quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Hiperinflação, incumprimento e guerras

 


 31 de Agosto de 2023  Robert Bibeau  

Por Dmitry Orlov – 8 de agosto de 2023 – Fonte Club Orlov

 


Muitas pessoas parecem felizes por viverem segundo a lógica infalível de que se uma coisa má prevista ainda não aconteceu, isso significa automaticamente que aqueles que a previram estavam errados e que a coisa má nunca irá acontecer. Não vale a pena tentar explicar-lhes que é muito mais fácil prever com exatidão QUE algo vai acontecer do que prever QUANDO vai acontecer. Parece haver uma predisposição genética comum a todos os seres humanos para agrupar todos os desenvolvimentos indesejáveis e talvez inevitáveis, mas ainda incipientes, numa única categoria de "coisas com que não nos devemos preocupar agora". É uma categoria ampla que inclui o início da próxima era glaciar dentro de um milénio, o esgotamento do petróleo no mundo (o mundo não se esgotará, mas você poderá fazê-lo) e, claro, o castelo de cartas financeiro dos EUA acabando por fazer aquela coisa que todos os castelos de cartas fazem se continuarmos a acrescentar-lhes cartas, excepto (e é isto que torna os castelos de cartas tão excitantes) que nunca sabemos qual será a carta a mais.

A perda da classificação de crédito triplo A nos EUA fez com que alguns resmungassem alto antes de adormecerem nas suas cadeiras. O anúncio de que os pagamentos anuais de juros da dívida federal dos EUA estão prestes a ultrapassar  1 trilião de dólares e devorar toda a parte discriccionária do orçamento federal levantou sobrancelhas por um segundo ou dois antes de se acalmar novamente com um dos mantras reconfortantes, Como "Eles vão encontrar alguma solução!" ou "Eu teria muita sorte em viver tanto tempo!" ou (este pronunciado com um sorriso travesso) "Basta começar outra guerra!".

“De facto, as guerras foram extremamente úteis para os Estados Unidos em várias ocasiões. As guerras indígenas permitiram aos Estados Unidos desbravar terras para a colonização, o que resultou no maior genocídio da história mundial, estimado em cerca de 100 milhões de almas. A Guerra Mexicano-Americana, ou Intervención estadounidense en México, permitiu aos Estados Unidos assumir o controlo do Arizona, do Novo México e de partes do Utah, do Nevada e do Colorado. A Guerra Civil Americana (para a qual o fim da escravatura foi apenas a justificação propagandística) afastou o Sul do Império Britânico, permitindo ao Norte acelerar a produção industrial utilizando o algodão do Sul. A Segunda Guerra Mundial foi a mais lucrativa para os Estados Unidos: a estratégia de apoiar tanto os fascistas como os comunistas na sua luta mútua (é certo que o apoio comunista só começou a chegar depois da Batalha de Estalinegrado, durante a qual se tornou claro que os fascistas seriam derrotados) permitiu aos Estados Unidos afastar a Grã-Bretanha e tornar-se a principal potência mundial durante quase meio século. O inesperado e útil colapso da URSS prolongou este período por mais três décadas.”

Mas, desde então, as possibilidades tornaram-se cada vez mais reduzidas. As várias operações militares levadas a cabo na ex-Jugoslávia, no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria, na Somália e no Iémen, bem como noutras regiões pobres e relativamente indefesas, foram certamente uma bênção para a indústria de defesa norte-americana, mas não ajudaram em nada o projecto global de dar um novo fôlego aos Estados Unidos. A actual guerra por procuração fracassada na antiga Ucrânia não ajuda em nada: demonstra que os sistemas de armas americanos estão obsoletos, que a América tem medo de enfrentar directamente a Rússia e que está demasiado desindustrializada para acompanhar o ritmo alucinante de produção de armas e munições da Rússia. Pior ainda, está a ficar sem dinheiro e prepara-se para roubar a Pedro para pagar a Paulo: gastar dinheiro já destinado à ajuda à Ucrânia para armar Taiwan. No que respeita a Taiwan, resta apenas uma eleição antes que o Guomindang (o partido nacionalista que inicialmente se separou dos comunistas do continente) tome o poder e opte por se unir ao continente. Em todo o caso, a farsa da oposição dos Estados Unidos à China não passa de um azedume: os Estados Unidos durariam, no máximo, alguns meses sem os fornecimentos e as peças sobresselentes chinesas.

Será que tudo isto torna improvável que os Estados Unidos voltem a tentar atrasar o seu colapso económico e a sua dissolução política iniciando uma nova guerra de eleição? Sim, penso que é exactamente isso que significa. Mas é muito mais provável que outro tipo de guerra se desenvolva espontaneamente: uma guerra entre vários grupos armados dentro dos próprios Estados Unidos. O gatilho será muito provavelmente financeiro; como alguns observadores astutos assinalaram, nos Estados Unidos tudo é uma piada, excepto o dinheiro. O dinheiro é a condição sine qua non, o factor determinante, o meio de subsistência e o elemento fundamental dos Estados Unidos. A sua marcha para a independência nacional começou com uma revolta fiscal contra a coroa britânica, conhecida como a Festa do Chá de Boston (embora, como é habitual na história americana, a substância em questão não fosse o chá, mas o ópio, e a festa não fosse uma festa do chá). Para os americanos, o dólar é "o sal da terra". "Mas se o sal perde a sua salinidade, como é que se torna novamente salgado? Não serve para nada, a não ser para ser deitado fora e pisado". (Mateus 5:13).

O que vai ser "deitado abaixo e espezinhado", neste caso, são os Estados Unidos da América. Os Estados individuais continuarão a ser pequenos cantos pobres, cheios de crime e inconsequentes. Alguns deles poderão eventualmente reintegrar-se segundo novas linhas étnicas, raciais e/ou religiosas, enquanto outros (o Nevada, por exemplo) poderão ser completamente abandonados. As pessoas já estão a deslocar-se e a auto-segregar-se segundo linhas políticas: os vermelhos vão para os estados vermelhos, os azuis para os estados azuis. À medida que a lei e a ordem desaparecem (como é já o caso em Washington e na Casa Branca em particular, e o peixe apodrece sempre pela cabeça), os episódios de limpeza étnica, racial e religiosa seguirão o seu curso sem qualquer oposição. Dado que os Estados Unidos são tão ricos em armas e munições, alguns destes episódios de auto-organização pós-União tomarão provavelmente a forma de guerra e, dada a propensão histórica dos Estados Unidos para o genocídio, pelo menos alguns destes episódios transformar-se-ão provavelmente em autênticos massacres.

Lá se vai a guerra. É um assunto muito https://youtu.be/8-x5gGjn4zs?t=14  deprimente e qualquer pessoa que se atreva a proferir as palavras "Vamos começar outra guerra" com um sorriso malicioso devia dar uma valente sova a si própria. Quer queiram quer não, vão ter de enfrentar muitas guerras de que não vão gostar.

E a hiperinflação e o incumprimento? Embora alguns considerem que estes dois fenómenos são completamente distintos, são apenas duas faces da moeda do colapso financeiro, que está cada vez mais próximo. O incumprimento ocorre quando o governo federal dos EUA é incapaz de cumprir as suas obrigações financeiras. Tem 80 biliões de dólares de obrigações a longo prazo não financiadas, 95% das quais são atribuíveis a apenas dois programas federais: o Medicare e a Segurança Social. Destes dois programas, o Medicare é ligeiramente mais pequeno e não está indexado à inflação. Por isso, é possível fazer com que desapareça, deixando morrer os reformados doentes, simplesmente não votando para aumentar os pagamentos da Medicare. É politicamente muito mais fácil fazer isso em Washington do que votar a favor de cortes na Segurança Social.

Se Washington quer continuar a financiar as suas despesas obrigatórias, tem de continuar a pedir empréstimos cada vez mais depressa, o que faz subir as taxas de juro, o que faz subir os custos dos juros, o que faz subir as taxas de juro, o que cria um círculo vicioso. Se não consegue contrair empréstimos com rapidez suficiente, tem de imprimir dinheiro, o que faz aumentar a inflação, o que faz aumentar as despesas ligadas à inflação, o que faz aumentar tudo o que foi dito acima... A dada altura, começaremos a falar de "incumprimento hiperinflaccionário": é quando não se consegue imprimir dinheiro com rapidez suficiente para fazer pagamentos.

 


Cerca de metade das famílias americanas recebem parte do seu rendimento do governo federal. Quando o "incumprimento hiperinflaccionário" fizer cessar esses pagamentos, milhões de pessoas terão de se sustentar por outros meios, e a escolha mais óbvia será dividir a propriedade, pública ou privada, segundo linhas mais equitativas, com cada grupo a ter diferenças de opinião sobre quais são essas linhas. Estas diferenças de opinião, por sua vez, são susceptíveis de serem resolvidas pelo uso de cada vez mais armas, o que nos dá... a guerra... a continuação de guerras genocidas locais até à última guerra global NDÉ.

E aí está, as três coisas juntas numa só.

Dmitri Orlov

Traduzido por Hervé, revisto por Wayan, para o Saker Francophone

 

Fonte: Hyperinflation, défaut de paiement et guerres – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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