20 de Agosto de 2023 Robert Bibeau
Por Alaster Crooke. Fonte: Strategic Culture
Biden: "Putin já perdeu a guerra... Putin tem um problema real: o que vai fazer a partir de agora? O que é que ele está a fazer?" O secretário de Estado Blinken repete incessantemente o mesmo mantra: "A Rússia perdeu". O mesmo vale para o chefe do MI6, e Bill Burns, o chefe da CIA, acena (com sorrisos) na Conferência de Segurança de Aspen, que não só Putin "perdeu", mas que Putin também não está a conseguir manter o controlo de um Estado russo fragmentado que está a entrar numa provável desintegração mortal.
O que é que é que se passa? Alguns sugerem que um distúrbio psíquico ou pensamento
de grupo tomou conta da equipa da Casa Branca, resultando na formação de uma
pseudo-realidade, separada do mundo, mas silenciosamente moldada em torno de
objectivos ideológicos mais amplos.
A repetição de narrativas dúbias, no entanto, transforma-se numa aparente
ilusão ocidental para o mundo informado – o mundo como a "equipa" o imagina, ou mais
precisamente, como gostaria que fosse.
É claro que esta repetição fiel não é uma "coincidência". Um grupo de altos responsáveis que
falam por escrito e em concertação não tem ilusões. Estão a desenvolver uma
nova narrativa. O mantra "a Rússia perdeu" define a grande
narrativa que foi decidida. Este é o prelúdio de uma intensa "transferência de responsabilidade": o
projecto da Ucrânia "falha porque os ucranianos não implementam as doutrinas recebidas dos
formadores da NATO – mas, apesar disso, a guerra mostrou que Putin também
'perdeu': a Rússia também está enfraquecida".
Este é outro exemplo da atual fixação ocidental na
ideia de que "as narrativas
vencem as guerras" e de que os reveses no campo de batalha são incidentais. O que
importa é ter um fio narrativo unitário articulado e partilhado, afirmando
firmemente que o "episódio" ucraniano está agora encerrado e que deve ser "fechado" pela exigência de que "sigamos em frente".
A conclusão é que "nós" controlamos a narrativa; a nossa "vitória" e a derrota da Rússia tornam-se
assim inevitáveis. O defeito desta arrogância é, em primeiro lugar, o facto de
colocar os "sumos
sacerdotes" da administração em conflito com a realidade e, em segundo lugar, o facto de o
público ter perdido há muito tempo
a confiança nos principais meios de comunicação social.
Jonathan Turley, um notável jurista e professor de Georgetown, que escreveu
extensivamente em áreas que vão do direito constitucional à teoria
jurídica, chama a atenção para "o mais recente esforço de membros
do Congresso e da media para fazer com que o público 'siga em frente' após o
escândalo de corrupção de Biden". A mensagem, escreve, "é clara (...) Todos precisam parar de se intrometer! ... [No
entanto] com as evidências e o interesse público aumentando, é um pouco tarde
para piruetas ou artifícios."
Esta semana, o escândalo deverá ser ainda mais grave para os Biden e para o
país. A media está a adoptar cada vez mais o comportamento de Leslie Nielsen em Naked Gun,
gritando "não há nada para ver aqui" diante de uma cena apocalíptica
virtual de fogo e destruição.
Qual é a ligação com a Ucrânia? Há um ano atrás, o professor Turley
escreveu que o establishment político e da media provavelmente adoptaria uma
abordagem de "implosão de escândalo" para alegações de corrupção, à medida que as evidências aumentassem.
Turley sugeriu que o Departamento de Justiça garantiria a Hunter Biden um
"apelo leve" sobre algumas acusações fiscais,
com pouco ou nenhum tempo de prisão.
Foi exatamente isso que aconteceu um ano depois. Depois veio a anunciada "implosão do escândalo": Hunter declarou-se
culpado de atrasar o pagamento de impostos – diante de um coro de membros da
Câmara e meios de comunicação que rejeitaram todas as outras alegações de
corrupção e declararam firmemente o escândalo "encerrado", enquanto pediam para "seguir em frente". Turley observa, no entanto, que "o desejo da media de 'seguir
em frente' está a atingir um nível quase frenético, à medida que milhões de pagamentos estrangeiros e
dezenas de empresas de fachada são revelados - e e-mails incriminatórios são divulgados".
Não é certo que este estratagema
funcione. Ele já está em apuros.
Os elementos-chave do "estratagema da implosão" acabam por ser uma negação categórica e
inabalável da existência de qualquer "problema" e uma recusa obstinada em admitir sequer um
pingo da ideia de que existe qualquer tipo de fracasso. Não há necessidade de
se olhar no espelho.
Os elementos-chave do "estratagema
da implosão" acabam por ser uma negação categórica e inabalável da
existência de qualquer "problema"
e uma recusa obstinada em conceder sequer um grama da ideia de que existe
qualquer tipo de fracasso. Não é preciso olhar para o espelho.
Este foi também o modus operandi utilizado no descalabro do Nordstream (a destruição do gasoduto para a Alemanha): não admitir nada e pedir à CIA para inventar um cenário de "implosão do escândalo". Neste caso, uma história absurda de diversão sobre um iate com alguns mergulhadores submarinos malévolos que descem a 80-90 metros, sem qualquer equipamento especial ou gases especiais, para colocar e detonar engenhos explosivos. Não há uma verdadeira investigação: "Vamos lá, não há nada para ver aqui".
Mas, como os acontecimentos na Alemanha demonstraram, ninguém está a acreditar nesta história; a coligação em Berlim está em grandes dificuldades.
E agora o estratagema está a ser aplicado à Ucrânia. O "coro" grita: "Putin perdeu", apesar de a Ucrânia ter desperdiçado a sua oportunidade de enfraquecer a Rússia de forma decisiva. A esperança é clara. A equipa de Biden poderá escapar intacta a uma derrota devastadora, com um "mecanismo de implosão do escândalo" já em curso (para depois do "prazo" de Verão da NATO para alcançar a "vitória"): demos-lhes tudo, mas os ucranianos viraram as costas aos nossos conselhos de especialistas sobre como "ganhar" e, por isso, não receberam nada.
A contra-ofensiva da Ucrânia não está a progredir porque o seu exército não
está a aplicar plenamente a formação que recebeu da NATO, de acordo com uma
avaliação dos serviços secretos alemães que foi divulgada... Os soldados
ucranianos treinados pelo Ocidente estão a demonstrar "grande sucesso pedagógico";
mas estão a ser enganados por comandantes que não passaram pelos campos de
treino [da NATO], acrescenta a avaliação... O exército ucraniano prefere
promover soldados com experiência de combate, em vez dos que foram treinados
segundo os padrões da NATO.
E, então? Como no Afeganistão?
A guerra no Afeganistão também tem sido uma espécie de cadinho. Em termos
muito concretos, o Afeganistão foi transformado num banco de ensaio para
todas as inovações
tecnocráticas da OTAN em matéria de gestão de projectos, sendo cada inovação anunciada como
precursora de um futuro revolucionário. Fundos foram derramados, edifícios
foram construídos e um exército de tecnocratas globalizados chegou
para supervisionar o processo. Big data, IA e o uso em tempo real de conjuntos
cada vez maiores de vigilância técnica e reconhecimento foram feitos para
derrubar as velhas doutrinas militares "congeladas". Era para ser uma vitrine
para a gestão técnica.
Partiu do princípio de que prevaleceria claramente um modo de guerra
propriamente técnico e científico.
Mas a tecnocracia como
única forma de construir um exército funcional ao estilo da NATO deu origem no
Afeganistão a algo completamente podre – "uma derrota
baseada em dados", como descreveu um veterano americano do Afeganistão,
que desmoronou no espaço de poucos dias. Na Ucrânia, as suas forças ficaram
presas entre Charybdis e Scylla: nem o ataque de tanques ensinado pela NATO
para quebrar as defesas russas, nem os ataques alternativos de infantaria
ligeira foram bem-sucedidos. Em vez disso, a Ucrânia sofreu uma derrota causada pela OTAN.
Por que então optar por encarar a realidade "de frente", insistindo sorrateiramente que
Putin "perdeu"? Desconhecemos, claro, o raciocínio
interno da "Equipa". No entanto, a abertura de negociações com Moscovo na esperança de
garantir um cessar-fogo ou um
conflito congelado (para
apoiar a "narrativa") provavelmente revelaria que "Moscovo" insistiria na capitulação total de
Kiev. E isso não ficaria bem com a história da derrota de Putin.
O cálculo pode ser esperar que, daqui até ao Inverno, o interesse público
na Ucrânia tenha sido tão desviado por outros acontecimentos que tenha
continuado, e que a culpa seja claramente atribuída aos comandantes ucranianos
que mostraram "deficiências de liderança
consideráveis", o que levou a "decisões erradas e perigosas". , porque não tiveram em conta as instrucções
normalizadas da NATO.
O professor Turley conclui:
Nada disso vai funcionar, claro. O público já não confia nos meios de
comunicação social. Na verdade, o movimento 'Let's Go, Brandon' é
tanto um escárnio da media quanto um ataque a Biden." "As sondagens mostram
que o público não está a 'seguir em frente' [em relação às alegações sobre
Hunter] e que agora vê este caso como um grande escândalo. A maioria acredita
que Hunter recebeu protecção especial na investigação. Se os meios de
comunicação social podem continuar a sufocar provas e alegações dentro das suas
próprias plataformas que repetem todas a mesma coisa, a verdade, como a água,
encontra sempre uma forma de escapar.
De facto, os "acontecimentos" avançam, com ou sem os meios de comunicação
social.
E aqui está o busílis: na medida em que Turley acredita que o caso Biden é
um provável "local apocalíptico de destruição interna dos EUA", o Ocidente enfrenta mais uma
derrota estratégica decorrente de seu projecto ucraniano – pois essa derrota
não é apenas sobre o campo de batalha ucraniano. Destruiu o mito da omnipotência da NATO. Virou a história do armamento
ocidental "mágico" de cabeça para baixo. Abalou a imagem da competência ocidental.
Os riscos nunca foram tão elevados. Mas será que a classe dirigente pensou
em tudo isto quando embarcou tão levianamente neste malfadado "projecto" da Ucrânia? Será que a
possibilidade de "fracasso"
lhes passou sequer pela cabeça?
Alastair Crooke
Traduzido por Zineb, revisto por Wayan, para o Saker Francophone
Fonte: Le stratagème du mantra fonctionnera-t-il pour « clôturer » la guerre en Ukraine? – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa
por Luis
Júdice
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