domingo, 7 de maio de 2023

Uma vez mais sobre a "desdolarização" do comércio internacional (P. Escobar)

 


 7 de Maio de 2023  Roberto Bibeau  


Por Pepe Escobar, na Sputnik News.

A desdolarização está prestes a acelerar devido ao crescente descontentamento mundial com o "capitalismo de casino" dos EUA, disse o analista geopolítico e veterano jornalista Pepe Escobar à Sputnik News.

« É uma bola de neve gigantesca em todo o mundo. Não conseguimos nem acompanhá-la", disse Pepe Escobar em entrevista ao podcast Novas Regras. "O que será discutido na cimeira dos Brics na África do Sul é muito importante. Este provavelmente será um momento crucial em que as coisas evoluirão. »

Escobar explicou que um número crescente de países do Sul Global está a fazer as contas e a concluir que o dólar americano não é uma aposta segura. A combinação de uma política agressiva de sanções dos EUA e gastos governamentais imprudentes reduziu significativamente o apelo internacional do dólar.

« Se quiserem analisar as tendências das últimas duas décadas, têem que entender que, se se for rico em matérias-primas e se forem uma nação capitalista produtiva e que decide emitir uma moeda, ela será respeitada internacionalmente porque as pessoas saberão que ela é baseada em factos, procedência real, riqueza real", disse. "Isso vai contra o sistema actual, a que eu chamo de 'capitalismo de casino' há anos. São futuros, apostas, suposições. Tudo pode correr bem ou mal. Se perder, perde tudo. A casa quase sempre ganha porque imprime o troco. Não é apoiado por nada, literalmente, por um país que deve  30 triliões de dólares [em dívida nacional] e nunca será capaz de pagá-la. »

Para piorar, os aumentos agressivos das taxas de juros do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) tornaram os empréstimos em dólar caros para quase todos no mundo. Antes da decisão da Fed, Kristalina Georgieva, directora-geral do Fundo Monetário Internacional, alertou em Janeiro de 2022 que o aumento da taxa de juros nos EUA poderia sair pela culatra na economia mundial e, em particular, em países com níveis mais altos de dívida em dólar.

A crise bancária em curso nos Estados Unidos ameaça desestabilizar ainda mais os mercados financeiros internacionais. Nenhum país do mundo quer "apanhar uma constipação" quando a economia dos EUA "espirra", enquanto as lembranças da crise financeira de 2008 ainda estão presentes.

Eles dizem: "Olha, por que é que temos que estar sujeitos a esse tipo de arranjo? E claro, antes, como todos sabemos, era o "Império das Bases", mais de 800 bases militares em todo o mundo, "o poder dos mercados financeiros", "o poder da soft culture", "o poder da cultura do cancelamento", mas o Sul Global já não se intimida. Penso que é a primeira vez neste novo milénio. Nunca experimentamos isso nos últimos dois séculos e meio, pelo menos", disse Escobar.


BRICS procuram estabelecer nova moeda

Em Janeiro de 2023, os Brics – sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – ganharam as manchetes ao anunciar que em breve poderiam estudar a possibilidade de criar a sua própria moeda para contornar o dólar americano. A ideia foi expressa dos dois lados do Atlântico: o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, discutiu o projecto em conferência de imprensa após o encontro com o Presidente angolano, João Lourenço, em 25 de Janeiro.

Do outro lado do Atlântico, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva abordou a questão da criação de uma moeda comum para os Brics e os países do Mercosul, bloco comercial sul-americano, durante o seu encontro com o seu homólogo argentino, Alberto Fernández.

« Por que é que uma instituição como o banco dos BRICS não pode ter uma moeda para financiar as relações comerciais entre Brasil e China, entre o Brasil e todos os outros países do BRICS? Quem decidiu que o dólar era a moeda (comercial) após o fim da paridade do ouro? disse Lula durante uma visita em Abril ao Novo Banco de Desenvolvimento, com sede em Xangai.

Segundo Escobar, a formação e o desenvolvimento de três organizações, o Brics, a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e a União Económica Eurasiática, predeterminaram o fim da ordem mundial centrada no dólar. Os membros do BRICS estão actualmente a discutir o desenho de uma moeda alternativa; discussões semelhantes estão a ocorrer no âmbito da União Económica Eurasiática; eles devem começar a coordenar e isso estender-se-á ao SCO, os projectos do autor.

Essa tendência já se espalhou para outros blocos, continuou Escobar, referindo-se à Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean). Em 28 de Março, os Ministros das Finanças e os Governadores dos Bancos Centrais da ASEAN reuniram-se na Indonésia para discutir formas de avançar para liquidações em moeda local, melhorando o sistema de pagamentos digitais transfronteiriços da ASEAN.

Indonésia, Malásia, Singapura, Filipinas e Tailândia chegaram inicialmente a um acordo sobre essas transações em Novembro de 2022. A associação procura reduzir a dependência não só do dólar americano, mas também do euro, iene e libra esterlina nas transacções financeiras.

« Temos algo que era absolutamente incrível há dois meses Disse Escobar.


Por que é que a desdolarização está a ganhar espaço?

A desdolarização é discutida há décadas. Por exemplo, Mikhail Khazin, economista e publicitário russo que trabalhou no Centro de Trabalho para as Reformas Económicas sob o governo de Boris Yeltsin na década de 1990, e seu co-autor Andrey Kobyakov previram o fim do domínio do dólar americano há cerca de 20 anos no seu livro "O declínio do império do dólar e o fim da Pax Americana". (O declínio do império do dólar e o fim da Pax Americana). Embora a ideia esteja no ar há algum tempo, como é que esse fenómeno só começou a ganhar força hoje?

 « Podemos até marcar uma data respondeu Escobar. "Em Fevereiro do ano passado, com o congelamento, confisco e roubo das reservas cambiais russas. O Sul global, como um todo, começou a perguntar, dos Estados Unidos à África e ao Sudeste Asiático: "Se eles podem fazer isso com uma superpotência nuclear, eles podem fazer isso com qualquer um de nós, com um estalar de dedos". É por isso que a coordenação nessas organizações multilaterais e noutros fóruns atingiu uma velocidade astronómica. »

Para ilustrar o seu ponto, o jornalista mencionou o rápido desenvolvimento dos Brics, que actualmente têm 19 países na lista de candidatos à adesão à organização. Entre eles, os candidatos mais sérios são Irão, Argentina, Argélia, além de Emirados Árabes Unidos, Turquia, Egipto, Cazaquistão e Indonésia, segundo o analista geopolítico.


« São, portanto, potências médias e fortes, de onde vierem. Disse Escobar. "E eles vão começar a discutir a agora famosa moeda alternativa dos Brics. Portanto, eles precisam acelerar essa conversa e esperar que comecem a discuti-la com a União Económica Eurasiática, muito mais avançada, e a Organização de Cooperação de Xangai. »

Escobar acredita que nada menos que um avanço nesse sentido pode acontecer já no ano que vem.

« É possível, é um cenário viável ", insistiu. "Até há poucos meses atrás, esse era um cenário muito distante da realidade. Hoje não é mais assim, porque a velocidade é incrível. Literalmente todos os dias – Bangladesh, Argentina, Argélia, países do Sudeste Asiático. »

No mês passado, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, reuniu-se com o seu homólogo boliviano, Rogelio Mayta, na capital venezuelana, Caracas, e apresentou um novo sistema de transacções comerciais com o objectivo de abandonar o dólar americano e o euro em favor do rublo e do boliviano.

Junto com a Argentina e o Chile, a Bolívia forma o chamado "triângulo de lítio", que responde por mais da metade dos depósitos mundiais desse metal alcalino branco-prateado. Só o Salar de Uyuni, na Bolívia, contém 21 milhões de toneladas de lítio, amplamente utilizado em baterias recarregáveis para celulares, laptops, câmeras digitais e veículos eléctricos.

O petroyuan poderia destronar o petrodólar

O elemento mais importante é a chegada do petroyuan, segundo Escobar. Durante décadas, o petróleo bruto foi negociado em dólares americanos. No entanto, o petrodólar pode ser destronado em breve: no ano passado, Pequim pediu aos líderes do Golfo que liquidassem os seus contratos de petróleo e gás com a China em yuan. Os Estados Unidos e a China continuam a ser os dois maiores consumidores mundiais de petróleo, com 18,7 milhões e 15,4 milhões de barris por dia, respectivamente. Os acordos de energia em yuan podem dar um golpe no dólar.

« Estamos no caminho certo, algo que nem mesmo os muito bons analistas financeiros americanos que acompanharam essa história poderiam imaginar que estaria literalmente ao virar da esquina. ", disse o jornalista. "A única coisa que falta, na verdade, é que a delegação chinesa vá a Riad e diga: 'Ok, a partir de agora, tudo será feito em yuan, não haverá mais moedas ocidentais'. E já temos um mecanismo para isso. Escrevi um artigo sobre isso, explicando que é um mecanismo muito simples. »


« Você compra futuros de petróleo na Bolsa de Valores de Xangai, cujo preço é definido em yuan. Então, a partir de agora, você tem uma nova referência, uma referência de petróleo em yuan que você negocia em Xangai. Os chineses dizem: "Olha, também está relacionado ao ouro. Quer transformar o yuan em ouro? É simples. Temos uma bolsa de ouro em Xangai e outra em Hong Kong. Você pode trocar o que quiser por ouro." Essa é a solução. É extremamente simples. Mas poucas pessoas se dão conta disso. Apenas alguns economistas, na verdade. E eu não vi essa discussão na media americana, aliás", continua Escobar.

Isso não significa que o dólar será substituído pelo yuan: pelo contrário, é todo um conjunto de moedas que serão usadas para aniquilar a hegemonia do dólar, segundo o analista geopolítico.

« Acho que vamos começar por ter várias substituições, e talvez então essas organizações multilaterais comecem a pensar, ok, por que não pensar numa fusão? Porque temos prioridades diferentes", disse.

Pepe Escobar

fonte: Sputnik News

tradução Réseau International

 

Fonte: Encore une fois à propos de la « dédolarisation » du commerce international (P. Escobar) – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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