17 de Agosto
de 2023 Robert Bibeau
Por Khider Mesloub.
Na interminável história dos impérios, cada novo agrupamento social que aspira à hegemonia mundial inventa antepassados ilustres. Um antepassado comum à humanidade, que agora diz encarnar e representar. Para iluminar, conduzir e elevar em direcção ao progresso. Uma nova ordem salutar. E a história está a ser revisitada à luz da nova situação geopolítica emergente, do ponto de viragem do mundo e da subversão dos paradigmas dominantes.
Em todo o caso, cada hegemon aparece à porta do mundo que pretende
transformar e dominar com uma nova filosofia. Um novo conceito de vida. Um novo
paradigma político, geopolítico e estratégico. Em suma, uma nova ordem mundial
desenhada à sua imagem. Pela sua inteligência supostamente brilhante. O seu
cérebro extraordinário. Afinal, não é verdade que todos os novos impérios se
apresentam como o cérebro do mundo? A cabeça pensante do universo?
A China, o Império do Meio, candidato à hegemonia mundial, pretende colocar
o seu país no centro da evolução humana. Posicionar-se como o único pólo mundial.
A China, um país que durante muito tempo permaneceu arcaico, entrou tarde
na modernidade e no capitalismo. Com estrondo. Alguns diriam que foi de
rompante, graças a um clima económico ocidental em busca de uma mão de obra
asiática que pudesse ser servil e explorada à vontade. Mão de obra chinesa mal
paga. Graças ao Ocidente, a China tornou-se a fábrica do mundo. De fábrica do
mundo, a China pretende ingenuamente tornar-se a locomotiva do mundo. O centro
do planeta económico. Do universo financeiro. Da galáxia tecnológica. O
computador e o organizador do mundo.
De que outra forma podemos reescrever a história da humanidade em plena
mudança, senão inventando uma narrativa mundial baseada na imagem da nova potência
económica emergente. Uma potência que pretende coroar-se com glórias
ancestrais. Reivindicar uma linhagem imemorial.
Como relata o site GEO, uma equipa de arqueólogos chineses descobriu um
crânio de criança que poderá "reescrever a história da evolução
humana". E isso é apenas a ponta do icebergue.
A descoberta deste antigo crânio chinês postula a existência de uma
"nova linhagem de antepassados", de acordo com os líderes do Império
do Meio. Por outras palavras, esta tese chinesa afirma que a árvore genealógica
da evolução humana tem um ramo chinês, uma "mistura de humano moderno e
hominídeo desconhecido", que teria existido na China há pelo menos 300.000
anos.
No entanto, para dar mais crédito a esta teoria, a equipa de arqueólogos
chineses afirma que o rosto deste hominídeo, denominado HLD 6, parece ter
características humanas modernas, embora com uma calote craniana mais
primitiva. Não será esta a caraterística essencial da China capitalista
contemporânea? Uma sociedade costeira hiper-modernizada rodeada de territórios
interiores ainda impregnados de "feudalismo". A ruralidade.
"A estrutura do rosto dos hominídeos é semelhante à da linhagem humana
moderna, que se separou do Homo erectus há 750.000 anos. Mas a ausência do
queixo do indivíduo é mais parecida com a de um Denisovan, uma espécie extinta
de hominídeo asiático antigo que se separou dos Neandertais há mais de 400.000
anos", escreve o GEO.
Numa altura em que a China pretende fazer soar a sentença de morte do
Ocidente, declarado decadente, anuncia o renascimento da humanidade, conduzida
pelos seus mestres que pretendem revolucionar o mundo. Incluindo a sua
genealogia, agora localizada no continente asiático, de acordo com os novos
senhores do mundo em Pequim, determinados a moldar os crânios das crianças do
mundo de acordo com a sua ideologia empresarial conquistadora.
A China defende um mundo multipolar, ou seja, segmentado e fragmentado,
para melhor impor o seu sistema unipolar de hegemonia económica e, a partir de
agora, genealógica. Como qualquer império cujo poder se baseia na agregação dos
países heterogéneos que domina, o Império do Meio esforça-se por fragmentar
(balcanizar) o mundo, a que chama "mundo multipolar", para melhor
consolidar o seu domínio, fortificar o seu império económico e controlar os
recursos humanos e materiais.
Para justificar e legitimar a sua hegemonia mundial, o Ocidente afirma-se desde há muito como o berço do pensamento humano, graças à Grécia (matriz do logos), a locomotiva do Progresso, graças ao Iluminismo dos seus intelectuais nascidos do Renascimento europeu (eixo da industrialização).
Estará a China a preparar-se para justificar e legitimar a sua hegemonia através do poder da sua economia e do património genealógico excepcional da sua linhagem universal primitiva?
Mas a China não pretende ficar-se por aqui e afirmar-se como a primeira potência mundial. Pretende também tornar-se uma potência polar. Para se tornar a primeira potência mundial, a China não está apenas a reescrever a história da humanidade, colocando ideologicamente o seu antepassado no seu próprio país, mas está também a redesenhar o mapa do mundo.
Em termos geográficos, segundo os especialistas, Pequim está a trabalhar arduamente para transformar os Himalaias num "terceiro pólo". Uma forma de se afirmar como uma potência polar. "A meio caminho entre os dois pólos, a China, no coração do mundo, tem o Ártico e a Antárctida a gravitarem à sua volta, e tanto mais legitimamente quanto o mapa mostra que o terceiro pólo, o planalto tibetano e o maciço dos Himalaias, no centro do mapa, está em grande parte no seu território", escreve a revista Géoconfluences. Os Himalaias são também conhecidos como "o tecto do mundo". A China aspira a tornar-se "o topo do mundo", o pináculo do universo em termos económicos, tecnológicos, científicos e culturais.
Na guerra de influências que a China e o Ocidente estão a travar, Pequim
está a fazer campanha "para uma revisão do conceito de espaço e da sua
representação gráfica, fortemente influenciada, na sua opinião, pela visão e
referências 'ocidentais'". Segundo um cientista chinês, trata-se de uma
"revolução copernicana e do conhecimento". A nova cartografia chinesa pretende
distanciar-se do paradigma geográfico imposto pelo Ocidente, centrado na
Europa. Segundo os observadores, a China utiliza o conceito de terceiro pólo
para legitimar a sua pretensão de participar na governação da região árctica e,
por conseguinte, do mundo.
De facto, o conceito de terceiro pólo tem dimensões políticas e culturais.
Para Pequim, depois da Europa e da América, é agora a vez de o "terceiro
pólo cultural" da China brilhar no mundo.
Há métodos fortes e brutais para conquistar uma posição na política e no mundo, bem como métodos mais suaves. Estes últimos permitem ganhar legitimidade e lealdade mais rapidamente e de forma mais segura. A China optou pelo método suave para influenciar outros países. Para conquistar e alargar a sua audiência internacional, a China está a utilizar habilmente o soft power para se posicionar como uma potência central no mundo. Por outras palavras, sem recorrer a métodos coercivos, ou seja, a métodos intervencionistas abertamente militares.
De acordo com os preceitos polemológicos do seu mestre pensador, o estratega Sun Tzu, autor de A Arte da Guerra, tratado que compila os princípios da procura inteligente de uma guerra vitoriosa (baseada numa estratégia indirecta, na economia, na astúcia, no conhecimento do adversário e na acção psicológica), o governo maoísta de Pequim prossegue esta estratégia de guerra indirecta (económica e cultural) vitoriosa. Sem derramamento de sangue. O objectivo é minar a confiança e as defesas do adversário ao ponto de este perder toda a vontade de resistir. Em termos ideológicos e propagandistas, "A arte da guerra (ideológica, cultural) é subjugar o inimigo sem lutar".
O estratega chinês Sun Tzu professava: "É melhor subjugar o inimigo
sem dar batalha: este será o caso em que quanto mais nos elevamos acima do bom,
mais nos aproximamos do incomparável e do excelente".
Todas as formas de imperialismo (geopolítico, cultural, linguístico)
penetram sub-repticiamente nos países, colonizando discretamente as
consciências nacionais e as mentalidades individuais.
Com a ascensão da China como primeira potência mundial, encarnada pelos
BRICS que domina, o mundo (do Sul) prepara-se para mudar de dono, não para
acabar com a servidão capitalista.
Khider MESLOUB
Fonte: Chine : l’empire du Milieu vise crânement à se positionner au Centre du monde – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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