26 de Maio de
2023 Robert Bibeau
Por Dmitry Orlov – 18 de maio de 2023 –
Source Club Orlov
São cada vez mais as vozes ocidentais que sugerem que as conversações de paz na antiga Ucrânia podem ser uma boa ideia, o que indica que algumas pessoas podem ter ultrapassado a fase da negação (algumas sanções e a Rússia dobrar-se-á como um guarda-chuva) e da raiva (atirem todo o vosso dinheiro e armas ao regime de Kiev!) e estão a aproximar-se da fase da negociação (deixem a Rússia ficar com a Crimeia, mas devolvam o resto). Tal como nas fases anteriores, esta atitude baseia-se numa profunda incompreensão da situação actual. Não é assim tão difícil de explicar - para aqueles que estão preparados para lidar com novas informações - por isso vou tentar.
1. A ideia de
conversações de paz pressupõe um certo nível de confiança entre as duas partes.
Neste caso, simplesmente não há confiança, porque o Ocidente não cumpriu as
suas promessas. Quando a Rússia permitiu a reunificação da Alemanha, aceitou a
promessa de que a NATO não se expandiria para leste; mas foi exactamente isso
que a NATO fez, chegando mesmo às fronteiras da Rússia na Escandinávia e nos
Estados Bálticos, e continua a alimentar a fantasia de absorver o que resta da
Ucrânia. Em vez de permitir que os insurrectos de Donetsk derrotassem
rapidamente o regime de Kiev instalado pelos EUA em 2014, a Rússia concordou
com os acordos de Minsk, que o
regime de Kiev ignorou completamente, e depois os líderes da Alemanha e da
França que assinaram os acordos admitiram que eram apenas tácticas dilatórias
utilizadas para ganhar tempo para armar e treinar o lado ucraniano. E, por uma
questão de brevidade, saltemos as muitas promessas não cumpridas pelos Estados
Unidos. Tudo isto permitiu à Rússia classificar a Ucrânia como "sem capacidade de acordo"
(недоговороспособные). A UE e a ONU são igualmente indignas de confiança.
Veja-se o exemplo do acordo sobre os cereais. O acordo envolvia um quid pro
quo: as exportações de cereais ucranianas seriam desbloqueadas em troca da
autorização de certas exportações russas. A Rússia honrou a sua parte do
acordo, mas o resto foi ignorado. As conversações seriam, portanto, em vão,
porque não pode haver um acordo de paz se não houver confiança - e não há
confiança.
2. A ideia de conversações de paz pressupõe a existência de uma guerra, mas
não há guerra. Trata-se de uma operação militar especial contra terroristas e
criminosos de guerra que, durante oito anos, bombardearam a população civil
russa, violaram os direitos dos russos de múltiplas formas e depois planearam
um ataque total à Rússia que o exército russo impediu. Não houve qualquer
declaração de guerra nem ruptura das relações diplomáticas: a embaixada
ucraniana em Moscovo continua aberta, tal como a embaixada russa em Kiev. A
Rússia permite que os titulares de passaportes ucranianos entrem no país sem
visto e oferece-lhes uma via simplificada para obterem a cidadania russa. A
Rússia considera que os russos e os ucranianos são o mesmo povo e têm os mesmos
direitos, mas que o Estado ucraniano perdeu os seus direitos de soberania ao
abrigo do direito internacional por ter violado os direitos das pessoas que se
identificam como russas, que optam por falar russo e que prestam culto nas
catedrais e igrejas ortodoxas russas. A operação militar especial não pode ser
considerada completa enquanto todos os terroristas e criminosos de guerra da
antiga Ucrânia não tiverem sido mortos ou levados à justiça e o território da
antiga Ucrânia não tiver sido totalmente desmilitarizado, e nada disto é
negociável.
3. A ideia de conversações de paz pressupõe uma proposta razoável de partida. Um exemplo de proposta não razoável é aquela que oferece à outra parte algo que ela não quer, como o levantamento das sanções americanas e europeias que são, na opinião da Rússia, unilaterais e, por conseguinte, ilegais e que, de qualquer modo, prejudicam muito mais a UE do que a Rússia. Outro exemplo de fracasso é a exigência de que a Rússia ceda parte do seu território soberano. Nos termos da Constituição russa, a Crimeia, a República Popular de Donetsk, a República Popular de Lugansk e as regiões de Zaporozhye e Kherson fazem actualmente parte da Federação Russa, com base nos seus direitos internacionalmente reconhecidos de autodeterminação e nos resultados de um referendo público, e qualquer apelo público à sua separação é um crime ao abrigo da legislação russa. Sugerir que os funcionários russos estão a cometer traição não é uma boa maneira de iniciar negociações.
4. A ideia de conversações de paz pressupõe um mínimo de respeito mútuo entre as partes envolvidas na negociação. No entanto, se pegarmos em qualquer dos muitos artigos sobre a Rússia publicados nos EUA ou na UE, substituirmos simplesmente "russos" e "russo" por "judeus" e "judeu" e publicarmos o resultado, em breve nos encontraremos na prisão por um crime de ódio. A russofobia, que grassa no Ocidente, não é diferente do anti-semitismo ou do racismo em geral. Porque é que as autoridades russas querem dar ouvidos a pessoas tão repreensíveis e desprezíveis?
5. A ideia de conversações de paz pressupõe que ambas as partes em conflito têm algo a ganhar. Mas o que é que a Rússia tem a ganhar com uma cessação prematura das hostilidades, antes de ter atingido plenamente os objectivos de desmilitarização, desnazificação e neutralidade da Ucrânia, que são os objectivos declarados da sua operação militar especial? Além disso, estes não são os únicos objectivos que a Rússia pretende alcançar: alguns meses antes do início da operação, a Rússia pediu aos Estados Unidos e à NATO que cumprissem as suas promessas e honrassem os seus compromissos em termos de segurança colectiva, em particular, fazendo regressar a expansão da NATO às suas posições de 1997 e retirando as tropas estrangeiras e as armas ofensivas da Europa Oriental. Além disso, a operação militar especial centrou a atenção do mundo em tarefas essenciais: a desdolarização, a organização da segurança colectiva em torno de organizações alternativas como os BRICS e a SCO (cuja adesão está a aumentar rapidamente), que giram em torno da China como força económica e da Rússia como potência militar e garante de segurança, e a conclusão da descolonização em África, na América Latina, na Ásia e nas antigas repúblicas soviéticas. Todas estas tarefas estão ainda inacabadas e precisam de mais tempo.
6. A ideia de conversações de paz pressupõe que as duas partes em conflito estejam pressionadas pelo tempo. Mas a Rússia não tem pressa nenhuma. A Rússia afectou entre 10 e 15% das suas forças armadas à operação militar especial. Não instituiu uma convocação das forças armadas em tempo de guerra e contentou-se em chamar ao serviço activo uma pequena fracção de reservistas e em aceitar alguns voluntários. A sua economia não se encontra em estado de guerra e está a evoluir muito bem, prevendo-se a retoma do crescimento ainda este ano. A Rússia aproveitou o conflito para testar as suas armas e tácticas em confronto directo com a NATO (que comanda em grande parte as forças ucranianas), para actualizar os seus sistemas de armamento e para desenvolver novas armas e tácticas, nomeadamente no domínio da defesa aérea, da guerra por drones e da guerra radioelectrónica. Além disso, este conflito deu à Rússia a oportunidade de se livrar dos seus inimigos internos, muitos dos quais optaram por deixar a Rússia voluntariamente. A Rússia já recuperou uma série de territórios historicamente russos e, à medida que a operação militar especial prossegue, deverá conquistar outros, aumentando o seu poder geopolítico e o seu potencial económico. Em suma, para a Rússia, os benefícios da operação militar especial ultrapassam de longe os custos, e está longe de ter acabado de colher esses benefícios.
7. A ideia de conversações de paz pressupõe que nenhum dos lados do conflito vê uma via relativamente fácil e de baixo risco para a vitória absoluta, mas a Rússia vê exactamente essa via. O Ocidente colectivo feriu-se gravemente ao impor milhares e milhares de sanções à Rússia. Mais importante ainda, a UE no seu conjunto, e a Alemanha em particular, destruíram a base da sua prosperidade económica, nomeadamente a energia barata fornecida pela Rússia, e, consequentemente, entraram num ciclo de crise económica do qual sairão demasiado fracos para fazer frente à Rússia. Do outro lado do oceano, os Estados Unidos são, do ponto de vista económico, um homem morto. O seu último vestígio de poder económico baseia-se no petróleo de xisto, que atingiu o seu pico e está prestes a diminuir rapidamente. O seu tesouro e o seu sistema bancário estão à beira do colapso, à medida que o mundo abandona progressivamente o dólar americano. O país é governado por um presidente fantoche senil, cujo vice-presidente é um idiota risonho. O país está a braços com uma guerra civil nascente, que está destinada a eclodir à medida que o colapso financeiro continua e as condições económicas pioram. Perante estes desenvolvimentos, os EUA poderão deixar de estar na corrida, as bases militares americanas em todo o mundo deixarão de funcionar, a UE e a NATO dissolver-se-ão e os europeus e outras antigas nações vassalas dos EUA substituirão os seus líderes fantoches americanos por conservadores patriotas e restabelecerão relações bilaterais com a Rússia. A Rússia pode ter sabido o que queria no início da operação militar especial, mas o que poderá vir a conseguir no final pode estar para além dos sonhos mais loucos dos seus líderes.
8. A ideia de conversações de paz pressupõe que ambas as partes receiam ser
arrastadas para um conflito mais alargado e vêem as conversações de paz como um
meio de o evitar e de limitar os danos. No entanto, do ponto de vista da
Rússia, a operação militar especial é auto-limitada: À parte os actos
esporádicos de terrorismo ucraniano, o conflito está confinado à linha da
frente de 1000 km que atravessa o antigo leste da Ucrânia; os nacionalistas
ucranianos estão a ser destruídos a um ritmo furioso, com mil homens por dia e
um rácio de baixas muito favorável aos russos, da ordem dos 10 para 1; Com a sua nova geração de armas
hipersónicas, contra as quais a NATO e os Estados Unidos não dispõem de
contramedidas, a Rússia domina totalmente a escalada, de modo que os
comandantes dos EUA e da NATO vivem com um medo abjecto de terem de se
confrontar directamente com a Rússia.
Nesta fase, o maior risco para a Rússia é que o exército ucraniano se renda, que os seus apoiantes ocidentais se afastem vergonhosamente e que tudo o que reste seja uma Uk-ruína que os russos terão de gerir sozinhos, mantendo a ordem e alimentando uma população miserável mas hostil. Para evitar este cenário, os russos estão a fazer um verdadeiro teatro da vergonha, fingindo fraqueza para reforçar o moral das forças ucranianas e encorajá-las a continuar a lutar e, idealmente, a lançar uma contra-ofensiva, pois será muito mais fácil para os russos dizimá-las. O recente vídeo histérico de Evgeny Prigogin, com soldados mortos a queixarem-se da falta de munições, é um excelente exemplo disso. Como chefe da Wagner, uma empresa militar privada, pode comportar-se vergonhosamente em frente às câmaras sem manchar a honra do exército russo, e os propagandistas do Kremlin tiram o máximo partido deste conveniente acordo.
Mas, no final, a Rússia
será muito provavelmente forçada a aceitar o que, ao longo da história, tem
sido o fim normal e esperado de um conflito armado: capitulação e rendição
incondicional. Parece que o mundo esgotou finalmente os idiotas que querem
assinar tratados de paz com o Ocidente.
Dmitry Orlov
O livro de
Dmitry Orlov é uma das obras fundadoras dessa nova
"disciplina" que agora designamos por: "colapsologia", ou
seja, o estudo do colapso das sociedades ou civilizações.
Acaba de ser republicado pela Cultures &
Racines.
Ele também acaba de
publicar o seu último livro, The Arctic Fox
Cometh.
Traduzido por Hervé, revisto por Wayan, para o Saker Francophone
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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