segunda-feira, 7 de agosto de 2023

O vento sopra dos Estados Unidos para o desesperado Oeste: "Sabes que horas são?"

 


 7 de Agosto 2023  Robert Bibeau  

Os Estados Unidos e a Europa estão a cair descaradamente em armadilhas que eles próprios criaram. 

Por Alastair Crooke –24 de Julho 2023 – Fonte Strategic Culture


Para falar com franqueza, os Estados Unidos e a Europa caíram descaradamente em armadilhas criadas por eles próprios. Apanhados nas mentiras e nos enganos tecidos em torno da suposta herança de um ADN cultural superior (que se diz garantir uma vitória quase certa), o Ocidente está a despertar para um desastre que se aproxima rapidamente e para o qual não há solução fácil. O excepcionalismo cultural, juntamente com a perspetiva de uma "vitória" clara sobre a Rússia, está a desvanecer-se rapidamente - mas sair da ilusão é simultaneamente lento e humilhante.

A devastação que se avizinha não se centra apenas no  fracasso da ofensiva na Ucrânia e na fraqueza da NATO. Inclui factores que se desenvolveram ao longo dos anos, mas que estão a atingir o seu clímax de forma sincronizada.

Nos Estados Unidos, está a decorrer o período de preparação para as grandes eleições. Os democratas estão num dilema: há muito que o partido virou as costas aos seus antigos eleitores operários, envolvendo-se em vez disso com uma "classe criativa" urbana num projecto exaltado de elevação moral de "engenharia social", em aliança com Silicon Valley e a Nomenklatura permanente (burocracia e tecnocracia desdenhosa). Mas a experiência tem vacilado, tornando-se cada vez mais extrema e absurda. As críticas estão a aumentar.

Previsivelmente, a campanha democrata não está a fazer qualquer progresso. A equipa Biden tem um índice de aprovação muito baixo. Mas a família Biden insiste que Biden deve perseverar na sua candidatura e não a ceder a mais ninguém. Quer Biden fique ou saia, não existe uma solução única para o enigma de um partido que não funciona e não tem uma plataforma.

A paisagem eleitoral está em desordem. A artilharia pesada da "guerra judicial" foi concebida para quebrar as defesas de Trump e afastá-lo do campo de batalha, enquanto o desgaste das revelações sobre as malfeitorias da família Biden foi concebido para desgastar e implodir a bolha Biden. O establishment democrata também está assustado com a manobra da candidatura marginal de R. F. Kennedy, que está a crescer rapidamente como uma bola de neve.


Por outras palavras, a ideologia democrata de reparação histórica woke está a separar os Estados Unidos em duas nações que vivem na mesma terra. Estão divididos não tanto entre "vermelhos ou azuis", ou entre classes sociais, mas entre "modos de ser" irreconciliáveis. As velhas categorias de esquerda, direita, democrata ou republicano estão a ser dissolvidas por uma guerra cultural que não respeita nenhuma categoria, transcendendo as fronteiras de classe e de filiação partidária. De facto, até as minorias étnicas foram alienadas pelos fanáticos que querem sexualizar as crianças a partir dos 5 anos e pela imposição da agenda trans aos alunos.

A Ucrânia tem sido usada como uma válvula para a velha ordem e tornou-se a pedra à volta do pescoço da administração Biden: como é que o iminente desastre na Ucrânia pode ser passado como "missão cumprida"? Pode ser feito? Porque a lacuna de um cessar-fogo e de uma linha de contacto congelada é inaceitável para Moscovo. Em suma, a "guerra de Biden" não pode continuar assim, mas também não podemos fazer "mais nada" sem nos expormos à humilhação. O mito do poder americano, a competência da NATO e a reputação do armamento americano estão em jogo.

A narrativa económica ("está tudo bem") está prestes a azedar, por razões que não têm qualquer relação entre si. A dívida está - finalmente - a tornar-se uma ameaça para a economia. O crédito está a tornar-se mais restrito. No próximo mês, o bloco BRICS-OCDE dará os primeiros passos estratégicos para libertar até 40 países do dólar. Quem irá então comprar - agora e no futuro - os 1,1 milhares de milhões de dólares dos títulos do Tesouro de Yellen que são necessários para financiar as despesas do governo dos EUA?

Estes acontecimentos estão aparentemente desligados uns dos outros, mas na realidade formam um ciclo que se auto-reforça. Um ciclo que está a conduzir a uma "corrida bancária política" contra a própria credibilidade dos Estados Unidos.

Um grupo de eleitores do Partido Republicano (GOP) divide os líderes conservadores em dois campos: os que "sabem que horas são" e os que não sabem. Este é o slogan da direita que se tornou cada vez mais importante para uma ala significativa do partido que vê um país enfraquecido e corrompido pela ideologia; que acredita que já não há quase nada para "conservar". O derrube da ordem pós-americana existente e a restauração dos velhos princípios da América na prática são defendidos como uma espécie de contra-revolução - e como o único caminho a seguir.

O aforismo "saber que horas são" refere-se a um sentimento emergente de urgência e entusiasmo por grandes acções entre os conservadores mais populistas, e não a debates académicos intermináveis e aborrecidos. "A premissa é que a luta contra o poder cultural woke (acordado) é existencial e que as tácticas extremas que chocariam a geração mais velha de conservadores devem ser a norma".

De facto, se um líder não for chocante na sua conduta e nas suas propostas, "provavelmente não sabe que horas são".

A segunda caraterística desta mentalidade de "nós contra eles" é que qualquer consenso político desencadeia ipso facto uma suspeita e torna-se um objecto de ataque.

"Quando nos apercebemos disso, o que à primeira vista parece uma miscelânea de ideias diferentes parece mais unificado. A política de saúde contra o Covid, o repúdio pelo 6 de Janeiro, o orçamento do Pentágono, a imigração, o apoio à Ucrânia, a promoção da diversidade racial, os direitos dos transexuais - são questões que gozam de um certo consenso bipartidário entre a elite. Mas, para a ala de Tucker Carlson, os republicanos que defendem estas ideias simplesmente não sabem que horas são", explica o Politico.

O que é surpreendente nesta formulação é que, tal como o apoio incondicional às práticas reguladoras do Covid era um "marcador" de "bien-pensance" na era pandémica, o apoio à Ucrânia é definido como um "marcador" de pensamento liberal correcto (e de pertença à equipa) na era pós-pandémica.


Isto sugere que - desde já e no período que antecede as eleições - a Ucrânia deixará de ser objecto de apoio bi-partidário, passando a ser uma espada utilizada contra o odiado sistema do partido único, e qualquer indício de erro grave tornar-se-á uma peça central nesta guerra contra-revolucionária.

O Partido Republicano (GOP) considera que a cultura americana descarrilou: no início deste mês, a legislação foi paralisada no Congresso quando o projecto de lei da defesa do Pentágono, outrora sacrossanta, se tornou alvo de alterações relativas à guerra cultural  sobre o aborto, a diversidade e o género que ameaçavam fazer descarrilar a sua aprovação. O Presidente McCarthy foi forçado a aceitar a rebelião da extrema-direita contra o projecto de lei do orçamento da defesa e a fazê-lo passar, sem o habitual apoio bi-partidário.

As medidas eliminam o financiamento de iniciativas de diversidade nas forças armadas e acrescentam restricções ao aborto e à assistência a transgéneros por parte dos membros das forças armadas. Os legisladores afirmaram que o fizeram porque a ideologia liberal estava a enfraquecer as forças armadas . Mas as alterações colocam o projecto de lei em risco no Senado, que é controlado pelos democratas.

Os fortes sentimentos de ambos os lados estão reflectidos numa sondagem que mostra que cerca de 80% dos republicanos acreditam que a agenda democrata, "se não for travada, destruirá a América tal como a conhecemos". De acordo com uma sondagem realizada pela NBC News no outono passado, aproximadamente a mesma percentagem de democratas teme a agenda republicana, acreditando que esta irá destruir o país.

O presidente da Heritage Foundation, Kevin Roberts, sublinha o papel de Tucker Carlson que consiste em "dizer a verdade ao público americano". Carlson compreende "as falhas no consenso económico, as falhas na política externa e, mais importante para mim, como alguns conservadores gostam de dizer: [ele sabe] 'que horas são'" .

Carlson critica o Partido Republicano (GOP) pró-empresas por ser complacente em relação às empresas que deslocalizaram postos de trabalho da indústria transformadora. Tornou as críticas dos conservadores à cirurgia de transicção de género para menores uma corrente dominante. Em matéria de política social e fiscal, Carlson foi onde os conservadores mais tradicionais não quiseram ir. E a sua influência era inquestionável. "O mais importante", disse Roberts, "é que Tucker se vê como tendo uma obrigação moral em nome do conservador médio".

Mas os democratas e outros liberais afirmam que a guerra cultural do Partido Republicano é apenas uma reacção contra uma maior aceitação da crescente diversidade da nação, que, segundo eles, há muito deveria ter ocorrido na América.

"A contra-revolução transformou a próxima corrida para a Casa Branca num momento existencial. Muito poucas pessoas estão a falar da reforma fiscal e todos estão a falar de questões culturais" ,  declarou um dirigente republicano; "consideram a política como uma questão de vida ou de morte".


O candidato presidencial do Partido Republicano, Ramaswamy, no início deste mês, alertou para o desaparecimento do patriotismo, do trabalho árduo e de outros valores: "É nessa altura que o veneno começa a preencher o vazio - wokismo, transgenderismo, climatismo, covidismo, depressão, ansiedade, consumo de drogas, suicídio" .

Nos Estados Unidos, o fogo de artifício está no ar. Na Europa, pelo contrário, poucas pessoas "sabem que horas são". A guerra cultural enfraqueceu, como era de esperar, o sentimento de pertença colectiva das diferentes culturas europeias. E as reacções foram ténues. De um modo geral, a Europa continua a ser torpe e letárgica (a classe dirigente conta com esta última para a sua sobrevivência).

No entanto, enquanto o fogo de artifício americano ilumina o céu político, a ressonância na Europa é quase certa. Os europeus desconfiam das suas elites e da tecnocracia de Bruxelas da mesma forma que as comunidades Carlson-Kennedy.


As euro-elites desprezam os povos. Os europeus comuns sabem que os seus dirigentes os desprezam - e sabem que as suas elites também o fazem.

O fogo que vai derreter o ferro da Europa é a economia: uma série de más decisões hipotecam o futuro económico da Europa  para os anos vindouros. A austeridade está a chegar. E a inflação está a devastar o nível de vida das pessoas, e mesmo a sua capacidade de viver.

O fogo de artifício está a chegar à Europa, mas lentamente. Já começou (os governos estão a cair), mas os Estados Unidos estão na vanguarda de uma mudança radical, à medida que o Ocidente perde o controlo sobre a meta-narrativa de que a sua "visão" é o único paradigma através do qual a "visão" do mundo também deve ser moldada. Uma reviravolta que muda tudo.

Alastair Crooke

Traduzido por Zineb, revisto por Wayan, para le Saker Francophone

 

Fonte: Le vent souffle des États-Unis sur l’Occident désespéré: “Savez-vous quelle heure il est?” – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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