20 de Julho de
2023 Robert Bibeau
Por Alastair Crooke – Fonte Strategic Culture
A União Europeia investiu demasiado no projecto de guerra ucraniano e no seu romance com Zelensky. No início do ano, a narrativa ocidental (e europeia) era que a ofensiva pós-inverno da Ucrânia iria "quebrar" a Rússia e dar um "golpe de misericórdia" à guerra. As manchetes dos principais meios de comunicação social contavam regularmente a história de uma Rússia em fuga. Hoje, porém, a mensagem do establishment deu uma volta de 180º. A Rússia não está "sem fôlego"...
Dois meios de comunicação anglo-americanos muito estabelecidos no Reino Unido (nos quais muitas vezes surgem mensagens do establishment norte-americano) finalmente admitiram – amargamente – que "as sanções contra a Rússia falharam". O Telegraph lamenta: "são uma piada"; "A Rússia deveria já ter caído." Tardiamente, a Europa percebe que as ofensivas ucranianas não serão decisivas, ao contrário do que se pensava algumas semanas antes.
Num artigo de Kofman e Lee, a Foreign Affairs argumenta que, no caso de uma ofensiva ucraniana inconclusiva, o único caminho a seguir – sem sofrer uma perda historicamente humilhante – é "atirar a toalha ao chão" e concentrar-se na construção de uma coligação pró-guerra para o futuro, que possa esperar igualar o potencial militar-económico de longo prazo da Rússia.
"Kofman-Lee está a explicar gradualmente por que não se deve esperar
um sucesso espectacular ou decisivo e por que se deve, em vez disso, avançar
para a construção de uma infraestrutura de apoio de longo prazo para a Ucrânia,
para que ela seja capaz de combater o que provavelmente será um conflito muito
longo e prolongado", observa o comentarista independente
Simplicius. Por outras palavras, os líderes europeus enterraram-se num buraco
profundo.
Os Estados europeus, ao esvaziarem o que restava nos seus arsenais de armas antigas para Kiev, esperavam terrivelmente que a ofensiva da Primavera/Verão que se aproximasse resolvesse tudo e que já não tivessem de lidar com o problema – a guerra na Ucrânia.
Mais uma vez, enganam-se: são convidados a "cavar
mais fundo".
Kofman-Lee não aborda a questão de saber se vale a pena evitar a humilhação
(por parte da NATO e dos EUA) num "conflito prolongado". Os EUA "sobreviveram" à sua retirada de Cabul.
No entanto, os líderes europeus não parecem ver os próximos meses na Ucrânia como um ponto de inflexão fundamental. Se a UE não rejeitar agora firmemente a "fuga em frente", haverá uma série de consequências económicas negativas. A Ucrânia não é uma questão isolada de política externa, mas sim o pivot em torno do qual girarão as perspectivas económicas da Europa.
A blitzkrieg (passagem relâmpago) dos F-16 de Zelensky pela Europa na
semana passada mostra que, embora alguns líderes europeus queiram que Zelensky
acabe com a guerra, ele quer (literalmente) trazer a guerra para a Rússia (e
provavelmente para toda a Europa).
"Até agora", relatou Seymour Hersh, "[um responsável dos EUA] relata que "Zelensky rejeitou conselhos [para acabar com a guerra] e ignorou ofertas de grandes somas de dinheiro para facilitar a sua aposentadoria numa propriedade que ele possui em Itália".
O governo Biden não é a favor de um acordo envolvendo a saída de Zelensky,
e os líderes francês e britânico "estão muito em dívida com Biden para considerar tal
cenário".
"E Zelensky quer ainda mais", acrescentou o responsável. "Zelensky diz-nos que, se quiserem
ganhar a guerra, têm de me dar mais dinheiro e mais coisas: 'Tenho de pagar aos
generais'." Diz-nos, segundo o responsável, que se for obrigado a deixar o
cargo, "irá para o lance
mais alto. Prefere ir para Itália a ficar e ser morto pelo seu próprio
povo."
Coincidentemente, os líderes europeus recebem uma mensagem de Kofman-Lee que ecoa a de Zelensky: a Europa deve responder às necessidades de apoio a longo prazo da Ucrânia, reconfigurando a sua indústria para produzir as armas necessárias para apoiar o esforço de guerra - muito para além de 2023 (para igualar a formidável capacidade logística da Rússia para o fabrico de armas), e evitar depositar as suas esperanças num único esforço ofensivo.
A guerra é assim projectada como uma escolha binária: "Acabar com a guerra" ou "Ganhar a guerra". A Europa está a hesitar - está numa encruzilhada; hesita em seguir um caminho, apenas para recuar e dar alguns passos cautelosos no outro. A UE vai treinar os ucranianos para pilotar os F-16, mas mantém-se tímida quanto ao fornecimento dos aviões. Isto pode parecer simbolismo, mas o simbolismo é muitas vezes a fonte da precipitação.
Tendo tomado o partido da administração Biden, os líderes irreflectidos da UE precipitaram-se numa guerra financeira com a Rússia. Aceitaram também, de forma imprudente, uma guerra da NATO contra a Rússia. Hoje, os líderes europeus podem ser forçados a aceitar uma corrida às linhas de abastecimento para corresponder à "logística" da Rússia. Por outras palavras, Bruxelas tem pressa em comprometer-se novamente a "ganhar a guerra", em vez de "acabar com ela" (como querem vários Estados).
Estes últimos Estados da UE estão desesperadamente à procura de uma saída
para o buraco em que se meteram. O que aconteceria se os EUA cortassem o financiamento à Ucrânia? O que aconteceria
se a equipa de Biden se voltasse rapidamente para a China? O Politico titulou: "Fim da ajuda à Ucrânia aproxima-se
rapidamente". Não será fácil relançá-lo. A UE pode ver-se presa no financiamento de
um "conflito
eterno" e do pesadelo de um novo afluxo de refugiados, o que drenaria os recursos
da UE e agravaria a crise de imigração que já está a abalar o eleitorado da UE.
Os Estados-Membros parecem estar ainda a dar por garantidos os seus desejos
de realidade, acreditando em parte nas histórias de divisões em Moscovo,
acreditando nas "saladas" de Prigozhin, acreditando que a lentidão da Rússia em colocar
Bakhmut sob controlo é um sinal de exaustão das forças, em vez de uma prova da
paciente e gradual degradação das capacidades ucranianas que a Rússia está a
fazer, a todos os níveis.
Estes Estados cépticos, que estão a fazer a sua parte simbólica de "pró-ucranianismo" para evitarem ser castigados pela nomenklatura de Bruxelas, apostam na improvável perspectiva de a Rússia aceitar um acordo negociado - e, mais ainda, um acordo que seja favorável à Ucrânia. Porque é que acreditam nisto?
"O problema da Europa", diz a fonte de Seymour Hersh, sobre a rápida resolução da guerra, "é que a Casa Branca quer que Zelensky sobreviva"; e "sim", Zelensky também tem o seu grupo de fanáticos por Bruxelas.
A dupla dos Negócios Estrangeiros prevê que uma corrida armamentista seria – mais uma vez – um "slam dunk":
A Rússia não parece bem preparada para uma guerra perpétua. A capacidade da Rússia de reparar e restaurar equipamentos armazenados parece tão limitada que o país está cada vez mais dependente de equipamentos soviéticos das décadas de 1950 e 1960 para complementar os regimentos mobilizados. À medida que a Ucrânia adquire melhores equipamentos ocidentais, os militares russos parecem cada vez mais um museu do início da Guerra Fria.
A sério? Será que esses jornalistas americanos alguma vez cruzam ou verificam
factos? Parece que não. A Rússia produziu mais tanques no primeiro trimestre de
2023 do que em todo o ano de 2022. Extrapolando, a Rússia costumava fabricar entre
150 e 250 tanques por ano, e Medvedev prometeu aumentar esse número para mais
de 1.600. Embora este número inclua tanques renovados e modernizados (que, de
facto, constituem a maior parte da produção), não deixa de ser indicativo de
uma produção industrial considerável.
A UE não discute em público estas decisões cruciais que afectam o papel da Europa na guerra. Todas as questões sensíveis são debatidas à porta fechada na UE. O problema deste défice democrático é que as consequências destas questões relacionadas com a Rússia afectam quase todos os aspectos da vida económica e social europeia. Muitas perguntas são feitas, mas pouca ou nenhuma discussão se segue.
Onde estão e quais são as "linhas vermelhas" da Europa? Será que os líderes da UE acreditam realmente em fornecer a Zelensky os F-16 que ele está a pedir? Ou estão a apostar nas próprias "linhas vermelhas" de Washington que os deixariam impunes? Questionado na segunda-feira se os EUA mudaram a sua posição sobre o fornecimento de F-16 à Ucrânia, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, disse: "Não".
A questão dos F-16 não é um divisor de águas, mas pode tornar-se o ponto de partida para uma "guerra eterna". Pode também estar na origem da Terceira Guerra Mundial. Irá a UE deixar de apoiar militarmente o projecto ucraniano (em linha com anteriores avisos dos EUA a Zelensky), enquanto a ofensiva ucraniana está a perder força – na ausência de qualquer ganho?
Qual será a resposta da UE se os EUA a convidarem a participar numa corrida
ao fornecimento de munições contra a Rússia? Sejamos claros: a reestruturação das infraestruturas da
Europa para uma economia de guerra implica consequências (e custos) de longo alcance.
As infraestruturas concorrenciais
existentes deveriam ser reafectadas ao fabrico de armas e não às exportações.
Existe agora a mão de obra qualificada necessária para este fim? A construção
de novas linhas de fornecimento de armas é um processo técnico lento e
complicado. Além disso, a Europa trocaria infraestruturas energéticas
eficientes por estruturas verdes novas, menos eficientes, menos fiáveis e mais
caras.
Existe uma maneira de sair do "buraco" que
a UE cavou para si própria?
Sim, chama-se "honestidade". Se a UE quer um fim rápido para a guerra, tem de compreender que há duas opções possíveis: a capitulação da Ucrânia e um acordo nos termos de Moscovo; ou a busca do completo desgaste da capacidade da Ucrânia de travar a guerra, até que suas forças sejam dominadas pela entropia.
A honestidade exigiria que a UE abandonasse a posição ilusória de que Moscovo negociará um acordo nos termos de Zelensky. Não haverá solução se este último caminho for seguido.
E a honestidade exigiria que a UE admitisse que envolver-se na guerra financeira contra a Rússia foi um erro. Um erro que precisa ser corrigido.
AlastairCrooke
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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