quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Inteligência artificial, ciberpornografia, ginosegurança e pedosegurança (Jacques Mirabaud)

 


 10 de Agosto de 2023  Equipa de Publicação 

A pornografia de imagem artificial deu saltos gigantescos nas últimas décadas. A imagem impertinente que aqui vos apresento já está amplamente esboçada e antiquada, comparada com o que se inventa hoje em dia, em termos de realismo pornográfico pixelado. A pornografia 3D está a crescer exponencialmente. O lote de representações visuais da ciberpornografia é agora extremamente eficaz, figurativo e caminha a passos largos em direcção ao hiper-realismo.

Caminhamos, portanto, para um universo visual onde, em combinação com a inteligência artificial, se tornará perfeitamente possível configurar a pornografia, muito sofisticada, e indo em todas as direcções fantasmáticas imagináveis, estrictamente trabalhando com software. Um dia, inclusive, o software de design de vídeo porno estará ao alcance da população, assim como o software de videogame ou o software de processamento de texto. E isso, a longo prazo, fará soar o fim da indústria pornográfica real, carnal e tradicional, aquela em que as vidas de actores e actrizes de carne e osso são destruídas, deixando-os doentes e forçando-os a conviver com todo um submundo suspeito numa dinâmica de existência do submundo, que muitas vezes termina em suicídios e dramas de vida de todos os tipos. Um sector da indústria desaparece, em secções inteiras, quando uma tecnologia menos dispendiosa e, sob todos os pontos de vista, menos perigosa, a ultrapassa. É isso que está a instalar-se aqui, diante dos nossos olhos, nos nossos ecrãs. Pode-se, portanto, sugerir, e até mesmo esperar abertamente, que um dia em breve, a pornografia real, a pornografia com actores e actrizes reais desaparecerão. Mas não a favor da abstinência fantasiosa imaginária. Em benefício da ciberpornografia, sem menos, sem mais.

Esta realidade sociológica e tecnológica ganhará certamente ainda mais amplitude com a integração da inteligência artificial na ciberimagem figurativa. É muito significativo observar que estamos a caminhar para uma situação mundial em que o consumidor de pornografia também pode tornar-se o produtor. Instalar-se-á diante do seu pequeno software, talvez até numa dinâmica de apresentação tridimensional, e será capaz de fabricar o seu próprio universo de fantasia em projecção pornográfica, susceptível, entre outras coisas, de assumir formas activas, autónomas e dotadas de iniciativas imaginativas individualizadas e personalizadas. Assim, mesmo a ciber-interacção com acompanhantes pornográficos reais é bastante susceptível de desaparecer, em favor de uma espécie de organização electrónica da fantasia interior do sujeito neurótico idiossincrático. É preciso compreender que o que estamos a tentar fazer aqui é regular um fenómeno de uma forma mutatis mutandis semelhante ao que faremos colectivamente, quando finalmente decidirmos trazer todas as drogas recreativas para serem devidamente divulgadas, sob a liderança do legislador. Inevitavelmente, num mundo ideal, estaríamos numa situação em que eliminaríamos este tipo de produto distorcido e tendencialmente nocivo (drogas, pornografia). No mundo dos ursinhos fôfos, a gino-segurança e a pedo-segurança seriam máximas e essas tendências desapareceriam, em muitas nuvens cor-de-rosa. Só que, na nossa vida mundializada efectiva, encontramos, nesse tipo de situação, o problema incómodo de fazer cumprir as leis. Uma vez que não é possível pedir à polícia que abra todos os contentores de um determinado porto e/ou que inspeccione todos os computadores de uma dada urbe terciarizada, não é realmente viável conseguir eliminar estes abusos e crimes apenas através de legislação abstracta. Inexoravelmente, esta legislação não pode ser totalmente materializada e posta em prática. Por outro lado, o que o legislador não pode fazer, os fluxos fluidos das mudanças tecnológicas farão, eles, queiram ou não queiram. Assim, se os gostos mudarem, se as tendências e as modas se deslocarem maciçamente no sentido dos cibervisuais e da inteligência artificial, dotados de iniciativa e de uma imaginação algo fantasiosa, toda uma indústria pornográfica e pedopornográfica semi-criminal e criminosa ver-se-á ultrapassada. Os riscos, tanto a montante como a jusante, só aumentarão, e o negócio deixará de valer a pena, tanto para o consumidor como para o produtor, em termos de lucros, devido à evolução das tendências sociológicas e tecnológicas.

Entre os fenómenos susceptíveis de aparecer e ser maximizados, se as coisas forem devidamente enquadradas e sem preconceitos moralistas parasitas, está, numa posição absolutamente crucial, o aumento significativo da pedo-segurança. A protecção das crianças contra crimes directos de pedofilia e a divulgação de pornografia infantil em directo constituem uma prioridade absoluta. Essa protecção deve ser abertamente apoiada por todas as iniciativas que possam fazê-la funcionar. Uma dessas iniciativas seria substituir a criança real, tendo sido realmente fotografada e molestada, por um personagem pixelizado, imaginário, elucubado, inexistente e fabricado, sem qualquer modelo humano eficaz. Como um desenho, uma pintura, uma estátua ou uma gravura... mas cibernética.

De facto, tenho uma crítica muito firme a fazer a algumas das nossas concepções estreitas contemporâneas, nomeadamente aquelas que impedem, ou proíbem, ou reprimem desenhos ou pinturas pedopornográficas imaginárias, e obras literárias, novelísticas e poéticas pedopornográficas. Penso que estes modos de expressão, que não têm modelos reais, são meios saudáveis de auto-indulgência. O pedófilo passivo que consome estes materiais inofensivos está perfeitamente consciente de que a gratificação efectiva do seu impulso seria um crime no mundo real. Está a proceder ao controlo calibrado da sua patologia, sublimando na arte o que não pode fazer na vida. Gostaria que alguém me explicasse por que razão os romances policiais, que são obras explícitas em que há assassínios (incluindo instrucções de assassínio), sangue, violações e tripas a voar em todas as direcções, são tão populares em nome de uma moda superficial e temporária? A mesma observação pode ser feita em relação a todos os produtos da cultura literária e cinematográfica gore ou zombie. Esta confusão ciclópica, omnipresente, gigantesca e sangrenta não coloca qualquer problema particular à nossa moralidade colectiva. No entanto, aqui temos a mesma situação. O desejo de assassinar, massacrar, disparar e outras perversões diversas é satisfeito através de um modus operandi artístico. O mesmo se passa com a pedofilia. A este respeito, gostaria de chamar a atenção para um romance escrito há alguns anos (2016) por Corinne LeVayer. O romance intitula-se intitula-se My Big Doll's Eyes Still Weep, e faz um relato absolutamente pungente, legítimo e inteiramente satisfatório, tanto do ponto de vista da crítica intelectual como da qualidade literária. Esta é a história de uma mulher adulta que, em criança, sofreu uma série quase ininterrupta de abusos pedófilos às mãos da sua ama, e Corinne LeVayer dá-nos uma compreensão muito profunda e íntima da situação profundamente dolorosa e permanente vivida pela pedófila passiva em que se tornou hoje. Corinne LeVayer não foi apenas vítima de um pedófilo. Ela assume também que foi e continua a ser cúmplice... e que tem de se agarrar com força para evitar cair neste abuso criminoso quando for adulta. Muitos pedófilos passivos encontram-se exactamente na mesma situação que Corinne LeVayer nos descreveu corajosamente neste importante romance. Não vão até ao fim, não vão cometer o crime supremo, que eles próprios sofreram... mas está a funcionar com eles. O facto é que, nestas questões da pedofilia, estamos, como sociedade, como colectivo, numa situação em que quem bebeu, beberá. Quem é iniciado é susceptível, quando adulto, de querer iniciar outros. É um pouco como o alcoolismo. Mas querer intensamente não significa fazê-lo de facto.. E esse sofrimento secreto é o que deve ser controlado, permanentemente. É ele que deve ser supervisionado, colocando em prática dispositivos que permitam ao pedófilo passivo segurar bem na mão e continuar, no caminho certo. Para não cair neste crime insidioso que é o mal do século, é necessário supervisionar a besta de forma descomunal, fria, metódica e fora de qualquer moralismo estreito. E isso deve ser feito antes do facto, no pedófilo passivo. Capturá-los depois do facto, quando eles se tornaram activos, não dá absolutamente nada, na medida em que toda a rede criminosa já foi totalmente mobilizada, então, e, portanto, é sinistramente tarde demais... Tarde demais para as crianças, as únicas que importam em toda esta história.

O que se propõe aqui é continuar na linha de propensões adequadas e altamente relevantes tão cuidadosamente descritas pela Sra. LeVayer, mobilizando os pontos fortes emergentes do imaginário cibernético. E inteligência artificial. Considero que a pornografia infantil pixelada deve ser abertamente promovida. Temos de fazer notar, com as nossas botas bem assentes no chão, que os nossos pedófilos, quando o fazem em casa, no computador, não estão a cometer qualquer crime, a preparar qualquer crime, ou a apoiar qualquer rede de pedófilos criminosos em qualquer lugar. As crianças reais são substituídas por fantoches cibernéticos. Torna-se então mais fácil e mais viável assegurar a aplicação efectiva do crime real, o tipo de crime que não é uma fantasia mas sim uma acção. A pedosegurança seria reforçada pelo aumento e amplificação do prestígio da jovem frívola e evaporativa que apresento aqui no início do artigo. Porque esta jovem tem uma qualidade intangível que prevalecerá sempre sobre qualquer tentativa de intervenção jurídica ou psicológica de qualquer tipo. A jovem do frontispício deste artigo não existe. E por não existir, pode ir em qualquer direcção sem risco ou perigo. E os seus actos de delírio visual e auditivo serão em detrimento de vastas redes criminosas e pedófilas que estão condenadas a desaparecer e a ser substituídas pela tecnologia. O destino da pornografia com actores e actrizes gineco-criminosos ou pedo-criminosos é tão certo como o destino das máquinas de escrever quando o computador e o processador de texto foram introduzidos há uma geração. Estamos a perder um tempo precioso negando e mobilizando levianamente critérios moralistas de interesse menor. Legalizemos e encorajemos a combinação motriz da inteligência artificial e da pornografia infantil imaginária. Vai acontecer de qualquer maneira, quer o controlemos ou não. Fartura. Por uma vez na vida, os legisladores deveriam tentar estar um passo à frente. O bem-estar das mulheres e a segurança das crianças dependem disso, em última análise.

 

Fonte: Intelligence artificielle, cyber-pornographie, gyno-sécurité et pédo-sécurité (Jacques Mirabaud) – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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