quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Análise da avaliação de Putin sobre a incursão da Ucrânia em Kursk (Korybko)


15 de Agosto de 2024  Robert Bibeau 


Andrew Korybko.

Ao considerar oficialmente a última incursão transfronteiriça um acto de terrorismo e não uma invasão militar, Putin sinalizou que estava a atrasar o desvio de forças da frente do Donbass, impedindo assim Kiev de alcançar o seu "objectivo militar primário".

ataque da Ucrânia à região russa de Kursk foi o tema de uma reunião na segunda-feira entre Putin e altos responsáveis do governo e governadores de três regiões fronteiriças ocidentais. As suas observações foram concisas, mas transmitiram muitas informações importantes. Começou por lembrar a todos que "o principal objectivo do Ministério da Defesa é forçar o adversário a retirar-se do nosso território e proteger de forma fiável a nossa fronteira nacional, trabalhando com o serviço de fronteiras".


Para este fim, "o Serviço Federal de Segurança deve trabalhar com a Guarda Nacional como parte do regime anti-terrorista e combater eficazmente os grupos de sabotagem e reconhecimento do inimigo. A Guarda Nacional também tem seus próprios objectivos de combate. Isto está em consonância com o anúncio feito na semana passada pelo Comité Nacional Anti-terrorismo de uma nova operação anti-terrorista nas regiões de Bryansk, Kursk e Belgorod. Putin considera, portanto, este ataque apenas como um acto de terrorismo e não como uma invasão de pleno direito.

Um reconhecimento formal de que se tratava de uma invasão levantaria a questão de saber por que razão não foi declarado o estado de guerra em resposta, o que, por sua vez, poderia pressionar as autoridades a mobilizar a população através do recrutamento obrigatório, pelo menos nas zonas afectadas. Putin está relutante em perturbar ainda mais a população e pode também presumir-se que lhe foi dito que isso não é necessário, daí a decisão de descrever tudo o que fez desta forma.

Putin partilhou a sua conhecida opinião de que o Ocidente está a utilizar a Ucrânia como um proxy para travar uma guerra contra a Rússia, acrescentando que, neste contexto específico, o objectivo é “reforçar a sua posição negocial para o futuro”. O objectivo é “reforçar a sua posição negocial para o futuro” e exclui qualquer discussão enquanto os ucranianos continuarem a atacar civis e a ameaçar centrais nucleares. A insinuação é de que a Ucrânia tem de aceitar a sua proposta de cessar-fogo  do início do verão, ou ser forçado a fazê-lo pelos seus protectores, como base para o reinício das negociações.

Em seguida, Putin chamou a atenção para o "principal objectivo militar" de Kiev em Kursk, que, segundo ele, era "parar o avanço das nossas forças" no Donbass, onde aumentaram o ritmo dos seus ganhos em cinquenta por cento em toda a frente. O que está de acordo com a avaliação da maioria dos analistas. Depois disso, partilhou a sua opinião de que o objectivo final do seu ataque furtivo era "criar discórdia e divisão na nossa sociedade", embora isso tenha falhado e tido o efeito oposto de reforçar a determinação.

O resto da transcrição diz respeito aos relatórios que Putin recebeu de participantes seniores, incluindo sobre a evacuação em curso de cerca de 200.000 pessoas. A única ideia significativa que acrescentou foi a de avisar o governador da região de Bryansk para não tomar a calma da sua região como garantida. Isto sugere que ele não está a excluir novas incursões transfronteiriças, ou melhor, actos de terrorismo, como são oficialmente designados pelo Kremlin, por enquanto, o que significa que não é provável que a Rússia baixe a guarda tão cedo.

O que não ficou claro ao longo da reunião é o que está planeado quando o "objectivo principal" de "forçar o adversário a retirar" for alcançado, o que pode ser interpretado como um sinal de que ainda não estão prontos para o considerar, uma vez que esperam que demore algum tempo até que isso aconteça. Isto contrasta com o aviso de Putin, no início da Primavera, de uma zona tampão para proteger a região de Belgorod, o que levou à entrada da Rússia na região ucraniana de Kharkov, o que pode não ser tentado na região ucraniana de Sumy.

Daqui podemos deduzir que o esforço acima mencionado não correspondeu adequadamente ao objectivo pretendido pela Rússia, o que não quer dizer que tenha falhado, mas simplesmente que a alteração das circunstâncias dificultou o seu sucesso. Consequentemente, poderia ter sido tomada a decisão de esperar temporariamente pela reprodução deste modelo até que o “objectivo principal” fosse alcançado, ou de o eliminar completamente em favor de outra coisa, fosse ela qual fosse. Em todo o caso, vale a pena perguntar o que se seguirá à expulsão da Ucrânia da região de Kursk.

Os cenários menos prováveis são que se chegue a outro especulativo “acordo de cavalheiros” com os EUA sobre a segurança das regiões ocidentais da Rússia ou que a Rússia lance uma ofensiva total nas regiões vizinhas de Chernigov, Sumy e/ou Kharkov da Ucrânia. Estas duas questões foram discutidas numa análise intrigante para a RT por Sergey Poletaev intitulada"Kursk Attack: Here's Why Zelensky Felt Bold". Eis os excertos relevantes do seu artigo:

"A relativa calma ao longo da fronteira de 1.000 quilómetros durante dois anos e meio provavelmente não foi uma coincidência. Podemos sugerir que houve acordos entre Moscovo e Washington, especialmente com a administração do Presidente dos EUA, Joe Biden.

Como parte da estratégia do Kremlin, não há uma resposta clara para um ataque tão ousado – a resposta desde Fevereiro de 2022 tem sido usar todos os recursos disponíveis, evitando a mobilização geral ou o auto-esgotamento. Moscovo não tem outro exército pronto para ocupar novas zonas fronteiriças vulneráveis.

A primeira sugestão é surpreendente, uma vez que Putin admitiu candidamente, em Dezembro passado, a ingenuidade com que era em relação ao Ocidente nos anos que antecederam a ordem da operação especial. É difícil imaginar que ele foi "conduzido pelo nariz" depois disso, mas talvez ele finalmente tenha aprendido a sua lição, se for verdade. Quanto à segunda sugestão, o avanço limitado da Rússia na região de Kharkov dá credibilidade à alegação de que "não tem outro exército pronto" para criar mais zonas-tampão.

Isso pode mudar se a dinâmica estratégico-militar deste conflito, que até agora tem estado a favor da Rússia durante todo o ano, de repente se voltar contra ela. No entanto, não se espera que isso ocorra a menos que haja um cisne negro, portanto, nenhuma mobilização do tipo necessário para criar mais zonas tampão está prevista. A menos que a Ucrânia se consolide firmemente na região de Kursk e/ou consiga lançar mais ataques dissimulados contra outras regiões russas e/ou bielorrussas, é provável que a Rússia continue a ganhar terreno no Donbass.

Neste cenário, ou o ritmo desta frente se mantém até, pelo menos, ao Inverno, ou a Rússia pode finalmente conseguir um avanço militar que lhe permita forçar a Ucrânia a aceitar a maioria (se não todas) das suas condições de paz. Ao tratar oficialmente a última incursão transfronteiriça como um acto de terrorismo e não como uma invasão militar, Putin deu a entender que está a atrasar o desvio de forças desta frente, impedindo assim Kiev de atingir o seu “principal objectivo militar”.

Por esta razão, podemos concluir que Putin tenciona manter o rumo e não deixará que os acontecimentos de Kursk o distraiam. Sente, com razão, que o conflito poderá aproximar-se em breve de um ponto de inflexão, para além do qual tudo poderá acelerar, se as linhas da frente ucranianas no Donbass se desmoronarem, como ele espera. A menos que surja um cisne negro, a Rússia continuará, portanto, a perseguir os seus objectivos máximos no conflito, que são forçar a Ucrânia a aceitar todas as suas exigências militares, políticas e estratégicas.

 

Fonte: Analyse de l’évaluation de Poutine sur l’incursion de l’Ukraine en direction de Koursk (Korybko) – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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