20 de Agosto
de 2023 Robert Bibeau
Por M.K. Bhadrakumar – 16 de Agosto de 2023 – Fonte Indian Punchline
Esta semana pressagia-se uma aceleração dos realinhamentos estratégicos entre as potências regionais, à medida que se multiplicam os sinais de uma nova Guerra Fria mundial, com especial destaque para a estratégia americana de contenção da China na região do Indo-Pacífico. Dois acontecimentos sucessivos na sexta-feira podem ser vistos como passos importantes nesta direcção.
Em primeiro lugar, o Presidente dos EUA, Joe Biden, organizou uma cimeira trilateral em Camp David, na sexta-feira, com o Primeiro-Ministro japonês, Fumio Kishida, e o Presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, que deverá conduzir à assinatura de um acordo de cooperação em matéria de defesa, segurança e tecnologia entre os três países da região do Indo-Pacífico.
Em segundo lugar, os exercícios anuais Malabar, que envolvem as forças navais dos Estados Unidos, da Índia, do Japão e da Austrália, começam na sexta-feira. Realizam-se pela primeira vez em Camberra e são objecto de muita publicidade nos meios de comunicação social sobre a emergência de uma aliança colectiva de defesa marítima QUAD na região do Indo-Pacífico.
O acordo trilateral que deverá ser assinado amanhã na cimeira de Camp David
inclui sistemas de defesa contra mísseis balísticos e o desenvolvimento de
outras tecnologias de defesa. Desde a eleição de Yoon como Presidente no ano
passado, as relações entre a Coreia do Sul e o Japão melhoraram
significativamente, contribuindo para o avanço da cooperação tripartida com
Washington. É evidente que a administração Biden espera tirar partido do
reatamento das relações entre Tóquio e Seul para institucionalizar alguns dos
progressos efectuados pelos três países em termos de diálogo.
É certo que esta relação tripartida permanece frágil, uma vez que os
esforços de Yoon não são muito populares na Coreia do Sul e Tóquio, sem
surpresa, mantém-se cauteloso, acreditando que o processo está longe de ser
irreversível. No entanto, nas conversações de Camp David, Biden, Yoon e Kishida
poderiam reconhecer o imperativo da segurança colectiva para os três países e
concordar que uma ameaça a um seria considerada uma ameaça a todos.
É concebível que as conversações de Camp
David representem um esforço por parte dos Estados Unidos para formar um novo
bloco militar na Ásia e uma tentativa de encorajar o Japão e a Coreia do Sul a
aderirem ao mini bloco militar conhecido como AUKUS [Austrália-Reino Unido-Estados
Unidos]. A intensificação da cooperação técnico-militar e
científico-tecnológica de Washington com Seul e Tóquio facilita a sua interacção
com os projectos AUKUS. Isto é uma coisa.
Quanto aos exercícios Malabar que começam amanhã e que a Austrália acolhe pela primeira vez, o seu principal objectivo parece ser o de reforçar a capacidade operacional do QUAD como parte de uma estratégia colectiva de segurança marítima em cinco áreas de alta prioridade, incluindo a guerra anti-submarina e o conhecimento do domínio marítimo.
Por outras palavras, tal como o AUKUS, o QUAD também está a ser transformado à medida que o engenho americano se esforça por criar uma estrutura de defesa do tipo aliança com base num agrupamento não militar, reforçando vários modos de cooperação militar com o objectivo de colocar o QUAD ao serviço dos interesses de Washington. Intrínseco a este processo está o facto de o Presidente Joe Biden se ter centrado de forma lisonjeira na Índia - e no Primeiro-Ministro Narendra Modi, pessoalmente - como a relação mais importante da política externa dos EUA.
O activismo renovado da Índia
Curiosamente, os EUA e a Austrália percebem que, pela primeira vez, os líderes da Índia estão a exibir "activismo [que] desafia o cepticismo convencional de que a preferência de Nova Deli pelo não alinhamento e as suas prioridades geo-estratégicas militam contra uma cooperação militar mais profunda com os seus parceiros do Quad", como escreveu recentemente um think tank australiano. Tom Corben, em Nikkei Ásia.
Noutras palavras, citando Corben, os exercícios Malabar "evoluíram para se concentrar em formas
cada vez mais sofisticadas de cooperação naval de ponta, particularmente a
consciência do domínio marítimo e a guerra anti-submarina (...) [e] os quatro
países têm uma janela de oportunidade política e estratégica para realizar esse
potencial." Corben está optimista de que "os esforços bilaterais continuam a abrir
caminho para uma cooperação quadrilateral tangível na defesa marítima".
O que é que isso significa? Corben faz algumas acrobacias, como integrar a
Índia nas "iniciativas de demonstração de
força" dos Estados
Unidos e da Austrália. No início de Junho, foi co-autor de um estudo com dois
colegas americanos no Carnegie Endowment for International Peace intitulado "Strengthening the
QUAD: The Case for a
Collective Approach toMaritime Security", que lamentava que o QUAD não estivesse
"a fazer jus ao seu
potencial como contribuinte para a segurança e defesa regionais no domínio
marítimo. Esta é uma questão para a segurança do Indo-Pacífico."
Numa referência indirecta ao governo Modi, no entanto, o estudo
EUA-Austrália saudou o facto de que, embora sensibilidades políticas e
preocupações geo-estratégicas tenham impedido até agora os países do QUAD de
adoptar uma agenda de segurança colectiva, "essas restricções estão a começar
a diminuir (...) como os seus membros reconhecem a China como um desafio
militar comum que requer algum grau de acção colectiva e coordenação de
segurança para enfrentá-lo."
O estudo recomenda que "o QUAD aproveite esta oportunidade diplomática e
imperativo geo-estratégico para prosseguir uma estratégia colectiva de
segurança marítima em cinco áreas de alta prioridade: sensibilização para o
domínio marítimo, guerra anti-submarina, logística marítima, cooperação
industrial e tecnológica de defesa e capacitação marítima".
É importante notar que as actividades oferecidas pelo QUAD são as
seguintes:
§
Trabalhar no desenvolvimento de um protocolo de interface para reger a
partilha de informações entre todos os parceiros Quad, prestando especial
atenção à partilha de hardware e software ou, pelo menos, à inter-operabilidade
de diferentes ferramentas;
§
integrar selectivamente as instalações costeiras, os territórios insulares
e os pontos de acesso regionais dos países do Quad para levar a cabo operações
mais persistentes e coordenadas de sensibilização para o domínio marítimo
(MDA); e avaliar conjuntamente as necessidades de acolhimento e reabastecimento
dos meios de MDA da outra Parte, tais como aeronaves de patrulha marítima;
§
reforçar a capacidade colectiva de guerra anti-submarina através do
desenvolvimento de níveis mais elevados de inter-operabilidade, de modo a
incluir a localização e a "transferência" da
responsabilidade pela monitorização dos submarinos chineses que transitam por
zonas geográficas de responsabilidade;
§
desenvolver a capacidade colectiva de reabastecimento e reparação dos
recursos marítimos de qualquer membro, a curto prazo, e comprometer-se
formalmente com este programa a nível político e operacional;
§
Criar uma Célula de Coordenação Logística QUAD dentro do Comandante do
Grupo de Logística da Marinha dos EUA no Pacífico Ocidental, que integra os quatro
parceiros e fornece planeamento logístico para os oceanos Índico e Pacífico,
usando regularmente capacidades combinadas de manutenção e reabastecimento; e
ainda
§
apoiar uma estrutura e um requisito para colocar ligações Quad nos navios
logísticos uns dos outros.
Um maquiavelismo verdadeiramente radical
Claramente, em contraste com a diplomacia pública teatral do governo Modi
em defesa da autonomia estratégica da Índia, foi gerada uma percepção
totalmente diferente a nível político e diplomático com os parceiros QUAD,
nomeadamente que "Barkis está pronto".
De facto, também se tem notado ultimamente um certo distanciamento da Rússia em
relação à guerra na Ucrânia. Vem-me à mente a famosa descrição de Max Weber do
Arthasastra de Kautilya, um dos maiores livros políticos da Índia antiga, como
"maquiavelismo verdadeiramente
radical".
O paradoxo é que, neste complexo contexto de opacidade ou de duplicidade de discurso - dependendo da forma como se encara a questão - pode ter começado a soprar um vento de popa durante o fim de semana, pressagiando alguns progressos na 19ª Reunião de Comandantes de Corpos de Exército Índia-China, realizada no ponto de encontro fronteiriço de Chushul-Moldo, no lado indiano, a 13 e 14 de Agosto de 2023.
Por enquanto, as evidências são consideradas conjecturais demais, mas a declaração conjunta exala um tom de optimismo. Ambas as partes consideraram necessário prolongar o debate de um dia para o outro, que foi considerado "positivo, construtivo e exaustivo".
Os protagonistas "trocaram opiniões de forma aberta e virada para o futuro" e também
"concordaram em
resolver rapidamente as questões pendentes e manter o ímpeto do diálogo e das
negociações através dos canais militares e diplomáticos".
Por conseguinte, é razoável presumir que nem a Índia nem a China desejam
uma guerra e que ambas manterão um contacto mais constante com a outra para
procurar formas de encontrar uma solução vantajosa para ambas as partes. A
essência da orientação dada pelos líderes é que os dois países se vejam como
parceiros e não como adversários.
Este equilíbrio instável alcançado no ponto de encontro fronteiriço de
Chushul-Moldo não durará muito se os exercícios de Malabar se transformarem num
instrumento geopolítico para Washington transformar o QUAD. Os Estados Unidos
estão presos ao velho ritmo da Guerra Fria apesar das mudanças radicais nas
relações internacionais desde o colapso da União Soviética, particularmente
aquelas que exigiram o desenvolvimento de novas abordagens para manter a
estabilidade estratégica e construir uma nova arquitectura de segurança
internacional.
O pensamento de bloco é o oposto do desenvolvimento de relações estáveis,
iguais, construtivas e mutuamente benéficas, baseadas na consideração dos
interesses de cada um e destinadas a garantir uma segurança igual e indivisível
para todos. Consequentemente, a sua manutenção como principal ferramenta
intelectual para o desenvolvimento da política externa apenas sublinha o facto
de os Estados Unidos não estarem preparados, capazes ou dispostos a estabelecer
tais relações comos principais atores mundiais, como a Rússia e a China. Esta é
uma mensagem dura para a Índia.
Não há dúvida de que os Estados Unidos estão a planear dar à AUKUS e à QUAD
uma dimensão militar-estratégica pronunciada, o que significa que é altamente
provável que estas associações interestatais se tornem, mais cedo ou mais
tarde, as engrenagens de um bloco político-militar de pleno direito. A sua base
ideológica é a percepção de um interesse comum por parte dos seus participantes
em contrariar a ascensão da China [eufemisticamente referida por Deli como
"Ásia multipolar"].
Dizer que, tal como no caso da NATO no teatro de operações europeu, a função de confrontação está incorporada no AUKUS e no QUAD é um eufemismo, e aumentará inexoravelmente o potencial militar da Austrália e dos EUA na região da Ásia-Pacífico, causando uma séria mudança no equilíbrio de poder e gerando um aumento das tensões regionais e mundiais.
A Índia corre o risco de ser apanhada no olho do furacão, por assim dizer, embora os seus problemas com a China não sejam nem uma rivalidade geopolítica nem o guardião da hegemonia ocidental.
M.K. Bhadrakumar
Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker Francophone.
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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