terça-feira, 30 de maio de 2023

A ambivalência das relações entre os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita sobre a Guerra do Iémen 3/3

 


 30 de Maio de 2023  René Naba


RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.

primeira parte deste artigo está aqui:
https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2023/05/a-surda-rivalidade-entre-arabia-saudita.html

A segunda parte deste artigo está aqui:
https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2023/05/quando-o-abu-dhabi-espiona-arabia.html

Facto sem precedentes nos anais da polemologia mundial, as duas petro-monarquias do Golfo lançaram uma ofensiva contra o Iémen, por assim dizer às cegas, numa agressão descarada contra o país árabe mais pobre, sem qualquer estudo meticuloso do campo de batalha, das suas armadilhas, do espírito de luta dos seus adversários; apesar da longa experiência supostamente adquirida pelo Reino Saudita sobre o seu vizinho, sobre o qual exerce uma tutela de facto há meio século. A reacção será particularmente dolorosa.

Para saber mais sobre as relações entre a Arábia Saudita e o Iémen :

§  https://www.madaniya.info/2019/02/15/yemen-le-testament-du-roi-abdel-aziz/

§  https://www.madaniya.info/2021/05/07/al-qaida-vole-au-secours-de-larabie-saoudite-dans-la-bataille-de-marib-yemen/

Trata-se de uma confissão importante, que revela a extrema irreflexão criminosa dos dois principais líderes da contra-revolução árabe:

Por mais surpreendente que possa parecer, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos não tinham uma visão clara e bem estabelecida do seu projecto quando se lançaram na guerra do Iémen.

Esta constatação está registada na terceira parte do relatório elaborado pelo governo do Abu Dhabi sobre o comportamento do seu aliado, o príncipe herdeiro saudita, cujas principais passagens foram publicadas pelo jornal libanês Al Akhbar na quarta-feira, 18 de Novembro de 2020.

Para o falante de árabe, em anexo está o artigo de Al Akhbar

Pior, as relações entre Arábia Saudita e o Abu Dhabi evoluíram de acordo com as reviravoltas do conflito, passando por três fases:

1.      1ª fase: A fase da confiança mútua e autocongratulação

2.      2ª fase: A fase de perplexidade e rivalidade caracterizada pela confusão e relaxamento da cooperação

3.      3ª fase: A fase da dúvida prelúdio de uma revisão das suas respectivas estratégias.

Primeira fase: A fase da confiança mútua

"Durante esta fase, os dois países agiram de forma concertada, coordenando os seus esforços para atingir o seu objectivo comum: a aniquilação dos Houthistas, assim designados em referência ao seu líder Abdel Malek Al Houthi, 40 anos, que sucedeu ao seu falecido irmão na liderança do movimento.

Nota do editor: https://www.madaniya.info/

Os Houthis tomaram o nome do seu líder histórico, Hussein Badreddine Al Houthi, e dos seus irmãos. Membros de uma organização armada, política e teológica zaidi, os Houthis estavam inicialmente baseados na província de Sa'dah e no noroeste do Iémen.

A partir de 2014, o movimento alargou as suas actividades a todo o país. Os houthis provêm de uma grande minoria xiita, que se encontra principalmente nas montanhas do noroeste do país. Este ramo do xiismo, muito próximo do sunismo, está implantado no país desde o século VIII. Em 1990, o partido Hizb al-Haqq, de onde saíram os Houthistas, foi fundado para defender as suas aspirações culturais.

Numa réplica idêntica ao modelo sírio, as grandes democracias ocidentais (Estados Unidos, Reino Unido e França) deram o seu apoio total e maciço aos atacantes, apesar de serem eles os agressores no Iémen, nomeadamente a Arábia Saudita, terceiro maior cliente de armas do mundo, mas não forçaram a decisão final na frente militar, apesar de a coligação incluir nada menos do que sete países árabes (Arábia Saudita, Barém, Emirados Árabes Unidos, Marrocos, Qatar e Sudão). Apoiados pelo Irão, os combatentes houthis, rudes e frugais, conduziram uma guerra furtiva e assimétrica contra o poder de fogo da monarquia, infligindo reveses atrás de reveses aos seus beligerantes.

Desde a sua revolta contra o governo central, os Houthis controlam a totalidade da província de Sa'ada, bem como as províncias de Al Jawf, Amran e Hajjah. Controlam também parte da capital Sanaa, parte da província de Al Mahwit e a aldeia de Jabira, na Arábia Saudita.

Em 2015, os Houthis alargaram o seu controlo destes territórios para sul e ganharam acesso ao Mar Vermelho.

De acordo com Bashir al-Mohallal, director da ONG Pulse for Social Justice, "há duas coisas pelas quais a população lhes pode dar crédito: em primeiro lugar, a segurança. A cidade está novamente segura. Até as células da Al-Qaeda foram expulsas. Em segundo lugar, a restauração de uma aparência de governo.

É verdade que os funcionários públicos já não recebem salários, mas ainda conseguem pagar a quem precisam.

É assim que funciona a polícia, por exemplo. Também conseguiram controlar os chefes tribais que espalhavam a desordem. Por fim, pressionaram os proprietários a deixarem de exigir rendas. As pessoas apreciam este facto. Paradoxalmente, as zonas libertadas pela coligação não gozam deste grau de segurança, pois caem rapidamente sob o controlo de milícias incontroláveis.

Fim da nota

Segunda Fase: A Fase da Perplexidade

"A fase de perplexidade e consequente rivalidade gerou uma certa confusão na orientação das hostilidades e um certo relaxamento da concertação. A política das duas petro-monarquias carecia de visibilidade; por vezes, era contraditória, ao ponto de os dois beligerantes terem considerado oportuno, a certa altura, criar um "conselho de coordenação".

Terceira fase: A fase da dúvida que prelude uma revisão da respectiva estratégia dos dois beligerantes.

"A fase de dúvida levou os dois países a "reconsiderar" as respectivas posições em relação à guerra no Iémen. A coordenação entre os dois países foi abalada ao ponto de os EAU anunciarem a redução da sua presença militar no Iémen.

O autor do relatório, escrito em 23 de Julho de 2019, considera que "os protagonistas iemenitas do conflito procuraram tirar partido da situação, tentando influenciar as relações entre a Arábia Saudita e os Emirados. Mas os esforços iemenitas ficaram aquém do esperado, na medida em que nenhum deles teve qualquer influência efectiva na relação bilateral, com a notável excepção dos Houthistas.

"Todos os actores iemenitas têm uma necessidade crucial de apoio" das duas petro-monarquias. A redução da presença militar das forças de Abu Dhabi suscitou esperanças entre os iemenitas, na esperança de uma reviravolta a seu favor.

1- Abd Rabbo Mansour Hadi:

"O presidente nominal do Iémen, cujo mandato expirou e que reside na Arábia Saudita sem exercer o mínimo controlo sobre o território iemenita, considerou que a cooperação entre a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos seria benéfica para a continuação da sua autoridade, mas na realidade a rivalidade saudita-EAU fez dele o "grande perdedor" neste caso. Foi demitido pelo seu tutor saudita e substituído por uma direcção colegial.

2- O partido Al Islah.

"O ramo iemenita dos Irmãos Muçulmanos suspeita que o Abu Dhabi tenha incitado a Arábia Saudita a declarar guerra aos "irmãos" iemenitas. O problema do partido Al Islah não está prestes a ser resolvido, nem com o fim da guerra, nem mesmo se as divergências entre as diferentes facções iemenitas forem resolvidas.

"O Al Islah não tem outra alternativa senão fazer as pazes com a Arábia Saudita, tentar convencer o Reino da sua lealdade, de que não tem intenções hostis para com ele, mostrar combatividade no Iémen para convencer os sauditas a considerá-lo um parceiro fiável, sem a menor ameaça à doutrina religiosa wahhabita ou às suas políticas.

3 – O Conselho de Transição do Sul (pro Abu Dhabi).

Esta estrutura, que mantém laços estreitos com o Abu Dhabi, duvida da existência de um projecto saudita de criação de um Estado no Iémen do Sul, ou seja, de regresso à situação anterior à reunificação dos dois Iémenes nos anos noventa.

A reunificação do Iémen teve lugar a 22 de Maio de 1990, quando a República Democrática Popular do Iémen (Iémen do Sul), pró-soviética, se fundiu com a República Árabe do Iémen (Iémen do Norte), pró-saudita, formando a República do Iémen. Esta unificação coincidiu com o fim da Guerra Fria no mundo, enquanto na Europa se verificava gradualmente a queda do bloco de Leste.

4 - O Congresso Geral do Povo:

"O partido do antigo presidente Ali Abdallah Saleh está a atravessar uma fase particularmente delicada devido às suas profundas divisões. Uma facção favorece o presidente nominal do Iémen, Hadi, uma segunda os Houthistas e uma terceira o Abu Dhabi. A rivalidade entre a Arábia Saudita e o Abu Dhabi para garantir o seu apoio levou o partido a implodir.

O Al Islah só poderia recuperar a sua força se as hostilidades cessassem e as duas monarquias aceitassem dar-lhe todo o seu apoio.

Ali Abdallah Saleh governou o Iémen durante um quarto de século, tendo sido Presidente da República Árabe do Iémen (Iémen do Norte) de 1978 a 1990 e depois Presidente do Iémen Unido de 1990 a 2012. Foi assassinado em 4 de Dezembro de 2017, em Sana'a, pelos seus aliados houthis, que suspeitavam que ele estava a mudar de lado e a aliar-se novamente aos sauditas.

Em 2011-2012, enfrentou uma revolta contra o seu governo; ferido num ataque ao palácio presidencial que também feriu e matou outros dirigentes do regime, foi hospitalizado no estrangeiro e esteve ausente do seu país durante vários meses. De regresso ao Iémen, participou numa nova guerra civil ao lado dos rebeldes Houthistas contra o governo no poder. Em 2017, depois de ter rompido com a aliança a favor da Arábia Saudita, foi morto pelos Houthistas.

5- Cenários possíveis:

"O Conselho de Transição do Sul (pró-Abu Dhabi) está a libertar-se da sua aliança com o Abu Dhabi. Nesse caso, esta iniciativa provocaria uma situação explosiva que obrigaria os sauditas a tomar posição e a afirmar claramente os seus objectivos.

"A persistência de uma situação confusa, por vezes caótica, poderia alimentar uma hostilidade crescente da população contra as duas petro-monarquias, dando origem a fortes tensões entre os dois líderes da coligação monárquica.

Neste contexto, a posição, o papel histórico, a influência e a reputação da Arábia Saudita poderão ser afectados. Nesta perspectiva, é importante que o Abu Dhabi alargue o círculo das suas alianças à sociedade civil, aos meios de comunicação social e a diversas instâncias religiosas e tribais, e que modifique a sua política actual com vista a substituir a Arábia Saudita, conclui o relatório.

Para ir mais longe nas petromonarquias

§  O Golfo: Novo horizonte ou beco sem saída da cultura árabe: https://information.tv5monde.com/info/le-golfe-nouvel-horizon-ou-impasse-de-la-culture-arabe

§  Golfo: Quando a arte se torna um instrumento de Soft Power: https://information.tv5monde.com/info/pays-du-golfe-quand-l-art-devient-un-instrument-de-soft-power-488216

 

Fonte: De l’ambivalence des relations entre les Émirats Arabes Unis et l’Arabie Saoudite à propos de la Guerre du Yémen 3/3 – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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