quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Ventos de mudança nas relações Índia-China (um indício da guerra em curso)

 


 8 de Agosto de 2024  Robert Bibeau  

Por M.K. Bhadrakumar – 30 de Julho de 2024 – Fonte Indian Punchline


Espera-se que o primeiro-ministro Narendra Modi dê prioridade a um ponto de viragem histórico nas relações Índia-China, como legado dos seus 15 anos no poder. As coisas estão, de facto, a avançar nessa direcção.

Um alto responsável indiano disse à agência de notícias nacional PTI que há uma necessidade de uma "abordagem matizada" ao investimento directo estrangeiro (IDE) da China, e que o governo está disposto a considerar as propostas de IDE de Pequim em sectores que envolvem tecnologias avançadas, como veículos eléctricos e baterias. bem como bens de capital modernos de vários tipos.

Isto anda de mãos dadas com uma mudança palpável na política indiana nos últimos seis meses. A interacção de três factores-chave explica esta mudança. Em primeiro lugar, a estabilização da situação fronteiriça, através do novo mecanismo de gestão das tensões fronteiriças – "zonas-tampão" que separam os dois exércitos, onde ambas as partes retiraram as suas tropas e cessaram todas as patrulhas – está a ter um impacto positivo.

Estas zonas já foram criadas em cinco dos sete pontos críticos. O Governo não se vangloriou deste feito notável, mas a sua sinergia com o estreitamento dos laços comerciais é importante para ambos os países, que enfrentam os ventos contrários da escalada das barreiras comerciais em todo o mundo. A Índia tem vindo a reduzir gradualmente as suas restricções em matéria de vistos para os profissionais chineses em determinados sectores de actividade.

Em segundo lugar, esta medida pragmática também sublinha a necessidade urgente da Índia de tecnologia, investimento e conhecimentos especializados chineses para satisfazer as suas necessidades industriais imediatas. Na semana passada, o Conselheiro Económico Principal, Anantha Nageswaran, afirmou num inquérito económico anual que Deli deveria concentrar-se no IDE da China para impulsionar as exportações da Índia para os EUA e outros países ocidentais e ajudar a conter o crescente défice comercial da Índia com Pequim.

A observação de Nageswaran surgiu depois de os dados do Banco da Reserva da Índia terem revelado que os fluxos líquidos de IDE para a Índia caíram 62,17% em termos anuais para 10,58 mil milhões de dólares em 2023-24, o nível mais baixo em 17 anos. Por outras palavras, a capacidade da Índia para atrair investimento estrangeiro foi posta em causa por uma combinação de circunstâncias adversas - incerteza económica mundial, proteccionismo comercial e riscos geopolíticos, etc. O investimento chinês pode trazer fundos para a Índia, introduzir tecnologia avançada e experiência de gestão e promover a modernização das indústrias indianas e a optimização da sua estrutura económica.

Um terceiro factor não mencionado é o facto de o ambiente geopolítico ter mudado radicalmente. É agora certo que a Rússia está em vantagem na guerra na Ucrânia. Trata-se de um golpe para a credibilidade dos Estados Unidos e da NATO e surge numa altura em que a Ásia-Pacífico está a emergir como outro potencial ponto de inflamação. Os Estados da região - com a possível excepção do Japão, que está a militarizar-se rapidamente - não querem assistir a outra guerra por procuração destrutiva liderada pela NATO na sua região.

A militarização das sanções por parte de Washington, na sequência da guerra na Ucrânia, também não caiu bem no Sudeste Asiático. Afinal de contas, se o Ocidente colectivo pode congelar as reservas da Rússia (cerca de 400 mil milhões de dólares) e gastar os juros sobre elas, desafiando o direito financeiro internacional, o que impede essa bandalheira contra os países mais pequenos da região?

Certamente, o apelo crescente dos BRICS na região do Sudeste Asiático transmite uma mensagem importante. A Tailândia e a Malásia são os últimos Estados da região a manifestar interesse em aderir ao bloco. Este facto irá naturalmente reforçar as suas relações com a China.

As relações da Índia com os Estados Unidos também têm estado um pouco tensas desde que este país reatou relações com os separatistas Khalistani baseados na América do Norte. As alegações americanas de que a Índia estaria a preparar planos de assassinato, fazendo alusão à "arma fumegante" que levaria aos escalões superiores da liderança política de Deli, deram a impressão de que os Estados Unidos tinham segundas intenções para criar pontos de pressão sobre os líderes do país. É evidente que os Estados Unidos são incapazes de compreender a resiliência e a centralidade da autonomia estratégica da Índia.

Em tal ambiente, o grupo Quad perdeu a sua importância. O Quad está desfasado das necessidades dos países regionais da Ásia-Pacífico, onde a escolha estratégica da grande maioria dos países é a do desenvolvimento económico. A China está cada vez mais confortável com a ideia de que a Índia não se junta à estratégia de contenção dos Estados Unidos contra ela.

Pequim congratulou-se com os comentários do ministro dos Negócios Estrangeiros, S. Jaishankar, após a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros do Quad realizada em Tóquio na segunda-feira, que fechou firmemente a porta a qualquer papel de um terceiro como o Quad nas tensas relações entre a Índia e a China. Ele disse: "Temos um problema, ou, eu diria, uma questão de disputa entre a Índia e a China... Acho que cabe-nos a nós dois conversar sobre isso e encontrar uma solução."

« Obviamente, outros países do mundo estão interessados nesta questão, porque somos dois grandes países e o estado das nossas relações tem impacto no resto do mundo. Mas não estamos a olhar para outros países para resolver o que é realmente apenas um problema entre nós", acrescentou Jaishankar.

A Índia partilha os receios dos países da ASEAN sobre a expansão da OTAN sob a liderança dos Estados Unidos como uma organização mundial focada na Ásia-Pacífico. A Índia respondeu reforçando a sua independência estratégica. Curiosamente, a visita de Modi à Rússia coincidiu com a cimeira da NATO em Washington. (Veja o meu blog intitulado "Laços Índia-Rússia dão um salto em frente no meio da névoa da guerra na Ucrânia.")

Uma sondagem recente do Instituto ISEAS-Yusof Ishak, um grupo de reflexão financiado pelo governo de Singapura, mostrou que, na Malásia, quase três quartos dos inquiridos disseram que a ASEAN deveria favorecer a China em detrimento dos EUA se o bloco fosse forçado a alinhar com uma das duas superpotências rivais.

A Índia está a prestar muita atenção a estas tendências na região da ASEAN. A centralidade da ASEAN é a pedra angular da política oriental da Índia, enquanto os EUA lhe prestam atenção da boca para fora e têm trabalhado nos bastidores para enfraquecer a coesão e a unidade do grupo.

Em suma, a fobia da entente sino-russa fomentada pelos grupos de reflexão, meios de comunicação e responsáveis americanos perdeu a sua força. A Índia, por outro lado, reforçou os seus laços com a Rússia e está a avançar para a estabilização das suas relações com a China, tornando-as previsíveis.

Perante este cenário, o período que decorre até Outubro, altura em que a cimeira dos BRICS deverá realizar-se sob a presidência russa, será uma fase preparatória. A última reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da Índia e da China, realizada em Vientiane na semana passada, parece ter corrido bem.

O relatório chinês sublinhou a declaração de Jaishankar segundo a qual "a manutenção de um desenvolvimento estável e previsível das relações bilaterais é inteiramente do interesse de ambas as partes e reveste-se de especial importância para a manutenção da paz regional e a promoção da multipolaridade. A Índia e a China têm interesses largamente convergentes e são confrontadas com a sombra da situação nas zonas fronteiriças. No entanto, a Índia está disposta a adoptar uma perspectiva histórica, estratégica e aberta para encontrar soluções para as divergências e reconduzir as relações bilaterais para uma via positiva e construtiva." (sublinhado nosso).

O factor decisivo será a medida em que o acordo alcançado na reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros em Vientiane para resolver as questões residuais da fronteira se traduzir em acções. A "abordagem diferenciada" da Índia para atrair o IDE chinês é um passo na direcção certa. Um encontro entre Modi e o Presidente chinês Xi Jinping à margem da próxima cimeira dos BRICS em Kazan, de 22 a 24 de Outubro, é uma possibilidade clara.

No entanto, numa perspectiva de mais longo prazo, não há alternativa à eliminação das narrativas indianas egoístas sobre as relações com a China, construídas com base em fobias, rivalidades fervilhantes e até mesmo em mentiras descaradas, que se infiltraram profundamente na mentalidade das elites indianas após décadas de doutrinação, a fim de criar um novo pivot, positivo e virado para o futuro, para uma amizade duradoura entre as duas nações. A tarefa não é fácil, uma vez que os grupos de interesse proliferaram e os lobistas americanos estão activamente envolvidos. Em última análise, cabe aos líderes da Índia mostrar coragem e convicção.

M.K. Bhadrakumar

Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker Francophone. Ventos de mudança nas relações Índia-China | O Saker franccophone

 

Fonte: Vent de changement dans les relations entre l’Inde et la Chine (un indice de la Guerre en préparation) – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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