sábado, 3 de agosto de 2024

Parlamento francês: uma câmara de parto e de registo de nascimento que não se encontra em lado nenhum

 


 3 de Agosto de 2024  Robert Bibeau 


Por Khider Mesloub.

Parlamento francês: quarto e sala de registo já não estão disponíveis

A democracia burguesa baseia-se no parlamentarismo. Por outras palavras, para tomar o caso da França, a Assembleia Nacional. Uma instituição legislativa também conhecida como Chambre parlementaire.

A ausência de qualquer influência significativa na vida política de uma câmara parlamentar foi sempre descrita pejorativamente por alguns como uma “chambre d'enregistrement” (câmera de registo/gravação - NdT).

Numa democracia em que a Assembleia Nacional, ou seja, o poder legislativo, se limita a validar e registar as leis ditadas pelo Executivo, é designada por câmara de registo.

A oposição é amordaçada ou inexistente nesta câmara de registo, que é composta por deputados totalmente subservientes ao executivo. O Parlamento limita-se exclusivamente a validar os textos governamentais, com pouca margem de manobra. Neste caso, o Parlamento não tem qualquer papel político a desempenhar, sendo o seu papel uma mera formalidade.

Há quem descreva o funcionamento do Parlamento como anti-democrático, porque é totalmente subserviente ao poder totalitário do Executivo. Não existe separação de poderes.

Pela minha parte, sempre considerei a democracia parlamentar burguesa uma farsa. A democracia é a forma apropriada de dominação política da classe burguesa. Nunca permite que o povo tenha acesso ao poder, que está totalmente concentrado nas mãos das classes proprietárias.

A democracia parlamentar surgiu da luta do Terceiro Estado contra o feudalismo e rapidamente se tornou uma arma contra os antagonismos de classe que se desenvolveram na sociedade burguesa. A democracia burguesa foi tanto mais bem sucedida no cumprimento da sua missão mistificadora junto da população quanto era apoiada pela pequena burguesia, cuja importância na vida económica e, por conseguinte, na vida política, continuava a crescer.

Na Europa, em particular em França, desde o início do acesso da burguesia às rédeas do poder, na sua fase embrionária de dominação formal, com medo de entregar o Estado ao seu inimigo, o povo, a burguesia criou um parlamento baseado no sufrágio censitário para manter o povo à distância.

Desde os seus primórdios, a democracia-mercadoria foi assim restringida: o seu exercício bloqueado pela classe dominante, a sua acção política espartilhada pelo dinheiro, a sua soberania despótica assegurada pelo exército e pela polícia.

No final do século XIX, depois de ter consolidado o seu domínio sobre toda a sociedade, a burguesia teve a ideia engenhosa de associar o povo eleitoralmente (e não política ou economicamente: a diferença é importante) ao seu sistema régio de governação, para melhor mistificar o povo, particularmente nos países desenvolvidos, no meio da amarga luta de classes. Mas com uma condição fundamental: em momento algum este “privilégio eleitoral”, formalmente concedido pelos representantes do capital, deve servir de trampolim para as classes laboriosas contestarem a hierarquia dos poderes na sociedade de classes, ou o modo de produção capitalista, ou a propriedade privada, ou o trabalho assalariado.

Por outras palavras, desde o seu início, a democracia parlamentar burguesa tem sido uma máscara que permite aos proletários participarem na reprodução social da sua exploração e alienação.

Com a institucionalização da democracia liberal domesticada no século XX, os “cidadãos” podem, evidentemente, usar “livremente” o seu direito de expressão, mas é a burguesia que dita e controla o pensamento por detrás dessa expressão política através do seu aparelho ideológico de condicionamento mental, em particular através do sistema escolar e dos meios de comunicação social.

Tanto mais nos dias de hoje, em que o debate político se tornou higienizado e clorofórmico. O debate é sobretudo enquadrado pelos órgãos de propaganda das escolas e dos meios de comunicação social, instrumentos de uniformização do pensamento único hegemónico.

A democracia é a folha de figueira atrás da qual se esconde a ditadura do capital.

De facto, não pode haver democracia sob a ditadura capitalista, um modo de produção inerentemente fundado na exploração, na opressão e na repressão, como ilustram o endurecimento autoritário, o despotismo estatal e a fascização crescente dos países ocidentais.

Assim, a democracia burguesa, tal como encarnada pelo parlamento, é uma farsa. Porque, como já foi referido, o parlamento sempre foi uma mera câmara de registo.

Pior ainda, em muitos países, nomeadamente em França, o parlamento foi transformado numa “sala” onde os poderosos utilizam os deputados como “prostitutas políticas” (peripatéticas), apenas boas o suficiente para satisfazerem todos os seus desejos, ou seja, para aprovarem as leis que servem os seus interesses económicos e financeiros. Para se submeterem à vontade dos seus patrões. Basta pensar na utilização recorrente do despótico artigo 49.3 pela clique mafiosa governamental instalada no Eliseu e em Matignon. A classe dirigente francesa já não se incomoda com os floreados legislativos, com este artifício parlamentar supérfluo.

Hoje em dia, com a crise económica, as tensões militares internacionais e a marcha para a guerra, a democracia burguesa está a tornar-se um fardo para os capitalistas e as suas classes dominantes em todo o mundo, particularmente em França. Sobretudo nos países desenvolvidos do Ocidente, como o ilustra a França, onde o seu Parlamento se tornou uma câmara impraticável.

Ao mesmo tempo que a classe dominante francesa militariza a sociedade, amordaçando todas as vozes discordantes, caporalizando as mentes e criminalizando qualquer activismo anti-sistema ou anti-sionista, está também a neantizar o parlamento. Actualmente, em França, a Assembleia Nacional tornou-se uma sombra do que era. Não se encontra em lado nenhum.

Curiosamente, no momento em que a “Grande muette” (“o Grande silêncio” - NdT) faz valer o seu direito de usar as armas em voz alta, em que os seus galantes representantes assaltam os estúdios de televisão para debater livremente as opções militares a adoptar e defender o envio de tropas contra a Rússia, o Parlamento francês perde eloquentemente a sua voz. Torna-se mudo. Não é localizável. E pensar que a “Grande muette” se tornou o verdadeiro “Parlamento” de França. E o Conselho de Defesa, esse gabinete negro chefiado por Macron, o verdadeiro poder.

Por outras palavras, tanto o Parlamento como o Governo foram reduzidos a uma mera figura de proa. Já não têm qualquer poder executivo ou legislativo. A prova é que a classe dirigente francesa já não tem um governo oficial, nem uma Assembleia Nacional a funcionar. Tornou-se uma Assembleia de opereta. E o governo é um governo sombra. Demitiu-se oficialmente. Mas continua a sua actividade fantasmagórica, com os mesmos odiados espectros macronistas.

Dito isto, a tendência contemporânea dominante em todos os países ocidentais, nomeadamente em França, é a desintegração da classe dirigente. Esta está cada vez mais dividida em cliques rivais, cada uma colocando os seus próprios interesses à frente das necessidades do capital nacional. Estas tensões e dissensões colocam a burguesia numa situação perigosa, pois tem dificuldade em impor a si própria uma disciplina governamental e em unificar as suas forças para manter a coesão. Isto explica a perda do controlo global do seu aparelho político.

Em França, a Assembleia Nacional tornou-se uma “câmara indetectável”, porque o tempo já não é de debates pacíficos e estéreis, mas de batalhas militares ofensivas. A V República francesa limitou-se a conformar-se com esta realidade, dominada pela planificação e organização da guerra que exige a neutralização do Parlamento.

Em todo o caso, não podemos perder de vista que o regime político francês da Quinta República foi de inspiração militar. É obra de um golpe de Estado arquitectado pelo general De Gaulle, uma figura há muito próxima da extrema-direita. Um regime gaullista, reforçado por uma Constituição crivada de salvaguardas bonapartistas, construído para se adaptar a situações de guerra social interna e guerras nacionais e coloniais no estrangeiro.

De acordo com a concepção constitucional gaullista de inspiração bonapartista, em virtude da separação de poderes, um governo não deve emanar de qualquer maioria na Assembleia, mas deve ser nomeado pelo Presidente (e quem diz Presidente, diz Grande Capital). E este governo é responsável apenas perante o Presidente. Melhor ainda, o Presidente e o seu governo não devem depender dos partidos. Nem, a fortiori, de um bloco de partidos.

Esta concepção bonapartista da governação foi teorizada por De Gaulle logo no início da Libertação. Nomeadamente no seu discurso de Bayeux (6 de Junho de 1946). Com efeito, o general De Gaulle, ainda imbuído de uma mentalidade de guerra e aterrorizado com a perspectiva da revolução social desencadeada pelo proletariado sob a direção do poderoso Partido Comunista Francês, subserviente a Moscovo, tinha exposto a sua concepção bonapartista de governação logo em 1946. “A partir do Parlamento, composto por duas Câmaras e exercendo o poder legislativo, é evidente que o poder executivo não pode proceder (...) É, portanto, a partir do Chefe de Estado, acima dos partidos (...) que o poder executivo deve proceder. O Presidente e o seu governo não devem depender dos partidos.


Actualmente, sobretudo em França, sobretudo desde Fevereiro de 2022, é a guerra que volta a ditar o ritmo. É a guerra que impõe o seu programa político assassino, a sua agenda económica militarista, o seu sistema de pensamento chauvinista e caporalista.

Ao dissolver a Assembleia Nacional, Macron limita-se a cumprir a concepção bonapartista do general de Gaulle, para quem o parlamentarismo deve ser adormecido, para não dizer posto de lado. Sobretudo em tempos de tensão militar, para que o espírito de guerra da população possa ser despertado com toda a serenidade, levando-a a aceitar qualquer sacrifício, sem ter de responder perante os deputados.

Para tornar visível a perspectiva de guerra, a burguesia francesa teve de tornar invisível a Assembleia Nacional. É preciso neantizá-la.

A aniquilação socio-económica e militar da população deve ser precedida pela aniquilação da sua instituição supostamente representativa: a Assembleia Nacional.

Khider MESLOUB

 

Fonte: Parlement français: chambre à accoucher et d’enregistrement devenue introuvable – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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