26 de Agosto de 2024 Robert Bibeau
Por Michele PROSPERO
A ideologia de Trump. Ele dirige-se às massas sem perturbar o
poder das elites. O dinheiro torna-se o instrumento e o objectivo do mandamento social.
Tudo isto é possível porque falta um projecto de esquerda radical... (Tudo
isso é possível porque o capital força a esfera política a militarizar a
economia e a arregimentar – preparar as massas proletárias para a guerra. Nota
do editor).
A nova direita é cada vez mais um fenómeno mundial que utiliza a mesma linguagem em todo o lado. A dupla Trump-Vance, que já não se declara liberalista, lança anátemas às elites, amaldiçoa as finanças, denigre o capital mundializado e acaricia a classe operária abandonada, espantando os observadores. (Não é esta a receita usada pelo fascismo-corporativista-nazi no século passado??? Nota do editor) Ao enfatizar a sua conotação ideológica sem precedentes, Sebastiano Maffettone, no "Sole 24 Ore", isola no léxico dos republicanos que disputam o Salão Oval certos acentos característicos de um "socialismo humanitário do século passado" (por exemplo, o nacional-socialismo de Hitler e Mussolini? Nota do editor). Mas talvez a definição que melhor se encaixe na elegia daqueles que derramaram lágrimas sobre a América industrial desaparecida seja a de Marx, que falou de um "socialismo reaccionário". Depois de inutilizar as imagens desgastadas do liberalismo, um segmento do capital rouba símbolos e palavras da esquerda para incriminar o componente rival, também detentor de substância infinita, e até se proclama porta-estandarte da classe média, desprezada pela direita quando os trabalhadores tinham uma subjectividade política autónoma. (Uma evanescente "classe média" utópica que desaparece ao mesmo tempo que a mais-valia entra em colapso sob os golpes da sobre-produção capitalista. Nota do editor).
Na sua única censura
póstuma ao liberalismo, com a sua descrição implacável das consequências
destrutivas da desindustrialização desenfreada causada pelo liberalismo através
da desregulamentação, o conservadorismo americano aperfeiçoa o que Marx chamou
de retórica "metade lamentação, metade sátira, metade eco do passado,
metade ameaça do futuro". O toque instrumental do socialismo serve aos
paladinos da direita cravejada de estrelas para chamar a atenção para a
dinâmica do presente, agredida "com um julgamento amargo e sarcástico, mas
sempre com um efeito cómico devido à sua total incapacidade de compreender o
curso da história moderna". Na ausência de uma verdadeira organização
operária que prepare o assalto ao céu, os conservadores planeiam a conquista
das classes populares passivizadas recorrendo ao repertório do sentimentalismo
demagógico, que penetra nos territórios onde os partidos se desmobilizaram.
Esses senhores, insistiu Marx, agitaram o saco do mendigo proletário como uma
bandeira, para reunir o povo atrás deles. Mas, cada vez que estes os seguiam,
via os velhos brasões feudais nas costas e dispersava-se numa gargalhada
rosnada e irreverente."
De facto, depois de
ter seduzido os trabalhadores prometendo-lhes protecção contra deslocalizações
e aumentos salariais, a presidência Trump revelou a sua verdadeira face ao
prescrever uma dose maciça de liberalismo pró-empresas (imposto fixo para
os ricos, plano para rever a legislação fiscal, aniquilação da tentativa
Obamaiana de cobertura de saúde pública (sic).)). Se quisermos
entender a "Nova Direita" que veste a roupa azul, é útil enquadrá-la
com as ferramentas da história das ideias.
Corey Robin fez isso de forma eficaz (A Mente Reaccionária.
Conservadorismo de Edmund Burke Para Donald Trump, Oxford University Press,
2017), que mostra como as características mais frescas do conservadorismo
contemporâneo são, na verdade, elementos bastante antiquados. Escreve que os
temas anti-sistema, as veias do racismo e do populismo, a agressão e o desprezo
pela lei, pelas instituições e pelas classes dominantes, a batalha contra os
demónios do politicamente correcto "não são desenvolvimentos recentes ou
excêntricos da direita americana. Pelo contrário, são os elementos
constitutivos do conservadorismo, cujas origens remontam à reacção europeia
contra a Revolução Francesa." (Que
data sobretudo do florescimento da ideologia fascista nas suas múltiplas formas
políticas. NDA)
O líder da direita populista de hoje, que se apresenta como ídolo da
impolítica, avança sem se preocupar com os constrangimentos da coerência e, em
nome da desordem e do caos, repudia constantemente o rigor da argumentação, é o
epígono distante do conservadorismo oitocentista, que rejeitou as amarras da
razão, percebendo como constrangimento todo o pensamento lógico aplicado aos
assuntos políticos.
Entre o ódio actual a
uma política reduzida a um padrão linear, que leva Trump a exclamar "vale
a pena ser um pouco selvagem", e as reflexões de Edmund Burke, que elogiou
"a selvajaria generosa de Dom Quixoticismo", há uma continuidade –
mesmo que fraca – de sugestões. Todo o conservadorismo de ontem e de hoje
pretende demolir a própria ideia de que a sociedade está ligada a uma ordem
coerente, a um desígnio harmonioso. A política como um acto totalmente
atordoante convém a líderes irregulares que professam a sua alienação e
hostilidade ao Palácio afim de emergir. "À maneira de George W. Bush,
cujos maneirismos de cowboy inspiraram o título extravagante de 'Rebel in Chief', Trump
desempenha o papel do alegre bucaneiro, sempre apolítico, gozando com o
elegante devoto de princípios, aritmética política e geometria moral"
(Robin). Nesta bagagem antiquada que opõe o impulso vital ao tédio da política,
explica Robin, o objectivo é "agradar às massas sem perturbar o poder das
elites ou, mais precisamente, aproveitar a energia das massas para fortalecer
ou restaurar o poder das elites".
É na elite que triunfa
sob o disfarce de anti-sistema, e que usa o apoio do povo para congelar as
velhas posições hegemónicas, que reside o eterno segredo do
conservadorismo. (Social-chauvinismo, nacional-socialismo,
fascismo e esquerdismo, doença infantil da pequena burguesia). A novidade da
filosofia económica de Trump é que, para transcender os limites do capitalismo
sem alma, ele não flexiona os músculos da grande política (corrida
armamentista, guerra, grandeza nacional, liderança imperial), mas cultiva – com
excepção da imposição de tarifas para conter concorrentes estrangeiros – o mito
da concorrência
de mercado como uma disputa galvanizadora que exige "actos de heroísmo por
parte de uma classe económica que se vê a si mesma e a sua empresa como o
fundamento natural da dominação". Na querela entre o lutador e o
empresário, Trump coloca-se do
lado do fogo sagrado do dinheiro, que venera como a sólida justificação do
prestígio concedido ao indivíduo tocado pela glória. A arena contratual que
concede honras ao magnata sorridente é o único atestado de verdade que conta.
Não é por acaso que o auto-proclamado "filho da classe operária" J.D. Vance critica Kamala Harris por nunca ter
aberto um negócio. (Esta última observação expõe o rosto do
intelectual burguês que se sente ofendido por as várias correntes políticas
burguesas – esquerda-direita – se apropriarem impunemente da dialéctica
operária. Nota do editor).
Para além de não
desdenhar o resgate do Estado se os números não estiverem certos, Trump, que
também se apresenta como um conservador com ambições anti-mercantis, “vê as
questões políticas como nada mais do que transacções comerciais. O dinheiro é o
instrumento e o objectivo da liderança do Estado. Qualquer pessoa que aspire a
exercer o poder público deve ser um perito em dinheiro: o sucesso ou o fracasso
no mundo do comércio é o melhor teste à coragem política. Mesmo que Trump tente
usar o jargão do hard power - violência, coerção, autoridade - não pode evitar
cair nas expressões idiomáticas do mercado que conhece tão bem” (Robin). O
estilo populista, que lamenta o desnorte dos operários do interior agreste, faz
parte da parafernália de auto-defesa dos círculos de privilégio das comunidades
estabilizadas pela derrota da alternativa socialista. Quando Trump joga a carta
do magnata a bater no sector financeiro, dos ricos a bater nas plutocracias,
fá-lo porque tem consciência de que não há esquerda que desafie a ordem social.
Num cenário desprovido de questões radicais credíveis, a direita pode apresentar-se como uma força popular ao lado do trabalho. Numa altura em que o desfecho do conflito capitalismo-socialismo era ainda incerto, como foi o caso na segunda metade do século XX, teria sido totalmente impensável para as classes dominantes confiarem em capitães desequilibrados, mentirosos, desleais e improvisadores. A nova direita é a expressão da euforia de um universo burguês que reabsorveu a clivagem capital-trabalho e pode entregar o ceptro ao indisciplinado e inconstante Trump (famoso pela sua frase: “Eu poderia ficar no meio da 5ª Avenida e atirar em alguém sem perder um único voto”). O novo credo conservador é o produto de uma overdose de vitória que leva a burguesia a acreditar enganosamente que, na ausência de um inimigo, pode até dar-se ao luxo de deixar o constitucionalismo e os seus poderes equilibrados dissolverem-se na conduta de um líder que se permite perpetuamente não prestar contas.
A conclusão de Corey Robin, sobre a previsível parábola minguante do apoio ao presidente com ambições insurreccionais, foi optimista ao afirmar que "a loucura de Trump corre o risco de torná-lo e ao seu movimento marginais. Sem uma esquerda verdadeiramente emancipatória que se lhe oponha, (desde quando é que esta esquerda "verdadeiramente emancipatória" se curvou perante o poder do capital? Desde então, partilha a mesma cama política.NDE). A raiva de Trump parece não ser mais do que aquilo que é: a ilusão de um velho." (disse Kamala Harris. Nota do editor) A vitimização ("é a maior caça às bruxas contra um político da história americana!"), a denúncia da fraude, a negação da derrota, a amplificação do simbolismo racista e religioso, o anúncio repetido de uma guerra civil, a acusação do desafiante Harris de levar ao comunismo, revelam que a aposta na pacificação das sociedades ocidentais é, no mínimo, precipitada. (Ver: Guerra Vermelha ou Guerra Azul https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2024/08/a-paz-nao-esta-na-agenda-das-eleicoes.html).
Michele Prospero é professor de Filosofia do Direito na Faculdade de
Ciência Política, Sociologia e Comunicação da Universidade La Sapienza. Autor de
numerosos ensaios, colabora com várias revistas e jornais científicos.
Interessa-se principalmente pelo sistema institucional italiano e pelo pensamento
político de esquerda. O seu último livro é La scienza politica di Gramsci,
Bordeaux edizioni, 2016 [Ciência Política de Gramsci, ainda não traduzida para
o francês]
»» https://italienpcf.blogspot.com/202...
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deste artigo 39806
https://www.legrandsoir.info/abandonner-le-liberalisme-et-sauver-le-capitalisme-le-socialisme-reactionnaire-de-trump-et-vance-est-la-nouvelle-droite.html
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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