terça-feira, 27 de agosto de 2024

Os estragos do casamento precoce no Líbano

 


 27 de Agosto de 2024  René Naba  

RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.

87% dos casamentos precoces de menores de 18 anos são de raparigas.

10% casaram aos 14-15 anos e a taxa mais elevada nesta categoria foi registada na região de Baalbek - Hermel.

As mulheres sírias registam a taxa mais elevada de casamentos precoces de menores.

Oitenta e sete (87) por cento dos casamentos precoces de menores de 18 anos são de raparigas, das quais dez por cento (10) casaram com idades compreendidas entre os 14 e os 15 anos, tendo a taxa mais elevada nesta categoria sido registada na região de Baalbek - Hermel, enquanto a taxa mais elevada de casamentos precoces de menores é de mulheres sírias.

Estas são as principais conclusões de um estudo do “Lebanese Democratic Women's Rally”, publicado pelo jornal “Al Akhbar” em 14 de Março de 2024.

Para o falante árabe, veja este link.

O inquérito envolveu uma amostra de 1300 pessoas de ambos os sexos de todos os distritos administrativos do país, incluindo libaneses, sírios e palestinianos.

Vinte por cento (20) dos inquiridos tinham menos de 18 anos.

Dez por cento (10) casaram aos 14-15 anos, tendo a taxa mais elevada nesta categoria sido registada na região de Baalbek-Hermel (nordeste do Líbano).

As famílias sírias no Líbano registaram a taxa mais elevada de casamentos precoces, 45%, em comparação com 38% das famílias libanesas.

56% dos inquiridos desconheciam as consequências do casamento precoce, nomeadamente o abandono escolar, a mendicidade e uma elevada taxa de mortalidade durante o parto.  Dez por cento (10) das raparigas inquiridas tinham entre 13 e 15 anos na altura do casamento.

Uma das razões para o casamento precoce entre as raparigas sírias é o elevado número de estudantes sírias que não estão inscritas num estabelecimento de ensino no Líbano (cerca de 80%), devido à falta de meios financeiros (a educação não é gratuita), às difíceis condições de vida nos campos de refugiados e à insegurança prevalecente, -O empobrecimento crescente das populações libanesa, síria e palestiniana é uma consequência da soft war que os Estados Unidos têm vindo a travar contra o Líbano desde 2020, para além do imperialismo dos sucessivos governos libaneses e da necrose do processo de decisão. 

Panorama da pobreza no Líbano

O Líbano tornou-se o terceiro país mais endividado do mundo, com uma dívida pública estimada em 80 mil milhões de dólares em 2018, ou seja, 151% do PIB.

O último relatório da Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental apresenta números alarmantes: Em resultado da guerra branda (soft war) conduzida pelos Estados Unidos contra o Líbano, o limiar de pobreza atingiu 50% em Agosto de 2020, aumentando para 74% em Setembro de 2021. Metade da população libanesa não tem acesso a medicamentos e 33% dos agregados familiares não têm acesso a serviços de saúde.

Estes números abrangem 2020 e o início de 2021, pelo que têm em conta as consequências da crise sanitária e dos sucessivos confinamentos. A situação dos refugiados palestinianos, sírios, iraquianos e sudaneses também se agravou. 1,5 milhões de refugiados sírios, dos quais 880 mil registados no ACNUR, vivem no Líbano, tal como 257 mil refugiados palestinianos e mais de 16 mil refugiados iraquianos, somalis e sudaneses (registados no ACNUR). 54% dos refugiados sírios são crianças.

Enquanto 55% dos refugiados sírios viviam em extrema pobreza no início de 2019, esta taxa subiu agora para 90%. Vivem com menos de 3,8 dólares por dia. Além disso, 80% dos refugiados sírios não têm autorização de residência, o que os coloca em risco de exploração.

A primeira causa directa desta pobreza crescente é a perda de valor da libra libanesa e a inflação. O Líbano tem uma das taxas de inflação mais elevadas do mundo.

Entre os Verões de 2020 e 2021, o índice de preços no consumidor aumentou 140%. A libra foi desvalorizada em 90% desde o início da crise. Durante os primeiros quatro meses de 2021, 230 000 cidadãos libaneses emigraram legalmente, a que se juntam as partidas por mar de libaneses sírios para Chipre.

Estima-se que 40% dos médicos e 30% dos enfermeiros tenham deixado o Líbano, e a taxa de partida é provavelmente semelhante para professores, advogados e empresários.

A emigração libanesa causou um prejuízo de 240 mil milhões de dólares à economia libanesa devido à fuga de cérebros e à perda de mão de obra qualificada e de gestores competentes. O número de refugiados sírios com menos de 15 anos é superior ao número de libaneses desta faixa etária, o que indica uma perturbação demográfica sem dúvida irreversível.

Violência contra as mulheres

A organização não governamental Abaad, dedicada à promoção da igualdade de género e ao combate à violência contra as mulheres no Líbano, revelou estatísticas alarmantes que mostram um aumento dramático da violência contra as mulheres no país durante 2023. De acordo com dados recolhidos junto da Direcção-Geral das Forças de Segurança Interna, 29 mulheres foram assassinadas no Líbano no ano passado, o que representa um aumento de 300 % em relação a 2022. Isto equivale a uma média de duas mulheres mortas por mês, uma realidade sombria e preocupante que realça a urgência da situação.

A par deste aumento chocante do assassinato de mulheres, o número de vítimas de violência sexual também disparou, com 172 casos registados em 2023, em comparação com 121 no ano anterior. Este aumento assinala não só uma escalada da violência sexual, mas também a necessidade crítica de uma acção mais eficaz e de uma reforma jurídica para proteger as mulheres e as raparigas no Líbano.

A Abaad também observou um aumento preocupante no número de vítimas de extorsão electrónica, com 407 casos em 2023, reflectindo os novos desafios e perigos que as mulheres enfrentam na era digital. Além disso, a linha de apoio à violência doméstica do Ministério do Interior recebeu 767 queixas em 2023, uma média de 64 queixas por mês, o que demonstra a persistência deste flagelo nos lares libaneses. Perante esta situação alarmante, a Abaad sublinha a importância crucial de denunciar os crimes violentos e apela a uma resposta rápida das forças de segurança interna para investigar e processar os autores.

A organização salienta a necessidade de reforçar as penas para os crimes de agressão sexual, a fim de limitar a sua prática e proteger as potenciais vítimas.

A Abaad, uma instituição civil sem fins lucrativos, não sectária, criada em 2011, trabalha para o desenvolvimento económico e social sustentável no Médio Oriente e no Norte de África, promovendo a igualdade de género e prestando serviços directos de protecção e capacitação às mulheres. A organização desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de políticas, na reforma jurídica e na abolição da discriminação, procurando activar a participação activa das mulheres e reforçar a sua capacidade de contribuir eficazmente para as suas sociedades.

§  Leia mais sobre http://libnanews.com/explosion-de-la-violence-contre-les-femmes-au-liban-en-2023-selon-un-rapport-dabaad/

A gangrena do confessionalismo. Um jackpot permanente tanto para o clero cristão como para o muçulmano

O estatuto pessoal no Líbano é um sistema misto, regido pelo estatuto civil libanês e pelos sistemas confessionais. Assim, o nascimento é inscrito no registo civil do Estado libanês, mas a identidade do recém-nascido é determinada pela sua denominação religiosa, registada pelo baptismo, para os cristãos, ou pela circuncisão, para os muçulmanos. O mesmo se aplica ao casamento, que é validado pela sua celebração religiosa. O casamento civil é tolerado quando celebrado no estrangeiro. Por conseguinte, os documentos de registo civil são uma fonte de rendimento importante para o clero, cristão ou muçulmano, um jackpot permanente que pontua a vida dos cidadãos libaneses.

A Resistência Discreta do Clero à Legislação do Casamento de Menores

Os documentos de estado civil são uma fonte de rendimento importante para o clero, cristão ou muçulmano, e um jackpot permanente que pontua a vida dos cidadãos libaneses. Por conseguinte, o debate que visa regulamentar o casamento de menores de idade é atormentado pela interferência de dignitários religiosos de várias denominações que se opõem a ele de forma dissimulada, considerando-o uma alteração do estado civil dos cidadãos libaneses.

À luz deste inquérito, Antoine Habchi, membro da Comissão Parlamentar da Mulher e da Criança, apelou à “criminalização do casamento de menores de 18 anos” devido às graves repercussões sociais deste fenómeno, tanto em termos do trauma que gera como da falta de preparação dos jovens noivos para enfrentar as dificuldades da vida.

De acordo com as indiscrições relatadas pelo Al Akhbar, os dignitários religiosos e os seus colaboradores no Parlamento estão a jogar um jogo subtil, declarando publicamente o seu apoio à legislação que regula os casamentos precoces, ao mesmo tempo que encorajam os legisladores que lhes são próximos a oporem-se a ela.

É louvável, sem dúvida, mas será que os mercadores do templo vão aceitar matar a galinha dos ovos de ouro? Se assim for, o Líbano poderá ganhar a sua reputação de “terra de leite e mel”.

Tema relacionado

§  https://www.madaniya.info/2023/03/08/le-tiers-des-femmes-arabes-victime-dun-harcelement-sexuel-sur-leur-lieu-de-travail/

 

Fonte: Les ravages du mariage précoce au Liban – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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