, que ligaria o Mar de Mármara ao Mar Negro duplicando a passagem tradicional dos estreitos, é herdeiro de vários projectos muito mais antigos, alguns dos quais centenários, todos abandonados, na maioria das vezes por falta de recursos.

MAR NEGRO














Este projecto, agora muito controverso por razões ecológicas, políticas e económicas, é um sonho antigo revivido por Erdogan há quinze anos.

Em 27 de Junho de 2021, o presidente Erdogan lançou a pedra fundamental da primeira estrutura.

Projecto Canal de Istambul


MAR DE MÁRMARA

A duração da obra, inicialmente prevista para 7 anos, deverá ser prolongada por falta de meios financeiros, porque a economia a economia turca ainda não está no seu melhor.

Como todos os anteriores projectos turcos do Grande Canal, há uma boa probabilidade de este projecto faraónico também ser abandonado. Note-se que até os chineses desistiram, por enquanto, de cavar o Canal da Nicarágua, que deveria duplicar o Canal do Panamá.

https://fr.wikipedia.org/wiki/Projet_de_canal_du_Nicaragua

8) Em geral, quais são as perspectivas da OTAN no Mar Negro?

As perspetivas da NATO no Mar Negro são e serão obviamente piores do que eram antes do lançamento da operação especial se, como é provável, a Rússia ganhar na Ucrânia, tomar Odessa e privar o que resta da Ucrânia de qualquer acesso ao Mar Negro.

Quando a guerra terminar, um tratado será assinado, provavelmente nos termos da Rússia. Este tratado definirá as novas fronteiras terrestres e marítimas da Ucrânia.

A Rússia, que pode muito bem ter conquistado toda a região costeira da Ucrânia no Mar Negro, no final da operação especial, recuperará o imenso território marítimo a ele associado, triplicando a área das suas águas territoriais e a sua zona económica exclusiva no Mar Negro e recuperando as grandes reservas de gás ucraniano descobertas ao largo da Ilha das Serpentes.

A parte restante dos países próximos da NATO, incluindo a Ucrânia, será reduzida em conformidade.

As perspectivas da NATO no Mar Negro dependerão, portanto, mais do que nunca, de um bom entendimento entre os EUA e a Turquia, que é e continuará a ser frágil.

As manobras navais da NATO no Mar Negro terão então de se limitar, na melhor das hipóteses, a metade deste mar: a sul, nas águas georgianas e turcas e a oeste, nas águas búlgaras e romenas. Se a Turquia caísse no campo da OCS (Organização de Cooperação de Xangai), as perspectivas e o poder da OTAN de causar danos no Mar Negro seriam destruídos.

Territórios marítimos antes de 2014


(Após a Operação Especial, espera-se que a Rússia recupere todo ou parte do domínio marítimo da Ucrânia no Mar Negro.)
 

 

9) Em geral, como é que interpreta as posições actuais da Turquia em relação à Rússia?

O Presidente turco dá a impressão de navegar à vista, colocando o interesse do seu país em primeiro plano. Procura tirar o máximo partido da sua posição como um importante e indispensável aliado da NATO sem sacrificar a sua boa relação com Putin, um parceiro leal.

Observa com interesse o ponto de viragem do mundo e a conquista gradual, pelos BRICS e pela OCS, da supremacia económica, comercial e financeira mundial, que conduz inevitavelmente, a longo prazo, à supremacia militar. Ele fica, muito habilmente, com um pé em cada campo, uma posição que provavelmente ocupará o máximo de tempo possível, para obter o máximo benefício para o seu país.

Se os acontecimentos futuros e os interesses do seu país o sugerirem ou exigirem, a Turquia aproveitará todas as oportunidades para mudar de lado sem hesitações. Parceiro de discussão do SCO há onze anos, está pronto e pode fazê-lo de um dia para o outro. É isso que a torna forte hoje.

 

Fonte: Guerre par procuration en Ukraine – Le front de la Mer Noire (Delawarde) – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




Sem comentários:

Enviar um comentário