28 de Agosto
de 2023 Robert Bibeau
Por New Cold War, sobre Sergey Glazyev à
conversa com Radhika Desai e Alan Freeman (reseauinternational.net)
Desai é analista geo-político e professor de economia na Universidade de Manitoba, no Canadá. Pouco conhecida em França, ela está entre as dez melhores analistas geo-políticas do mundo, segundo o estatístico mexicano Juan C Diaz-Herrera, e também é a única mulher a aparecer nesse ranking. Ela organiza regularmente entrevistas com Michael Hudson,
Radhika Desai e Alan Freeman participaram nas reuniões
do Valdai Club em Abril, onde entrevistaram, entre outros, Sergey Glazyev. Esta
entrevista, mesmo que tenha alguns meses, mostra a evolução das questões e
tendências económicas na Rússia. A. Meilhan.
Encontrámo-nos com Sergey Glazyev no Fórum Económico de São Petersburgo,
onde, depois de ter sido durante muito tempo uma voz solitária que apelava a um
afastamento do neo-liberalismo em direcção ao planeamento, à política
industrial, à redistribuição e à integração com as economias asiáticas, faz
agora parte de uma maioria de oradores que concordam com ele. A guerra voltou a
colocar a Rússia no seu eixo.
Glazyev concedeu-nos uma entrevista e começámos por lhe perguntar o que achava da forma como o Presidente Putin estava a gerir a economia. Glazyev respondeu simplesmente que Putin não parece ter uma estratégia. A conversa passou depois para as sanções impostas pela Europa e discutimos a declaração de Angela Merkel, amplamente divulgada, de que os europeus nunca se tinham comprometido de boa fé com o processo de paz dos acordos de Minsk II, mas apenas com o objetivo de dar tempo à Ucrânia para se armar, embora uma leitura actual da entrevista sugira que ela foi muito mais ambígua.
«Mas Hollande não disse algo semelhante?", sugeriu Glazyev. E, de facto, disse-o, embora esta postura revele que os europeus estão a agir contra os seus próprios interesses. Glazyev concordou: "Porque é que são tão estúpidos?", questionou, perguntando-se se isso significava que a "comunidade empresarial europeia" não era tão influente e que não podia influenciar as decisões políticas. Sugerimos que há uma crise de liderança política.
Glazyev conduziu então a conversa para o Reino Unido. "Por que é que o Reino Unido é tão
agressivo? Todos os primeiros-ministros que tivemos nos últimos dois anos
agiram de forma muito agressiva em relação à Rússia", disse. "Na verdade, eles são ainda mais
agressivos do que os americanos. Qual é a razão para isso?" Recordámos que "nenhum líder europeu rompeu com a
América a não ser Hitler", o que fez Glazyev rir. O facto é que os EUA praticamente reconstruíram
a Europa do pós-guerra, impuseram o dólar, destruíram a Grã-Bretanha, assumiram
a reconstrução da Alemanha e toleraram o fascismo pelas suas próprias razões.
Também a Europa tem sido desde há muito um trunfo, uma posse dos Estados
Unidos.
Glazyev voltou à questão inglesa. "Quero dizer que a estratégia dos EUA é muito clara:
eles querem destruir a Rússia porque querem manter a sua hegemonia e isolar a
China, eles dizem isso abertamente. Porque é que a Inglaterra está tão
envolvida neste conflito? Na verdade, eles treinam soldados ucranianos, eles
estão envolvidos profundamente mesmo na frente. E empurram Zelensky o tempo
todo."
Isso, a nosso ver, faz parte de uma história mais longa que remonta à
posição histórica da Grã-Bretanha a favor do liberalismo americano contra o
regionalismo produtivo da Alemanha, uma escolha pela qual foi punida pelos
Estados Unidos, que desempenharam um papel importante no declínio do poder
britânico após a Segunda Guerra Mundial. Desde então, a elite britânica tem
sido movida pela estúpida noção de que tem uma "relação especial" com
os Estados Unidos e a Grã-Bretanha desempenha o papel de parceiro júnior e
ideologicamente zeloso dos Estados Unidos na sua busca pela dominação mundial.
«Então eles não têm uma
estratégia própria?" perguntou
Glazyev. Não. A submissão da Grã-Bretanha exigiu uma capitulação precoce da
esquerda do Partido Trabalhista, que se opôs às armas nucleares depois de 1945
até que o seu reverenciado líder, Nye Bevan, mudou a sua posição em 1951. O
interesse americano na Grã-Bretanha também se voltou para a série de bases
navais que possuía, particularmente no hemisfério sul, e é por isso que as
Ilhas Malvinas eram tão importantes.
Glazyev então chegou ao centro de sua preocupação com a agressividade da
Grã-Bretanha:
"Pergunto-lhe, porque não está
claro, depois da decisão, sabe, do Tribunal Penal Internacional, de prender o
nosso Presidente. Analisei os membros deste tribunal, quem são, quem tomou a
decisão. O seu procurador é inglês e o seu irmão está na prisão, o irmão do
procurador. Porque é homossexual e por abuso de menores, ou algo do género.
Portanto, não é apenas homossexual, mas também pedófilo. E mesmo antes de o
procurador do Tribunal Penal Internacional ter enviado a ordem, a pena do seu
irmão foi reduzida em dois terços. Portanto, é bastante claro que o Tribunal
Internacional está a ser manipulado pelos britânicos. Não pelos americanos, não
me parece. Mas esta decisão é muito importante, tem um carácter simbólico,
porque penso que até esta decisão, havia um certo acordo entre a nossa elite e
os americanos para pensar que, de alguma forma, tínhamos de parar a guerra. Mas
depois de esta decisão ter sido tomada, não houve mais negociações".
Isto, evidentemente, estava de acordo com a forma como a visita de Boris
Johnson a Kiev interrompeu as conversações de paz em Março de 2022. Ao mesmo
tempo, recordámos-lhe que os Estados Unidos nem sempre falam a uma só voz. Há
facções a favor da guerra e outras contra. A Grã-Bretanha parece estar aliada
às facções que querem fazer pressão para a guerra. E depois há o problema da
crise de liderança política na Europa e no Ocidente em geral, que está a levar
pessoas como Trump, Johnson e até Truss a posições de destaque. Além disso, os
Estados Unidos, em particular, estão a lutar para manter o que resta da sua
posição mundial em declínio. Nunca foram capazes de aceitar um desenvolvimento,
mesmo que modesto, no resto do mundo, e muito menos com o seu consentimento.
Uma das outras razões para esta mania de guerra no Ocidente são, evidentemente, as oportunidades comerciais que ela oferece. "Oportunidade na produção de armas?", pergunta Glazyev? Bem, isso, e também o interesse do capital ocidental em comprar instalações produtivas e terras ucranianas, especialmente num contexto em que Zelensky, depois de ter proibido a oposição, está a fazer aprovar leis para que a Ucrânia seja ainda mais liberal do ponto de vista económico, contra os interesses dos trabalhadores e dos sindicatos, etc. Assim, se restar alguma coisa da Ucrânia depois da guerra, será um paraíso para esse tipo de gente, sugerimos. "Então eles querem ir para a Ucrânia para fazer negócios?" perguntou Glazyev. Sim, na nossa opinião.
E depois há a questão da Rússia, que o Ocidente sempre quis desmembrar. Glazyev também conhece bem este assunto: "Uma das coisas a perceber sobre a estratégia americana é se estão a seguir a teoria de Mackinder". Esta é a teoria do início do século XX, segundo a qual quem controla o "coração" da Eurásia, precisamente o território que é actualmente a Rússia, controla o mundo. Já discutimos até que ponto esta teoria está longe de estar ultrapassada e que forma moderna assume, por exemplo, na obra de Zbigniew Brzezinski. A hostilidade anglo-americana em relação à Rússia não era apenas motivada pelo facto de esta ser comunista: não se tratava apenas de ideologia. Tinha também a ver com o facto de o mundo comunista como um todo, e todas as partes do Terceiro Mundo que eram apoiadas pelo mundo comunista, estarem a tentar gerir as suas economias de uma forma que não fosse subserviente aos interesses ocidentais. O comunismo é apenas a ponta mais afiada da resistência ao imperialismo.
Depois disso, Glazyev conduziu a conversa numa direcção interessante:
"Agora coloco esta questão: se as elites americanas, as elites empresariais em particular, quisessem controlar o mercado russo, a economia russa, não teriam interesse em fazer o que estão a fazer agora na Rússia. Porque, na realidade, o negócio russo clássico estava sob o seu controlo e a participação ocidental era muito elevada. A indústria do alumínio, mesmo a indústria do petróleo, tinham todos muitos directores ocidentais. De facto, o comércio do petróleo era controlado principalmente não por funcionários russos, mas quase todas as companhias petrolíferas tinham funcionários americanos ou europeus em cargos de gestão. Se olharmos para a política monetária, esta está totalmente alinhada com as recomendações do FMI. A Rússia é o maior doador nacional do sistema financeiro anglo-americano. Não tinham razões para temer ou lutar contra Putin, porque a nossa política económica era exatamente a mais correcta para o Ocidente.”
Um conjunto de pontos muito interessante, pensámos, e perguntámo-nos se o que o Ocidente receava realmente não era a possibilidade de um governo forte de uma Rússia intacta, o governo de um país muito grande, poder, a dada altura, afirmar-se de uma forma que não era concebível para o Ocidente e, em qualquer caso, consideravam simplesmente assustadora a mais pequena afirmação dos interesses da Rússia sob Putin, após a submissão de Ieltsin.
Foi esta, segundo Glazyev, a razão do seu interesse pela teoria de Mackinder:
"Porque penso que se seguirem as ideias de Macinder, isso é perfeitamente compreensível. Mas se quiserem controlar a economia russa, essa é uma política absurda, porque agora (depois do início das hostilidades no ano passado) não controlam nada. Mas mesmo agora, o alumínio russo é controlado pelo Tesouro dos EUA. A Rusal estava sob sanções e eles chegaram a um acordo. Chegaram a um acordo segundo o qual o Tesouro dos EUA, não os parceiros comerciais, mas o Tesouro, tem o direito de controlar o director da Rusal. Assim, todos os directores directos da Rusal são membros de uma direção nomeada ou aprovada pelo Tesouro dos EUA".
"Ainda é esse o caso? "Sempre. Acho que é formal, embora na realidade não funcione. Mas é só um exemplo para percebermos que os americanos podiam fazer tudo na Rússia, o que quisessem, o que esta ou aquela empresa quisesse, as empresas europeias controlavam toda a indústria automóvel."
Depois de uma discussão sobre as eleições americanas, a conversa voltou-se para a situação mundial e seu potencial. Para Glazyev, a situação era:
"Muito clara. A
China e a Índia vão tornar-se líderes mundiais a nível económico, nos próximos
anos e até ao final do século. E se olharmos para os planos quinquenais da
China, vemos que são capazes de o fazer. E agora, no actual plano quinquenal, o
seu principal objectivo é a soberania tecnológica. E se olharmos para as
despesas de investigação e desenvolvimento na China, eles estão na vanguarda do
5G, e tenho a certeza que vão estar na vanguarda da tecnologia nos próximos dez
anos. Estarão então a produzir e a exportar mais bens de alta tecnologia do que
os Estados Unidos. Isso é nesta parte do mundo. Estive na Indonésia em Janeiro.
Jacarta está a desenvolver-se de forma fantástica. Portanto, toda a região está
a crescer.
"E para esta parte do mundo, é bastante claro que, de acordo com as previsões de Arrighi, o mundo está a caminhar para o ciclo asiático de acumulação de capital. E em todos estes países existe uma ideologia socialista. Na China é bastante claro, mas na Índia, suponho, a constituição indiana é bastante socialista".
Discutimos a dificuldade de compreender a posição da Índia, dada a política divisiva do governo, o desempenho económico desastroso deliberadamente ocultado por medidas estatísticas altamente problemáticas e as potenciais forças pró-ocidentais que continuam a ser predominantes. No entanto, "A Índia é, evidentemente, muito importante. Porque se a Índia mantiver uma posição neutral, o mundo será estável. Se os americanos e os britânicos interferirem na política indiana, tentarão organizar uma guerra entre a Índia e a China, o que seria um pesadelo. Mas, para eles, seria uma boa oportunidade para ganhar. Muito depende da Índia, porque tenho a certeza de que, de facto, não conheço os pormenores, mas basta olhar para as estatísticas oficiais, que a Índia tem a maior taxa de crescimento, a maior população, imensas oportunidades de crescimento. A ligação com a Rússia e a nossa região está também a desenvolver-se muito rapidamente. O comércio com a Índia triplicou no ano passado. E a Índia pode produzir tudo o que pode ser útil na Europa. Por isso, pode demorar um ano ou dois para que o comércio com a Índia aumente por um factor de cinco. Como vêem, durante o período soviético, o comércio era dez vezes maior do que é agora, porque quase todos os nossos recursos foram para o Ocidente. Por isso, se a Índia se mantivesse calma e estável, penso que os países ocidentais não teriam qualquer hipótese. Porque na Europa, é um desastre. Nos Estados Unidos, diz-se que o caos está a crescer".
Com as eleições americanas de 2024 já a acelerar, as coisas podem ficar bastante problemáticas, pensamos, e Glazyev concorda: pode haver uma "guerra civil", sugere. Mesmo assim, ele acredita que, apesar da desordem política nos Estados Unidos, "Os americanos ganharam a primeira fase desta guerra e cumpriram todos os objectivos que se propuseram na primeira fase. Controlam a Europa, que era o objectivo da primeira fase da guerra. A Europa está estruturalmente sob o seu controlo. Essa foi a primeira fase. A segunda fase era destruir a Rússia. E aí, penso que não vão ser bem sucedidos. Por isso, apesar de todos os problemas, estou certo de que esta guerra será, de facto, economicamente prejudicial para a Rússia. Mas a situação política significa que, se não acabarmos com esta guerra, a posição de Putin vai endurecer. Um ou dois milhões de pessoas poderão ter deixado a Rússia. O problema é que são sobretudo jovens com um elevado nível de formação académica. E é claro que isso é um grande golpe para a nossa economia. Mas, apesar disso, estou certo de que sobreviveremos e de que os Estados Unidos não atingirão os seus objectivos para a segunda fase. Só precisamos de um ano, porque de acordo com as nossas previsões, que fizemos há quase quinze anos, o próximo ano será crucial. Conhecem as grandes vagas?”
"As grandes vagas, os ciclos de Arrighi, ocorrem de cem em cem anos. Vamos ter um ponto de viragem por volta do ano 2024. E estamos a chegar a esse ponto de viragem. E esse ponto de viragem virá com as eleições presidenciais. Quando fizemos esta previsão há quinze anos, não pensámos nas eleições, mas agora está a tornar-se claro como isto pode acontecer. Um ponto de viragem nos grandes ciclos... a ordem mundial que começou a mudar após o colapso da União Soviética está agora num período de transição, que está a chegar com o colapso da Pax Americana".
"A Pax Americana está a desmoronar-se, porque, apesar de controlarem agora a Europa, perderam o monopólio da impressão da moeda mundial. Ainda ontem recebemos a notícia de que até a França decidiu negociar com a China em yuan".
"O Brasil começou a transaccionar em moeda nacional. O governo indiano declarou que pagaria as suas exportações em rupias. Assim, o dólar perdeu a sua posição. E foi muito estúpido da parte deles apoderarem-se das reservas russas. E, claro, com base no seu pensamento a curto prazo, deveriam estar numa posição muito boa. Eles controlam a Europa, não gastam o seu dinheiro em guerras; 80% do crédito que dão à Ucrânia é gasto na compra de armas americanas e é apoiado pelas reservas russas. Portanto, não gastaram um único dólar nesta guerra. E atingiram os seus objectivos. Mas, a longo prazo, perderam o monopólio da moeda mundial. E com a crise bancária, a sua situação financeira piorou. E enquanto não tiverem uma economia a funcionar... as linhas de produção estão destruídas, por isso só dependem do dinheiro que imprimem, e mais nada".
A tendência do sistema financeiro dos Estados Unidos para criar bolhas especulativas que inevitavelmente rebentarão, na nossa opinião, acaba por testar os limites da tolerância mundial, concordou Glazyev, "sim, e agora ninguém está a comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos".
Por último, voltámo-nos para o tema da integração euroasiática, que a guerra acelerou definitivamente. "Temos acordos com a Índia, o Irão e a Rússia desde 2000 sobre os corredores de transporte Norte-Sul", disse Glazyev:
"Durante vinte anos, não fizemos nada. Não fizemos absolutamente nada. Agora, após as sanções ocidentais, o Presidente Putin tomou a decisão e o governo está a investir muito dinheiro neste corredor. Estou certo de que, talvez daqui a dois anos, seja útil construir uma boa rota de transporte da Rússia para a Índia, através do Irão; o comércio irá aumentar e a cooperação irá crescer. Assim, os recursos russos serão afectados à Índia, o que é muito bom para a Rússia, porque precisamos de competir com a China. Os chineses são negociadores muito duros: querem controlar os preços. E talvez isso ajude a Índia a desenvolver-se".
E isso provavelmente criaria os incentivos certos para os governos indianos abandonarem as suas inclinações ocidentais, na nossa opinião. Glazyev então voltou-se para o Brasil:
"O Brasil é outro
assunto interessante e incerto. Não sei se os americanos controlam o governo do
Brasil ou não, mas pelo menos controlam o banco central, até agora, tenho a
certeza disso. Porque o banco central brasileiro está a seguir uma política
terrível, tal como o banco central russo. Todas as recomendações do FMI".
Glazyev considera que a política monetária restritiva tem repercussões graves: "não há crédito, não há controlo de capitais. E é por esta razão, penso eu, que a Sra. Dima Roussef perdeu o poder, por causa da política do banco central brasileiro":
"Para terminar com os assuntos mundiais, nesta discussão estou a pensar no futuro. Penso que há demasiadas coisas que dependem da Índia e do Brasil. Porque a situação dos Estados Unidos é bastante clara: a sua única hipótese de manter pelo menos alguma da sua liderança e hegemonia sobre o mundo é organizar mais e mais guerras, a guerra entre a Índia e a China. Mas não creio que o consigam. Porque os indianos e os chineses não são estúpidos ao ponto de iniciarem uma guerra entre si. É claro que podem organizar uma espécie de revolução islâmica na Índia, mas não creio que seja bem sucedida..."
"Também penso que a Pax Americana está a desmoronar-se. O sistema do dólar está a entrar em colapso. O que estamos a pensar agora... é muito engraçado. Eu disse ao Presidente Yeltsin, quando era Ministro do Comércio Externo da Rússia, em 1993, que tínhamos de exportar gás e petróleo em rublos e não em dólares. E, nos últimos trinta anos, tenho defendido que o comércio na Rússia deve ser efectuado em rublos, devido à enorme fuga de capitais. E isso continuou, muito simplesmente, por causa da imensa corrupção. Fornecíamos petróleo e gás à Europa a um preço e o preço de venda era cinco vezes superior. A diferença era duas ou três vezes maior. E todo esse dinheiro ia para os bolsos dos gestores corruptos das empresas petrolíferas e de gás e para os mercados estrangeiros. Se transaccionássemos em rublos, isso não aconteceria. Disseram-me durante todo esse tempo: "É impossível, não podemos transaccionar em rublos porque temos acordos que demoram muito tempo a alterar, vamos perder dinheiro". Mas quando a guerra começou, mudámos imediatamente para o rublo, numa semana".
No entanto, as pressões para o regresso ao neo-liberalismo não estão
totalmente ausentes:
"Quando o banco
central foi isolado do mercado cambial por ter perdido todas as suas reservas
de divisas, o rublo subiu. Isto aconteceu devido aos enormes excedentes
comerciais. Por exemplo, 80% das receitas de exportação eram vendidas na Bolsa
de Moscovo. E foi por isso que o rublo subiu, não por causa de qualquer
política do banco central. O banco central ficou isolado e o rublo
valorizou-se. E depois do primeiro choque, Nabiulina, três meses mais tarde,
começou a liberalizar novamente os regulamentos de exportação. E agora estão a
rejeitar completamente esta venda obrigatória das receitas de exportação".
"Por isso, voltaram a liberalizar a regulamentação e disseram aos exportadores que tinham de manter as receitas das exportações no estrangeiro. Na minha opinião, foi uma decisão terrível, em primeiro lugar porque não se pode garantir a segurança desse dinheiro. Em segundo lugar, se mantiverem o dinheiro em rupias, renmibi ou outras moedas, há sempre um risco cambial. No entanto, no ano passado, a fuga de capitais ascendeu a 240 mil milhões de dólares. Costumávamos ter uma fuga de capitais de mais de 100 mil milhões de dólares por ano, mas agora são 240 mil milhões de dólares. Este dinheiro não entrou por causa da política do banco central. O problema é que não há uma decisão sobre a mobilização da indústria, apenas sobre a mobilização das pessoas. Mas quando se trata de indústria, quando se trata de política económica, não houve nada disso. As fábricas só estão a atingir cerca de 60% da sua capacidade de produção. Em alguns sectores, como o das máquinas-ferramentas, apenas 25% da capacidade de produção está a ser utilizada. Portanto, a política económica continua a ser pró-liberal.”
"Putin] pensa que a Europa está a entrar em colapso e que já não vai poder continuar esta guerra, e está à espera das eleições presidenciais nos Estados Unidos. E ao mesmo tempo, internamente, pensa que está tudo bem, porque há um ano as previsões do FMI e do Banco Mundial diziam que a economia russa ia cair 12%. O nosso banco central retraduziu imediatamente para ele que estávamos numa situação muito má, que estávamos a lutar contra todo o Ocidente, que era a sua decisão, temos de pagar, a economia vai cair cerca de 10%. Era uma previsão do banco central, e eu insistia nos meus relatórios que podíamos ter um crescimento de 10% porque tínhamos agora um mercado enorme livre de produtos europeus. Cerca de 25% do consumo provém de importações europeias. Por isso, podemos aumentar a produção [para satisfazer a procura]. Podemos produzir sozinhos pelo menos metade do que costumávamos importar da Europa. Assim, do lado da procura, temos 25% de oportunidades de crescimento. E do lado da oferta, estamos a 60% da capacidade, pelo que podemos aumentar a produção em 40%. Porque não ter um crescimento de 10%? E Putin disse que precisamos de acelerar a substituição de importações. Ele disse isso, mas o banco central aumentou as taxas de juros. E não há crédito, então agora há uma enorme fuga de capitais, e os investimentos não estão a aumentar."
Discutimos por que Putin não mudou a direcção do banco central. Foi para agradar aos oligarcas? Glazyev não pensava assim: "Os oligarcas já não são tão influentes porque estão muito descontentes com a situação e perderam muito dinheiro. E as suas casas, e os seus iates! Então, qual foi a razão pela qual Putin não colocou outra pessoa à frente do Banco Central?
"O principal problema é que existe um governo forte, que é agora mais ou menos eficaz. Organizaram o controlo geral de todas as despesas públicas, introduziram tecnologias digitais para acompanhar o que o governo está a fazer, estão claramente a perseguir os objectivos que anunciaram, projectos nacionais, etc., mas não o podem fazer sem crédito. E, no ano passado, o governo estava a sair-se muito bem porque, com os preços elevados do petróleo e as exportações de produtos de base, houve um enorme excedente comercial. E assim, apesar de o volume de comércio ter caído, o dinheiro aumentou. Por causa dos preços. E tinham muito dinheiro para o orçamento. Agora a situação está a piorar. Os preços estão a descer".
Vão continuar a descer? Perguntámos nós.
"Bem, nós não os controlamos. O
custo das importações é agora mais elevado e está a aumentar, pelo que o
excedente comercial não é tão elevado, não é tão elevado como no ano passado,
pelo que as condições, as condições externas para a economia russa estão a
piorar. E, ao mesmo tempo, registámos uma queda de 2% do PIB no ano passado. E
ele [Putin] acha que foi um sucesso porque não foi uma queda de 12%. E que
poderia ter sido pior. Portanto, sobrevivemos. Esse foi o principal objectivo
no ano passado - apenas sobreviver. E agora prevemos que poderemos ter um
crescimento de 2%".
Por fim, perguntámos quanto tempo duraria a guerra: Glazyev considera que "se durar até ao próximo ano, penso que a opinião pública será muito negativa. Porque, de facto, todos pensam que podemos acabar com ela numa semana".
fonte: Nova Guerra Fria
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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