Hoje em dia, homens e
mulheres estão posicionados em todas as esferas de actividade e isto, de acordo
com uma proporção tendente no máximo para 50/50 em cada uma delas...
Hoje em dia, homens e mulheres estão posicionados em todas as esferas de actividade, com a proporção a tender para 50/50 em cada...
Jean-Pierre Ferland, Women's Lib (letra de J.P. Lauzon), 1974.
YSENGRIMUS — O princípio da
divisão sexual do trabalho é um arcaísmo muito mais crucial e sistémico do que
a perpetuação, aqui e ali, desta ou daquela ocupação tradicional e pontual
imposta às mulheres (ou aos homens). Sobre esta questão, demasiado mal
compreendida, não resisto a submeter à vossa sagaz atenção esta breve síntese
descritiva de um importante antropólogo do século passado, Ralph Linton
(1893-1953).
Um oleiro na Índia, cerca de 1929 Mulher asiática a peneirar arroz (sem data)
A
divisão e a atribuição de estatuto em função do género parecem estar na base de
todos os sistemas sociais. Todas as sociedades prescrevem atitudes e
actividades diferentes para homens e mulheres. A maioria das sociedades tenta
racionalizar estas prescrições argumentando que existem diferenças fisiológicas
entre os sexos ou que estes desempenham papéis diferentes na reprodução. No
entanto, um estudo comparativo dos estatutos atribuídos às mulheres e aos
homens em diferentes culturas parece mostrar que, embora esses factores possam
ter fornecido um ponto de partida para a divisão dos estatutos, é de facto a
cultura que determina essencialmente a sua atribuição. As características
psicológicas atribuídas aos homens e às mulheres nas diferentes sociedades variam
também de tal forma que podem ter pouca justificação fisiológica. A imagem que
as sociedades modernas [ocidentais do entre-guerras - P.L.] têm da mulher como
um ser angelical e carinhoso contrasta fortemente com a existência, entre os
iroqueses, por exemplo, de mulheres-broodes que revelam um grande engenho e um
prazer sádico.
A atribuição de profissões, que é, afinal, parte integrante do estatuto, dá origem a disparidades ainda maiores entre as diferentes sociedades. As mulheres Arapesh carregam habitualmente fardos mais pesados do que os homens "porque as suas cabeças são muito mais duras e fortes". Nalgumas sociedades, as mulheres fazem a maior parte do trabalho manual; noutras, como nas Ilhas Marquesas, cozinhar, limpar e cuidar das crianças são ocupações masculinas e as mulheres passam a maior parte do seu tempo a cuidar dos cabelos. Há muitas excepções à regra geral de que, devido aos constrangimentos da gravidez e da amamentação, as ocupações mais activas estão reservadas aos homens e as menos activas às mulheres. Por exemplo, entre os Tasmânicos, a caça à foca era uma atividade reservada às mulheres. Elas nadavam até aos rochedos onde se encontravam as focas, seguiam os animais e atordoavam-nos. As mulheres da Tasmânia também caçavam gambás, o que as obrigava a subir ao cimo de árvores muito altas.
Embora
a distribuição das profissões em função do sexo varie muito, o padrão de
divisão em função do sexo é, de facto, constante. Existem muito poucas
sociedades em que todas as actividades importantes não tenham sido
definitivamente atribuídas aos homens ou às mulheres. Mesmo quando ambos os
sexos cooperam numa determinada actividade, o domínio de cada sexo é
frequentemente bem definido. Por exemplo, na cultura do arroz em Madagáscar, os
homens fazem a sementeira e a terraplanagem e preparam os campos para a
transplantação. As mulheres fazem o trabalho de transplantação, que é difícil e
cansativo; também desenterram a colheita, mas são os homens que a trazem. As
mulheres levam-no depois para a eira, onde os homens o debulham e as mulheres o
peneiram. Por fim, as mulheres trituram o grão em almofarizes e cozinham-no.
Quando uma sociedade se lança numa nova indústria, há muitas vezes um período de incerteza durante o qual esta tarefa pode ser desempenhada por indivíduos de ambos os sexos. Em Madagáscar, a cerâmica é feita por homens em algumas tribos e por mulheres noutras. Na única tribo em que é feita tanto por homens como por mulheres, o ofício só foi introduzido nos últimos sessenta anos [desde 1870 - P.L.]; nos últimos quinze anos [entre 1915 e 1930 - P.L.], em particular, o número de oleiros do sexo masculino diminuiu drasticamente, tendo muitos deles abandonado a actividade. A diminuição dos lucros, habitualmente invocada para justificar o abandono de uma profissão específica por parte dos homens face à invasão maciça das mulheres, não foi certamente um factor determinante neste caso: o mercado estava longe de estar saturado e o preço dos objectos fabricados por homens e mulheres era o mesmo. Os homens que abandonaram a profissão apresentaram, em geral, razões muito vagas, mas alguns admitiram francamente que não queriam competir com as mulheres. Aparentemente, a entrada das mulheres na profissão tinha-lhe retirado um certo prestígio e a actividade de oleiro já não cabia a um homem, mesmo que fosse um excelente artesão.
Ralph Linton (1968), De l'Homme, Minuit, Le sens commun, pp. 140-142. (Título original: O Estudo do Homem, 1936) – citado a partir da cópia impressa da versão francesa do livro.
Penso que a conclusão a tirar dos dados antropológicos aqui resumidos é
bastante clara. Mesmo que as profissões variem muito, uma certa perpetuação da
divisão sexual do trabalho na nossa sociedade terciária (raparigas como
recepcionistas, educadoras de infância, higienistas dentárias - rapazes como
taxistas, colectores de lixo, dentistas) é, sem dúvida, arcaica. A verdadeira
inovação da civilização mundial/mundializada contemporânea, em comparação com
as tendências observadas nas sociedades tradicionais, tal como relatadas pelos
antropólogos, não é o facto de, tal como o Jean-Pierre Ferland de 1974 tanto
temia, o sexo dos papéis profissionais estar a ser invertido (mulheres como
polícias, pilotos de avião e advogados, homens como secretários, enfermeiros e
chefes de claque). Este tipo de intercâmbios é atestado desde há muito tempo em
numerosas civilizações tradicionais, e a sua estatura, o seu estatuto, a sua
posição ou a sua estabilidade (para não falar, uau, do seu fundamento
"biológica" ou "natural") são
culturalmente aceites desde tempos imemoriais. O que é realmente novo,
maciçamente novo hoje em dia, é a dissolução de qualquer divisão sexual do
trabalho e, mais ainda, fazê-lo não como uma revelação de incerteza
face a novas tarefas ou indústrias, mas como uma redefinição fundamental da
divisão de todas as tarefas, antigas ou novas, em todas as indústrias. Hoje em
dia, homens e mulheres estão posicionados em todas as esferas de actividade,
com uma proporção que tende para 50/50 em cada uma delas (e, sim, isto implica,
como no caso dos oleiros malgaxes de 1870-1930, um declínio igualmente uniforme
do "prestígio" das profissões tradicionais - o que há de tão
prestigiante na labuta, afinal?) É então que a própria divisão sexual das tarefas
perde toda a sua função operativa. Hoje, em todo o mundo (incluindo os países
emergentes), assistimos a uma revolução silenciosa nas relações de género que
deixaria perplexos uma governanta das Ilhas Marquesas, um caçador de focas da
Tasmânia e os agricultores de arroz malgaxes de outrora: a dissolução radical e
inquestionável do PRINCÍPIO ABSTRACTO FUNDAMENTAL da divisão sexual do trabalho.
Este funciona agora apenas como um vestígio residual, um impulso reaccionário,
um traço cultural íntimo de grupos não profissionais ou um tique comportamental
de rectaguarda. Podemos antever claramente o momento em que a divisão das
actividades profissionais em função do sexo deixará de ter qualquer significado
inteligível... e é provável que muitos romances, muitos filmes, muitas
histórias do nosso corpus e património cultural contemporâneo se tornem
bastante difíceis de descodificar e de apreender, dado o irrevogável
desvendamento de algumas das suas implicações fundamentais, no olhar
globalmente caleidoscópico e em toda a esfera de percepções tangíveis das
nossas consciências modernas comuns. Que mais há a dizer, quando mesmo a instituição mais hostil às
prioridades da sociedade civil acaba por se alinhar?
RUMO
À IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES NO COMBATE
EXÉRCITO
DOS EUA – Apesar de estarem proibidas de servir em combate, as mulheres do
exército americano pagaram o preço em sangue no Afeganistão e no Iraque: Ontem,
o Pentágono levantou algumas das restricções impostas às mulheres nas forças
armadas, abrindo cerca de 14.000 postos de trabalho que anteriormente lhes
estavam vedados. Cerca de 280.000 mulheres americanas serviram no Iraque e no
Afeganistão desde 2001 e 144 foram mortas, incluindo 79 em combate. Apesar
destes 14.000 novos postos, um terço dos postos do Exército e dos Fuzileiros
Navais continua a ser reservado aos homens - AFP.
Jornal 24 heures, Montreal,
fim de semana de 10 a 12 de Fevereiro de 2012, p. 25
A velha cantiga de roda da minha infância: LES FILLES, LES GUÉNILLE. LES GARS, LES SOLDATS já não se sustenta. É precisamente esta canção de embalar, e a divisão em géneros que ela axiomatiza, ou reivindica, ou perpetua, que está a ficar disfarçada, que está a desfazer-se. Ora, para mim, o exército desapareceria, de corpo e alma, antes mesmo da dissolução da divisão sexual do trabalho nas suas fileiras, e eu não me importaria... Mas faço-vos uma previsão: não será esse o caso. O facto é que mesmo as nossas instituições mais retrógradas e nefastas (o exército, a administração, a alta finança, as igrejas) mostram sem ambivalência que a divisão sexual do trabalho, tal como analisada por Ralph Linton, já não existe.
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
Sem comentários:
Enviar um comentário