20 de Março de 2024 Equipa editorial
A própria ideia de comunismo nunca foi tão depreciada como actualmente, sobretudo no Ocidente.
No entanto, não é isso que acontece sistematicamente em muitas outras partes do mundo, a começar por aquelas que assistiram à instauração de regimes políticos que se reclamavam comunistas e que, numa grande potência como a China, ainda se reclamam comunistas...
A maioria desses países, a começar pela URSS, também reivindicou o marxismo-leninismo como a ideologia fundadora do movimento comunista moderno em geral e do Partido Comunista em particular.
No entanto, actualmente, embora tenham sobrevivido muito poucos partidos comunistas importantes, a maioria deles renunciou ao marxismo-leninismo, geralmente de forma muito oficial.
Não é o caso do Partido Comunista Chinês, que durante algum tempo chegou a pretender acrescentar uma extensão "maoísta" ao marxismo-leninismo.
Um partido que não só desempenha o papel essencial de liderança na China, mas que, consequentemente, influencia o equilíbrio de poder entre as potências mundiais e todas as forças políticas que aí se exprimem. [É importante salientar que a China nunca foi um país socialista e que o maoísmo é uma revisão pequeno-burguesa do marxismo-leninismo.]
Por isso, é extremamente importante definir o que entendemos por marxismo-leninismo! Isto significa, entre outras coisas, definir a natureza económica e social, a natureza de classe, burguesa ou proletária, da segunda potência mundial. E, portanto, situar o papel da sua influência nas lutas económicas, políticas, sociais e ideológicas de hoje!
É evidente que os conceitos ideológicos desenvolvidos por este partido são promovidos utilizando todos os meios de influência, comunicação e propaganda desta grande potência. Não necessariamente com o objectivo de fazer proselitismo de primeiro grau, mas com o objectivo de difundir a sua influência nos meios políticos, culturais e económicos dos países que têm relações com a China.
Esta influência chinesa é um dos vectores através dos quais, sob diversas formas, se está a reavivar a ideia de que o marxismo-leninismo não se tornou realmente uma ideologia obsoleta.
Além disso, com a crise de 2008 e também com o problema da robotização da indústria, as análises e previsões perspicazes desenvolvidas por Karl Marx há um século e meio voltaram à ribalta.
Uma grande parte da intelligentsia da esquerda ocidental sentiu-se, portanto, inclinada a referir-se de novo ao marxismo e, com a influência "atractiva" do poder económico da China, houve quem se referisse de novo ao leninismo para, de certa forma, e de mais do que uma maneira, "beneficiar dessa influência"!
Mas o objectivo deste artigo não é fazer uma triagem sistemática destas diferentes "influências", mas sim regressar aos fundamentos do marxismo-leninismo e deixar o leitor julgar por si próprio a realidade das coisas.
Também não se trata de partir de um preconceito dogmático segundo o qual tudo o que Marx e Lenine disseram seriam verdades eternas e intangíveis.
Como vimos, se estas ideias estão a
recuperar influência, é porque continuam a ser instrumentos operacionais para
compreender o mundo de hoje e as dificuldades que enfrenta.
No entanto, traçar a fronteira entre o que é operacional e o que pode ser efectivamente obsoleto, numa obra tão vasta, não é tarefa fácil e só pode ser feita à medida que a ferramenta se confronta com o material económico, social e político a tratar.
E esta não é mais do que uma tentativa de abordagem sumária. Limitar-nos-emos, pois, ao que estes dois autores consideraram fundamental e trans-histórico nas suas obras. Obviamente, esta abordagem parece-nos validada pelos vários estudos, investigações e análises já efectuados e que, ao longo dos anos, têm comprovado a validade desses mesmos fundamentos.
Por outras palavras, a constatação de base é que ninguém é obrigado a afirmar-se marxista-leninista, mas quem o faz não pode eximir-se de procurar validar os seus escritos, trabalhos e proclamações várias com a bitola destes fundamentos!
A honestidade exige que as palavras tenham um significado, sobretudo, e de preferência, quando se trata de comunicação política!
Como veremos, a questão não é assim tão complicada e as linhas de demarcação serão muito rapidamente visíveis para o leitor e permitir-lhe-ão, se souber compreender as interacções entre os diferentes aspectos da questão, forjar a sua própria abordagem, a sua própria avaliação.
Parte 1:
O nome Marx e o conceito de marxismo são, antes de mais, culturalmente identificados com o conceito de luta social, de luta de classes... Uma das razões para isso decorre, obviamente, do Manifesto Comunista, que, já em 1847, começava com esta famosa frase:
“A história de toda a sociedade até hoje tem sido apenas a história da luta de classes. »
Mas mais importante do que a luta em si é
o objectivo da luta, que ele esclareceria alguns anos depois:
“Agora, no que me diz respeito, não é para mim que cabe o mérito de ter descoberto a existência de classes na sociedade moderna, nem a luta que aí travam. Os historiadores burgueses tinham exposto muito antes de mim a evolução histórica desta luta de classes e os economistas burgueses tinham descrito a sua anatomia económica. O que eu trouxe de novidade é:
1.
1. demonstrar
que a existência de classes está ligada apenas a fases históricas específicas
do desenvolvimento da produção;
2. que a
luta de classes conduz necessariamente à ditadura
do proletariado;
3. que
esta ditadura em si representa apenas uma transição para a
abolição de todas as classes e para uma sociedade
sem classes. »
__K. Marx, Carta a J. Weydemeyer , 5 de Março de 1852
O conceito de ditadura do proletariado é
obviamente a palavra que irrita as pessoas, que bloqueia o caminho e que remete
para a imagem desastrosa que a burguesia conseguiu forjar do comunismo em geral
e do marxismo-leninismo em particular. O facto é que nenhum dos países que o
referiram ou ainda o referem fez realmente a transição para uma sociedade sem
classes.
No entanto, a evidência e o senso comum
indicam que uma transformação para uma sociedade sem classes, ou mesmo
apenas com um nivelamento real das diferenças de classe, não pode ter lugar sem
uma transição.
O facto de a classe proletária revolucionária ter de se organizar como uma classe capaz de impor essa transformação à velha classe dominante e aos seus fanáticos de todas as ordens e funções é também um facto óbvio, e também um facto que irrita as pessoas...
Para o momento histórico que ainda estamos
a viver, é portanto o grau de transformação e a natureza das mudanças ocorridas
que constituem o critério de avaliação, se o processo não estiver concluído.
O objetivo deste artigo não é, obviamente,
fornecer uma visão comparativa das várias tentativas, mas sim dar ao leitor as
chaves, as ferramentas essenciais que lhe permitirão fazer a sua própria
avaliação.
É, pois, particularmente importante, ou
mesmo essencial, compreender o que Marx e Lenine entendiam por "fase de
transição", mas o conceito de ditadura do proletariado não pode ser
ignorado:
"Entre a
sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação
revolucionária da primeira na segunda. A
este corresponde um período de transição política em que o Estado não pode ser
outra coisa senão a ditadura revolucionária do proletariado".
___K. Marx, 1875, CRITIQUE DU PROGRAMME DE GOTHA.
"O essencial na doutrina de Marx é a
luta de classes. É isso que as pessoas dizem e é isso que escrevem muitas
vezes. Mas é inexacto. E, desta inexactidão, resultam frequentemente
deformações oportunistas do marxismo, falsificações que tendem a torná-lo
aceitável para a burguesia. Porque a doutrina da luta de classes não foi
criada por Marx, mas pela burguesia antes de Marx; e é, em geral,
aceitável para a burguesia. Qualquer pessoa que reconheça apenas a
luta de classes não é marxista; pode ser que ainda não esteja fora do quadro do
pensamento burguês e da política burguesa. Limitar o marxismo à doutrina da
luta de classes é truncá-lo, distorcê-lo, reduzi-lo ao que é aceitável para a
burguesia. Só é marxista aquele que estende o reconhecimento da
luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado. É
isto que distingue fundamentalmente o marxista do pequeno (e também do grande)
burguês vulgar. É com esta pedra de toque que a compreensão e o reconhecimento efectivos
do marxismo devem ser testados".
Lenine, 1917, O Estado e a Revolução, Cap. II.
O objectivo da transição, a realização
de uma sociedade sem classes, não pode ser alcançado sem a abolição do
capitalismo, e esse é o objectivo fundamental da transição. É evidente que
uma sociedade de transição só começa com a ruptura com o capitalismo. É um
processo que visa reduzir, o mais rápida e completamente possível, o
capitalismo, isto é, o domínio do capital e do capitalista sobre a sociedade,
até ao seu desaparecimento, como função económica e como classe social.
Qual é o processo de ruptura anti-capitalista
empreendido e qual é o nível do seu desenvolvimento é o que permite distinguir
entre o que é o socialismo e o que não é, como fase de transição e primeira
fase do comunismo, e portanto qual deve ser o conteúdo caraterístico da
ditadura do proletariado.
Obviamente, o grau de transformação de uma sociedade só pode ser avaliado com base numa avaliação da situação no início da transformação revolucionária. E, tão obviamente quanto isso, é apenas com base numa compreensão profunda dessa situação que podemos imaginar as transformações apropriadas. É por isso que a obra de Marx se baseia essencialmente nessa compreensão. É por isso que, ainda hoje, O Capital é considerado a obra maior de Marx, que é de facto o principal objectivo que ele estabeleceu para a sua obra, com vista à transformação revolucionária.
Mas isto é também claramente o que distingue o marxista-leninista do economista burguês. Enquanto prosseguia este importante trabalho de decifração do sistema económico capitalista, Marx permaneceu atento às mais pequenas formas possíveis de o proletariado começar a empreender uma transformação revolucionária e abolir este sistema.
O mesmo não se pode dizer do economista burguês que tenta utilizar a impressionante quantidade de conhecimentos económicos contidos nesta obra para os seus próprios fins capitalistas. A propensão de alguns economistas para utilizarem a obra desta forma leva-os ainda muitas vezes a declararem-se "marxistas", para darem a si próprios um semblante comunicativo "progressista", ou por vezes "marxianos", para não incomodarem os seus pares liberais duplíces...
Com a evolução actual do capitalismo, e não apenas devido ao seu desenvolvimento sobre as ruínas dos antigos países socialistas, mas também devido à sobrevivência da sua influência ideológica em certos países, é a própria ideologia marxista-leninista que é muitas vezes vítima do mesmo processo de referência abusiva, para fins completamente contrários aos seus objectivos iniciais e reais.
Ambas as abordagens ideológicas, sejam elas pseudo-"marxistas"/"marxianas" ou pseudo-"marxistas-leninistas", são no entanto profundamente da mesma natureza de classe, burguesa e reaccionária, e, em termos de fundamentos, da ordem do revisionismo.
No entanto, continua a ser importante e mesmo fundamental, para o marxista-leninista contemporâneo, compreender os processos pelos quais o capital se acumula e porque é que, apesar da viragem exponencial que esta acumulação tem tomado nas últimas décadas, não só nenhum dos dos problemas económicos, sociais e ecológicos com que o mundo se confronta hoje não estão em vias de resolução, como também porque é que a "solução" temporária, precária e mais aparente do que real de uma fase de crise aguda é apenas o prelúdio de outra fase de crise aguda, e muito provavelmente ainda pior, na opinião dos próprios "especialistas" burgueses!
Estes
processos de acumulação exponencial, que são quase universais em todo o planeta
e que se acentuaram ainda mais com os processos de mundialização, são, no
entanto, altamente desiguais entre si, entre nações e entre regiões do globo.
Dão origem a lutas ferozes e mesmo sistematicamente implacáveis entre nações,
grupos de nações e centros de interesse financeiro.
Isto pode parecer um truísmo e uma evidência que não vale a pena repetir,
a não ser que se considere precisamente de onde provém a riqueza das nações
emergentes, as potências em ascensão em comparação com as que estão em
declínio: é o seu desenvolvimento económico que é a fonte dessa riqueza, e
baseia-se essencialmente no desenvolvimento da sua indústria e, portanto, no
trabalho do proletariado industrial.
Hoje, tal como no passado, e mesmo tendo em conta todos os avanços da tecnologia e da robotização, é o trabalho humano, e em particular o trabalho do proletariado industrial, que continua a ser a fonte essencial da riqueza e do poder das nações. E, portanto, na realidade, no sistema actual, a acumulação de capital!
Desta forma, um facto óbvio trivial,
amplamente divulgado nos meios de comunicação social por economistas e
ideólogos burgueses e pequeno-burgueses, esconde outro facto muito mais
fundamental.
O processo de acumulação de capital pelo
trabalho é, portanto, de facto e nem mais nem menos, o processo de
monopolização da mais-valia criada pelo trabalho do proletário.
Esta mais-valia é, ela própria, uma parte
do valor mundial criado pelo trabalho, para além do trabalho já acumulado nos
meios de produção e da parte do trabalho remunerada sob a forma de salário e
equivalente ao necessário para a reprodução da força de trabalho do proletário.
Este salário é, portanto, o valor de troca
pelo qual o capitalista se apropria da força de trabalho do proletário,
enquanto a mais-valia resulta da diferença em relação ao produto total desta
força de trabalho, que é o seu valor de uso, totalmente adquirido pelo
capitalista através do contrato de trabalho, seja ele escrito ou de facto,
através de um simples compromisso oral.
Esta diferença é, portanto, um efeito concreto das leis económicas do capitalismo, tal como observadas, analisadas e decifradas por Marx.
E,
acima de tudo, a lei do valor. A lei do valor é a principal lei económica
subjacente ao estudo dos processos económicos de Marx. É aquela que ele próprio
colocou na base da sua obra principal, O Capital, logo no capítulo 1 do livro
I.
É, portanto, impossível, na realidade, intitular-se marxista, ou mesmo
referir-se ao marxismo, sem um conhecimento suficiente desta lei, sem um estudo
sério dos primeiros capítulos de O Capital. Do mesmo modo, em relação a esta
lei, o conceito de mais-valia não pode ser compreendido sem um estudo
suficiente das passagens da obra de Marx que o desenvolvem.
Com os meios modernos, a obra de Marx é actualmente de livre acesso, e
uma leitura temática é particularmente simplificada por esses meios. Não se
trata, portanto, de fazer um resumo, o que seria inútil, mas apenas de indicar
os principais temas de leitura que podem orientar a pesquisa do principiante.
O que era possível aos activistas auto-didactas do trabalho há mais de um
século, é-o ainda mais hoje.
Como podemos ver aqui, desde as primeiras páginas deste modesto artigo introdutório, já são visíveis várias linhas de demarcação entre o que permite a alguém considerar-se marxista ou não, entre os pseudo-"marxistas", oportunistas e revisionistas, na realidade, e os marxistas-leninistas verdadeiramente revolucionários.
Mas este ainda não é o ponto essencial, que é obviamente o conteúdo revolucionário que queremos dar à fase de transição, à ditadura do proletariado.
Marx, necessariamente, pouco disse sobre os princípios económicos da fase de transição. De facto, enquanto teve oito séculos de desenvolvimento da sociedade burguesa para estudar, desde a sua emergência sob o feudalismo, não teve sequer um século de emergência e desenvolvimento do movimento operário para estudar, e no máximo algumas semanas, com a Comuna de Paris, de esboço de uma alternativa ao capitalismo.
No entanto, não se pode dizer que tenha evitado o tema sempre que se viu confrontado com ele, e a sua obra mais caraterística sobre o assunto é certamente a Crítica ao Programa de Gotha, na qual expõe as suas ideias sobre o tema, como contraproposta ao projecto de programa do Partido Social-Democrata Alemão.
Nela, expõe princípios económicos que são um prolongamento directo dos que foram expostos em relação à lei do valor como base da sua obra principal, a partir do capítulo 1 do livro I de O Capital. Não podemos, pois, censurar-lhe a falta de coerência sobre este tema essencial, apesar do número reduzido de ocorrências, aliás, no conjunto da sua obra.
Mas, para além disso, e independentemente do espaçamento no tempo dessas várias ocorrências, ou mesmo, melhor dizendo, por causa desse mesmo espaçamento, o que também é notável é a grande coerência entre essas mesmas ocorrências.
E isto é verdade desde o início da concepção da sua obra maior, parte da base da qual é geralmente considerada como o texto conhecido como Grundrisse, em 1857-58. No célebre "Fragmento sobre as máquinas", Marx aborda a questão da relação entre o capital, o trabalho e o tempo livre, um tema surpreendentemente, mas logicamente, muito actual...
"O capital acrescenta isto, que aumenta o tempo de sobre-trabalho das massas por todos os meios da arte e da ciência, porque a sua riqueza consiste directamente na apropriação do tempo de sobre-trabalho; dado que o seu objectivo é directamente o valor, e não o valor de uso. Contribui assim, apesar de si mesma, activamente para a criação dos meios de tempo social disponível, tendendo a reduzir o tempo de trabalho de toda a sociedade a um mínimo decrescente e libertando assim o tempo de cada um para o seu próprio desenvolvimento. Mas a sua tendência é sempre, por um lado, a de criar tempo disponível e, por outro, a de o converter em trabalho excedentário.
Se for demasiado bem sucedida no primeiro empreendimento, sofre então de sobreprodução e o trabalho necessário é interrompido porque o trabalho excedente não pode ser valorizado pelo capital. Quanto mais esta contradição se desenvolve, mais se torna claro que o crescimento das forças produtivas já não pode estar ligado à apropriação de trabalho excedente de outros, mas que tem de ser a própria massa trabalhadora a apropriar-se do seu trabalho excedente. Quando o tiver feito - e quando, em consequência, o tempo disponível deixar de ter uma existência contraditória - então, por um lado, o tempo de trabalho necessário terá a sua medida nas necessidades do indivíduo social, por outro lado, o desenvolvimento da força produtiva social crescerá tão rapidamente que, embora a produção passe a ser calculada para a riqueza de todos, o tempo disponível para todos aumentará. Porque a verdadeira riqueza é a força produtiva desenvolvida de todos os indivíduos. Já não é o tempo de trabalho, mas o tempo disponível que é a medida da riqueza.
Em poucas linhas, dá-nos as grandes linhas
da evolução da lei do valor ao longo das grandes fases da história moderna,
desde o fim do capitalismo até ao nascimento do comunismo na sua fase mais
elevada, e resume assim, da forma mais precisa e adequada, o que é o próprio
princípio de uma economia de transição, especificando mesmo os seus dois
grandes aspectos: a reapropriação colectiva da mais-valia (trabalho excedente)
e o equilíbrio das trocas entre o tempo de trabalho e as necessidades sociais.
São estas duas ideias, indissoluvelmente
ligadas entre si, que definem o que é uma economia de transição, qualquer que
seja a sua forma concreta, e que ele retomará e desenvolverá, dezoito anos mais
tarde, na sua Crítica do Programa de Gotha.
Neste desenvolvimento, a forma concreta é evidentemente muito mais pormenorizada, em função do contexto da época, e certos aspectos, como a forma "vale-trabalho", podem parecer obsoletos, mas o que importa é o princípio de base, idêntico ao esboçado nos Grundrisse, que combina a base comum da colectivização do trabalho excedente (mais-valia) e a distribuição individual segundo o quantum de trabalho (valor-trabalho), directamente assente numa reutilização socializada da lei do valor, tal como definida na base do Capital.
"Se começarmos por tomar a palavra
"produto do trabalho"(Arbeitsertrag) no sentido de um objecto
criado pelo trabalho(Produkt der Arbeit), então o produto do trabalho da
comunidade é "a totalidade do produto social " (das
gesellschaftliche Gesamtprodukt).
A este produto deve ser subtraído :
Primeiro : um fundo para
substituir os meios de produção desgastados;
Segundo: uma fração adicional para aumentar a produção;
Em terceiro lugar : um fundo de reserva
ou de seguro contra acidentes, perturbações devidas a fenómenos naturais, etc.
Estas deduções ao "produto integral
do trabalho" são uma necessidade económica, cuja extensão será determinada
em parte, tendo em conta o estado dos meios e das forças envolvidas, pelo
cálculo de probabilidades; em qualquer caso, não podem ser calculadas de forma
alguma com base na equidade.
Resta a outra parte do produto total, destinada ao consumo.
No entanto, antes de proceder à afectação
individual, é necessário subtrair :
Em primeiro lugar: os custos administrativos gerais, que são
independentes da produção.
Em comparação com o que acontece na
sociedade actual, esta fracção é reduzida ao mínimo desde o início, e diminui à
medida que a nova sociedade se desenvolve.
Em segundo lugar: o que se destina a satisfazer as necessidades da comunidade: escolas, instalações sanitárias, etc. Esta fracção
ganha importância desde o início.
Esta fracção é imediatamente mais
importante do que na sociedade actual, e a sua importância aumenta à medida que
a nova sociedade se desenvolve.
Terceiro: os fundos necessários para a manutenção dos que não
podem trabalhar, etc., em suma, aquilo a que chamamos actualmente
assistência pública oficial.
É apenas neste ponto que chegamos à única "partilha" que, sob a influência de Lassalle e de forma limitada, o programa tem em mente, ou seja, aquela fracção de bens de consumo que é partilhada individualmente entre os produtores da comunidade.
O "produto integral do trabalho"
já foi metamorfoseado em "produto parcial", embora o que é retirado
ao produtor enquanto indivíduo seja recuperado, directa ou indirectamente,
enquanto membro da sociedade.
Tal como desapareceu a expressão
"produto integral do trabalho", assistiremos ao desaparecimento da
expressão "produto do trabalho" em geral.
No seio de uma ordem social comunitária,
fundada na propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocam os
seus produtos; nem o trabalho incorporado nos produtos
aparece aqui como valor desses produtos, como qualidade real que eles possuem,
pois doravante, ao contrário do que acontece na sociedade capitalista, já não é
por desvio, mas directamente, que o trabalho do indivíduo se torna parte
integrante do trabalho da comunidade. A expressão "produto do
trabalho", condenada ainda hoje devido à sua ambiguidade, perde assim todo
o sentido.
Trata-se de uma sociedade comunista, não tal como se desenvolveu por si própria, mas, pelo contrário, tal como acaba de emergir da sociedade capitalista; uma sociedade, portanto, que em todos os aspectos, económicos, morais, intelectuais, traz ainda o estigma da velha sociedade de cujos flancos emergiu.
Assim, o produtor recebe individualmente -
depois de feitas as deduções - o equivalente exacto do que deu à sociedade. O
que ele deu é o seu quantum individual de trabalho. Por exemplo,
o dia de trabalho social representa a soma das horas de trabalho individual; o
tempo de trabalho individual de cada produtor é a parte que ele forneceu do dia
de trabalho social, a quota-parte que ele assumiu. Ele recebe da sociedade um
vale que indica que ele fez tanto trabalho (depois de deduzir o trabalho feito
para os fundos colectivos) e, com esse vale, ele retira dos stocks sociais de
objectos de consumo tanto quanto uma quantidade igual do seu trabalho custa. O
mesmo quantum de trabalho que ele forneceu à sociedade sob uma forma,
recebe dela, em troca, sob outra forma.
Trata-se claramente do mesmo princípio que
rege a troca de mercadorias, na medida em que se trata de uma troca de valores
iguais. A substância e a forma diferem porque, sendo as condições diferentes,
ninguém pode fornecer mais do que o seu trabalho e porque, por outro lado, nada
pode entrar na propriedade do indivíduo a não ser objectos de consumo
individual.
Mas quando se trata da partilha destes objectos entre produtores individuais, o princípio orientador é o mesmo que para a troca de mercadorias equivalentes: a mesma quantidade de trabalho numa forma é trocada pela mesma quantidade de trabalho noutra forma.
A
igualdade de direitos continua a existir em princípio... o direito burguês,
embora o princípio e a prática já não o tomem pelos cabelos, enquanto actualmente
a troca de equivalentes só existe para as mercadorias em média e não no caso
individual.
Apesar deste progresso, a igualdade de direitos está ainda sujeita a um limite burguês. O direito do produtor é proporcional ao trabalho que ele forneceu; a igualdade consiste aqui na utilização do TRABALHO como unidade de medida comum.
Mas um indivíduo é física ou moralmente superior a outro, e por isso fornece mais trabalho ao mesmo tempo, ou pode trabalhar mais horas; e para que o trabalho sirva de medida, a sua duração ou intensidade deve ser determinada, caso contrário deixaria de ser uma unidade. Este direito igual é um direito desigual para um trabalho desigual. Não reconhece nenhuma distinção de classe, porque todo o homem é apenas um trabalhador como qualquer outro; mas reconhece tacitamente a desigualdade dos dons individuais e, consequentemente, da capacidade de desempenho como privilégios naturais.
É
portanto, no seu conteúdo, um direito baseado na desigualdade, como todos os
direitos. Mas os indivíduos desiguais (e não seriam indivíduos distintos se não
fossem desiguais) só podem ser medidos segundo uma unidade comum na medida em
que são considerados do mesmo ponto de vista, na medida em que são considerados
apenas sob um aspeto específico; por exemplo, no caso presente, se forem
considerados apenas como trabalhadores e nada mais, e se tudo o resto
for ignorado. Por outro lado: um trabalhador é casado, o outro não; um tem mais
filhos do que o outro, e assim por diante. Com trabalho igual e, portanto,
participação igual no fundo social de consumo, um recebe mais do que o outro,
um é mais rico do que o outro, etc., etc. Para evitar todos estes
inconvenientes, o direito não deve ser igual, mas sim desigual.
Mas estes defeitos são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, uma vez que esta acaba de sair da sociedade capitalista, após um longo e doloroso parto. O direito nunca pode ser superior ao estado económico da sociedade e ao grau de civilização que lhe corresponde.
Numa fase superior da sociedade comunista,
quando a subordinação escravizante dos indivíduos à divisão do trabalho, e com
ela a oposição entre trabalho intelectual e trabalho manual, tiver desaparecido;
quando o trabalho não for apenas um meio de vida, mas se tornar ele próprio a
primeira necessidade vital ; quando, com o desenvolvimento múltiplo dos
indivíduos, as forças produtivas também tiverem aumentado e todas as fontes de
riqueza colectiva fluírem com abundância, só então o horizonte limitado do
direito burguês será definitivamente ultrapassado e a sociedade poderá escrever
nas suas bandeiras "De cada um segundo as suas capacidades, a cada um
segundo as suas necessidades! "
Em suma, o que resulta do princípio
económico marxista da transição é que a troca entre produtores permanece
formalmente "comercial", baseada no quantum de trabalho e, portanto,
em parte na lei do valor, mas que a noção de valor de troca é reduzida à noção
de distribuição de acordo com as necessidades sociais, tanto colectivas como
individuais, e já não está sujeita à lei da oferta e da procura, à lei do
mercado. É neste sentido que a economia de
transição deixa de ser uma economia de mercado para se tornar, precisamente,
uma economia socialista.
Em setembro de 1917, ou seja, muito
concreta e quase literalmente, nas vésperas da Revolução de Outubro, Lenine
referiu-se expressamente a este texto de Marx em "O Estado e a
Revolução" para definir a base económica do futuro Estado socialista
(capítulo V).
No entanto, a história ensina-nos que não
foi isso que aconteceu no terreno, mas sim quase quatro anos de guerra
"civil", na realidade essencialmente alimentada pelas potências
imperialistas ocidentais. Uma guerra que,
após a de 1914-1917 contra a Alemanha, completou a ruína da economia russa.
Nestas condições, só foi possível estabelecer uma forma ainda mais
rudimentar de socialismo, baseada essencialmente em requisições. A
guerra civil foi seguida de oito anos de NEP (Nova Economia Política), antes da
coletivização efectiva de todos os meios de produção.
A NEP incluía mais uma vez um sector económico comercial, sujeito à lei da oferta e da procura, e dizia essencialmente respeito ao sector agrícola. Embora as terras tenham sido totalmente nacionalizadas em Outubro de 17, a maior parte delas continuava a ser atribuída a agricultores individuais.
O sector económico socialista incluía a
maior parte da indústria, especialmente a indústria pesada, mas também um certo
número de explorações agrícolas colectivas estatais (Sovkhozes) e cooperativas
(Kolkhozes). As estações de máquinas-tractores, base da mecanização da agricultura
e da sinergia económica entre a indústria socialista e a agricultura, surgiam
já como iniciativa espontânea da interacção entre Sovkhozes/Kolkhozes/indústria
pesada.
O sector capitalista do Estado inclui
empresas económicas "mistas" com capital público e privado, incluindo
"joint ventures", concessões com capital parcialmente estrangeiro.
Quer sejam "mistas" ou
"privadas", as concessões estrangeiras nunca representarão mais do
que uma parte irrisória das forças produtivas, e já não existe qualquer forma
de capital financeiro na Rússia (não há bolsa de valores).
O capitalismo de Estado, no âmbito da NEP, representa apenas uma parte ultra-minoritária das forças produtivas e não pode de modo algum caracterizar a natureza de classe da União Soviética de então, onde o Estado proletário mantém o controlo dos preços e onde o sector socialista continua a ser dominante na indústria.
No entanto, a influência nefasta do
mercado continuou a ser significativa e, após uma melhoria do desenvolvimento
nos primeiros anos, conduziu a uma sucessão de crises, a "crise das
tesouras" e a "crise dos cereais", que voltaram a arruinar o
país e obrigaram ao fim da NEP em 1928. Foi o fracasso da NEP que esteve na
origem da crise, e não a colectivização, que, pelo contrário, a partir do
início dos anos 30, trouxe um novo desenvolvimento económico, exponencial e
duradouro, que permitiu parar os exércitos nazis às portas de Moscovo, doze
anos mais tarde!
Tanto a NEP como o período de colectivização,
mesmo que, devido aos constrangimentos das circunstâncias históricas, não
tenham podido seguir o princípio económico da transição stricto sensu, foram,
no entanto, duas formas concretas de economia de transição socialista.
Durante a década de 1920, na União
Soviética, houve uma controvérsia entre economistas sobre quais os princípios
económicos que deveriam ser aplicados e quais não deveriam.
A maioria deles, influenciados por ideias de esquerda, considerava que a lei do valor era obsoleta no sector socialista e, por conseguinte, recusava-se a tê-la em conta. Esta tendência manteve-se maioritária até ao início dos anos 50, contrariamente ao que se pensa.
Igualmente paradoxal é o facto de Trotsky,
apesar de se posicionar como líder da "Oposição de Esquerda", se ter
manifestado sempre a favor da influência do mercado sobre a economia, incluindo
o sector económico estatal "socialista", que teria assim deixado
de ser socialista... :
"A reorganização das relações
económicas com o campo era, sem dúvida, a tarefa mais urgente e mais espinhosa
da Nep. A experiência mostrou rapidamente que a própria indústria, embora
socializada, precisava dos métodos de cálculo monetário desenvolvidos pelo capitalismo.
O projecto não podia basear-se apenas na inteligência. A interacção da oferta e
da procura continua a ser para ele, e por muito tempo, a base material
indispensável e o correctivo salvador".
Leon Trotsky, A Revolução Traída,
1936
Igualmente em desacordo com a sabedoria convencional, foi Estaline quem, no final da década de 1930, tentou chamar os economistas soviéticos à razão, elaborando um manual de economia. Mas, mais uma vez devido à guerra, este projecto só voltou a ver a luz do dia no início dos anos 50 e este debate foi resumido em "Os Problemas Económicos do Socialismo na URSS", um texto que sintetiza os principais elementos, remetendo claramente para os princípios da Crítica do Programa de Gotha.
No
entanto, a partir de 1953, a contra-revolução de Khrushchev pôs fim a este
projecto de reforma revolucionária e introduziu reformas contra-revolucionárias
favoráveis ao renascimento da economia de mercado, nomeadamente através do
desmantelamento das Estações de Tractores-Máquinas, o que conduziu a uma nova
crise agrícola.
Na prática, portanto, o período socialista da URSS terminou em meados dos
anos cinquenta. A partir de Khrushchev, a URSS continuou a resistir ao
imperialismo norte-americano, mas numa base burocrática nacional-burguesa, e já
não numa base socialista.
Simultaneamente, a China de Mao Tse Tung também se estabeleceu como um Estado nacional burguês burocrático e pseudo-"socialista", baseado num modelo económico "comunista" (Comunas Populares), que foi ainda mais desastroso em termos económicos e sociais ("Grande Salto em Frente", 16,5 milhões de mortes oficialmente reconhecidas na China). A partir de 1972, Mao toma o partido do imperialismo americano e os dólares começam a entrar na China. Quase meio século de economia kollabo-comprador permitiu, no entanto, que a China se tornasse a segunda maior potência mundial, onde a URSS só precisou de uma dúzia de anos, mantendo-se independente e derrotando os nazis.
Segunda
maior economia do mundo, a China é também a segunda maior do mundo em termos de
capitalismo financeiro e, no entanto, não esconde a sua pretensão socialista e
mesmo marxista-leninista: uma "economia socialista de mercado", o
que, na prática, significa "capitalismo financeiro socialista", um
oximoro fácil de fazer sorrir, mas que esse mesmo poder financeiro e a sua
"influência benéfica" permitem facilmente "tornar-se credível"
para uma parte crescente da esquerda francesa, entre outros...
Parte
2:
Como
vimos na primeira parte da nossa apresentação,
o principal objectivo político do marxismo, tanto no tempo de Marx como no de Lenine, era a Revolução Proletária, isto é, a ruptura com o capitalismo através de uma fase de transição socialista baseada na ditadura do proletariado. Um termo que só tem realmente significado através de uma transformação radical das relações de produção e de todas as superestruturas da sociedade, de acordo com as necessidades sociais do proletariado e das classes populares no seu conjunto.
Mas como podemos ver, tanto em relação aos
EUA, que continuam a querer governar o mundo segundo os seus próprios
interesses, como em relação à China, que desafia essa liderança fazendo avançar
os seus próprios interesses económicos e financeiros por todo o lado, a
diferença entre o tempo de Marx e o nosso é o domínio exponencial do
capitalismo financeiro sobre a economia do planeta.
Desde o tempo de Lenine, o domínio do
capital financeiro tem sido associado à noção de imperialismo, outro
palavrão... embora não tão sujo como o conceito de ditadura do proletariado, em
que, na linguagem comum, cada partido pode usar o epíteto
"imperialista" para castigar o domínio do outro, tal como é comum
usar o epíteto "fascista" para descrever qualquer comportamento
minimamente autoritário...
Importa, pois, definir estas noções à luz
dos fundamentos do marxismo-leninismo, que são, aliás, uma das fontes
reconhecidas destas definições.
Lenine, retomando e sintetizando a obra de Hilferding, definiu a constituição do capital financeiro, no seu tempo, como uma consequência inevitável da formação dos monopólios, com o desenvolvimento das forças produtivas, e conduzindo inevitavelmente à constituição de uma oligarquia financeira:
1 "Uma parte cada vez maior do capital industrial", escreve Hilferding, "não pertence aos industriais que o utilizam. Estes últimos só têm acesso a ele através do banco, que representa para eles os proprietários desse capital. Por outro lado, o banco é obrigado a investir uma parte crescente do seu capital na indústria. Torna-se assim cada vez mais um capitalista industrial. A este capital bancário - ou seja, a este capital monetário - que se transforma assim em capital industrial, chamo "capital financeiro". "O capital financeiro é, portanto, o capital de que os bancos dispõem e que os industriais utilizam".
2. Esta definição é incompleta na medida em que omite um facto da maior importância, a saber, a concentração crescente da produção e do capital, na medida em que dá origem e já deu origem ao monopólio. Mas toda a exposição de Hilferding, em geral, e mais particularmente os dois capítulos que precedem aquele de onde retiramos esta definição, sublinham o papel dos monopólios capitalistas.
3. Concentração da produção com, como consequência, os monopólios; fusão ou interpenetração da banca e da indústria, ou seja, a história da formação do capital financeiro e o conteúdo desta noção.
4. Devemos agora mostrar como a "gestão" exercida pelos monopólios capitalistas se torna inevitavelmente, sob o regime geral da produção de mercadorias e da propriedade privada, o domínio: de uma oligarquia financeira."
Lenine, O imperialismo, etapa suprema do capitalismo
Capítulo III. O CAPITAL FINANCEIRO E A OLIGARQUIA FINANCEIRA
Embora o capital financeiro tenha obviamente assumido uma nova forma e um novo poder, já decuplicado no tempo de Lenine, não era um fenómeno novo em si mesmo, nem a sua influência na constituição de uma oligarquia.
Desde os primórdios do capitalismo, o capital financeiro desempenhou um papel essencial de charneira na intersecção do capital comercial e do capital bancário. Foi o que Marx observou sobre a acumulação primitiva do capital:
"Os vários métodos de acumulação primitiva que a era capitalista traz à existência são partilhados inicialmente, por ordem mais ou menos cronológica, por Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, até que esta última os combina a todos, no último terço do século XVII, num todo sistemático, abrangendo ao mesmo tempo o regime colonial, o crédito público, as finanças modernas e o sistema protecionista."
https://www.marxists.org/francais/marx/works/1867/Capital-I/kmcapI-31.htm
Marx já estava claramente consciente das origens antigas e mesmo medievais do capital financeiro:
"Com as dívidas públicas surgiu um sistema de crédito internacional que muitas vezes esconde uma das fontes da acumulação primitiva entre este ou aquele povo. Foi assim que, por exemplo, a rapina e a violência venezianas constituíram uma das bases da riqueza de capital da Holanda, à qual Veneza, em decadência, emprestou somas consideráveis. Por sua vez, a Holanda, tendo perdido a sua supremacia industrial e comercial no final do século XVII, foi obrigada a utilizar enormes quantidades de capital, emprestando-o ao estrangeiro e, de 1701 a 1776, especialmente à Inglaterra, a sua rival vitoriosa. O mesmo acontece actualmente com a Inglaterra e os Estados Unidos. O capital de manutenção, que hoje aparece nos Estados Unidos sem certidão de nascimento, não é mais do que o sangue de crianças de fábrica capitalizadas ontem em Inglaterra".
(...)
"O
sistema de crédito público, isto é, de dívida pública, para o qual Veneza e
Génova tinham lançado as bases na Idade Média, invadiu definitivamente a Europa
durante a era da manufactura. O sistema colonial, com o seu comércio marítimo e
as suas guerras comerciais, serviu-lhe de viveiro e instalou-se primeiro na
Holanda. A dívida pública, ou seja, a
alienação do Estado, seja ele despótico, constitucional ou republicano, é a
marca da era capitalista. A única parte da chamada riqueza nacional que
entra efectivamente na posse colectiva dos povos modernos é a sua dívida
pública. Por isso, não deve surpreender que a doutrina moderna seja a de que
quanto mais uma nação se endivida, mais rica se torna. O crédito público é o
credo do capital. Assim, a falta de fé na dívida pública toma o lugar do pecado
contra o Espírito Santo, outrora o único pecado imperdoável.
https://www.marxists.org/francais/marx/works/1867/Capital-I/kmcapI-31.ht
"Marx, Colete Amarelo", poderíamos ser tentados a exclamar... Se são, aliás, "marxistas", os nossos Gilets Jaunes são um pouco como o Sr. Jourdain, que escrevia prosa sem o saber e, portanto, sem incomodar verdadeiramente o "senhor burguês" que nos governa!
Em todo o caso, não é de um fenómeno totalmente novo que Lenine fala, mas de um salto qualitativo no seu papel económico e social.
Na segunda metade do século XX, com os trabalhos históricos do francês Fernand Braudel e de outros, foi possível traçar com maior precisão as origens históricas do capital financeiro, até à etimologia da própria palavra "Bolsa", numa praça de Bruges onde se situava a estalagem "Ter Buerse", nome da família proprietária, Van der Buerse. Este era obviamente o local de encontro para os negócios importantes da época (finais dos séculos XIII e XIV). Outros vestígios, ainda mais antigos (séc. XII), encontram-se em Paris, na "Grand Pont" da Île de la Cité, entretanto substituída pela Pont au Change, cujo nome continua a evocar as suas funções passadas.
O que Lenine refere, portanto, não é um fenómeno novo em si mesmo, mas é um fenómeno novo, com a criação de uma nova oligarquia financeira no seio da burguesia, que já se tinha tornado a classe dominante na maior parte dos países onde a revolução industrial teve lugar.
Foi com a revolução industrial, com a ascensão do capitalismo industrial produtivo, que a burguesia se tornou verdadeiramente uma classe dominante hegemónica, mas foi apenas durante as primeiras décadas desta revolução que o capitalista industrial parecia estar prestes a dominar verdadeiramente a sociedade.
O rápido progresso da técnica e a consequente racionalização dos processos de produção tornaram-se muito rapidamente uma questão de concorrência entre os capitalistas que conduziu não só à concentração da produção, mas também, em última análise, ao próprio monopólio, devido à necessidade dos gigantescos recursos financeiros que estes colocavam em jogo, inclusive e sobretudo para prosseguir o processo de "progresso técnico-concentração", e que excediam os gerados por cada industrial individual, por mais inventivo e criativo que fosse. É aqui que o capital-dinheiro, através do banqueiro, se substitui ao industrial e estabelece, até hoje, o domínio do banqueiro sobre o industrial.
Lenine resume-o com esta definição:
"Se tivéssemos de definir o imperialismo da forma mais breve possível, teríamos de dizer que é a fase monopolista do capitalismo. Esta definição abrangeria o essencial, pois, por um lado, o capital financeiro é o resultado da fusão do capital de alguns grandes bancos monopolistas com o capital de grupos monopolistas de industriais; e, por outro lado, a divisão do mundo é a transição da política colonial, que se estende sem entraves a regiões ainda não apropriadas por nenhuma potência capitalista, para a política colonial de posse monopolizada dos territórios de um globo inteiramente dividido.
Mas as definições demasiado curtas, embora convenientes porque resumem o essencial, são, no entanto, insuficientes se quisermos extrair as características muito importantes do fenómeno que pretendemos definir. Por isso, sem esquecer o carácter convencional e relativo de todas as definições em geral, que nunca podem abarcar as múltiplas ligações de um fenómeno em todo o seu desenvolvimento, devemos dar uma definição de imperialismo que englobe as cinco características fundamentais seguintes
1) a concentração da produção e do capital a tal ponto que criou monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida económica;
2) a fusão do capital bancário e do capital industrial, e a criação, com base neste "capital financeiro", de uma oligarquia financeira;
3) a exportação de capitais, ao contrário da exportação de mercadorias, assume uma importância particular;
4) a formação de uniões internacionais monopolistas de capitalistas que partilham o mundo, e
5) o fim da divisão territorial do globo entre as grandes potências capitalistas. O imperialismo é o capitalismo que atingiu uma fase de desenvolvimento em que se afirmou o domínio dos monopólios e do capital financeiro, em que a exportação de capitais adquiriu uma importância primordial, em que se iniciou a divisão do mundo entre os trusts internacionais e em que se completou a divisão de todo o território do globo entre os maiores países capitalistas."
Lenine O imperialismo, etapa suprema do capitalismo
Capítulo VII. O IMPERIALISMO, ETAPA PARTICULAR DO CAPITALISMO
Era, portanto, claro desde o tempo de
Lenine que a caraterística essencial do imperialismo era a exportação de
capital, e já não a exportação de mercadorias, ou mesmo o colonialismo em
primeiro grau:
"O que caracterizava o antigo
capitalismo, onde reinava a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo actual, onde
reinam os monopólios, é a exportação de capitais".
Lenine, O imperialismo, etapa suprema do
capitalismo
Capítulo IV. A EXPORTAÇÃO DE CAPITAIS
É claro que a base económica de uma nação
imperialista continua a ser o seu sector produtivo, o sector original do seu
desenvolvimento, e em particular através da exportação de produtos
manufacturados de alta tecnologia, mas há uma fase em que a rentabilidade do capital
exportado lhe permite continuar a dominar, mesmo com um défice comercial... E
isto é tanto mais compreensível quanto uma grande parte dos produtos importados
são, de alguma forma, o produto e o retorno, sob outra forma e para além dos
lucros, do capital exportado.
É o que acontece actualmente nos EUA, incluindo nas suas relações com a China, onde ainda mantém um grande número de investimentos, dos quais também provêm, em contrapartida, algumas das exportações chinesas que aumentam formalmente o défice comercial dos EUA.
Contudo, a China é hoje não só um exportador de produtos industriais de alta tecnologia, mas também, mundialmente, um exportador de capitais, tendo também estabelecido, não só com os EUA, mas com muitos outros países, sistemas de participações cruzadas, característicos da sua fase de desenvolvimento, e que a torna parte do concerto dissonante das nações imperialistas.
A sua fase de integração no mercado mundial, desde os acordos Mao-Nixon em 1972, seguiu exactamente o percurso descrito por Hobson no início do século, e retoma a citação de Lenine na sua obra de 1916, com a nuanceprévia de que os EUA tomaram a liderança imperialista da Europa, entretanto…. Resultando o intervalo do “parênteses” daà influência progressista da URSS, à qual Mao pôs fim muito rapidamente, uma vez no poder, a ponto de mudar abertamente para o campo imperialista na sequência da sua chamada “grande grande revolução cultural proletária”:
“ A perspectiva da divisão da
China provoca em Hobson a seguinte avaliação económica:
“Uma
grande parte da Europa Ocidental poderia então assumir a aparência e o carácter
que agora têm certas partes dos países que a compõem: o Sul da Inglaterra, a
Riviera, as regiões mais remotas da Itália e da Suíça frequentadas por turistas
e pessoas ricas – nomeadamente: pequenos grupos de aristocratas ricos que
recebem dividendos e pensões do Oriente distante, com um grupo um pouco maior
de empregados profissionais e comerciantes e um número maior de domésticas e operários
ocupados nos transportes e na indústria a trabalhar no acabamento de produtos
manufacturados. Quanto aos principais ramos da indústria, desapareceriam e
a grande massa de alimentos e produtos semi-acabados fluiria da Ásia e da
África como tributo. »
“ Estas
são as possibilidades que nos são oferecidas por uma aliança mais ampla de
Estados ocidentais, uma federação europeia das grandes potências: longe
de promover a civilização universal, poderia significar um imenso perigo de o
parasitismo ocidental levar à formação de um grupo à parte da indústria
industrial avançada, cujas classes superiores receberiam um enorme tributo da
Ásia e da África e manteriam, com a ajuda desse tributo, grandes massas
domesticadas de empregados e servos, não mais ocupados em produzir em grandes
quantidades de produtos agrícolas e industriais, mas fornecendo serviços
privados ou realizando, sob o controle da nova aristocracia financeira,
trabalhos industriais de segunda categoria. Que aqueles que estão
preparados para virar as costas a esta teoria” (deveria ter dito: “esta
perspectiva”) “como não digna de exame, meditem sobre as condições económicas e
sociais das regiões do sul de Inglaterra hoje, que já atingiram essa
situação. Deixem-nos reflectir sobre a extensão considerável que este
sistema poderia assumir se a China estivesse sujeita ao controlo económico de
grupos semelhantes de financeiros, "investidores de capital" (os
rentistas), dos seus funcionários políticos e dos seus empregados comerciais e
industriais, que drenam lucros do maior reservatório potencial que o mundo já
conheceu, para consumi-los na Europa. Certamente, a situação é demasiado
complexa e o jogo das forças mundiais é demasiado difícil de prever para que
esta ou qualquer outra previsão do futuro numa única direcção seja considerada
a mais provável. Mas as influências que actualmente governam o
imperialismo da Europa Ocidental movem-se nesta direcção, e se não encontrarem
resistência, se não forem desviadas para outra direcção, é neste sentido que irão
actuar. [HOBSON: obra citada, pp. 103, 205, 144, 335, 386.] »
“O
autor tem toda a razão: se as forças do imperialismo não sofressem resistência,
alcançariam precisamente este resultado. O significado dos “Estados Unidos
da Europa” na actual situação imperialista foi aqui muito apropriadamente
caracterizado. Bastaria acrescentar que, também dentro do movimento
operário, os oportunistas, momentaneamente vitoriosos na maioria dos países,
“brincam” com o sistema e a continuidade, precisamente neste sentido. O
imperialismo, que significa partilhar o mundo e explorar não apenas a China, e
que proporciona elevados lucros monopolistas a um punhado de países muito
ricos, cria a possibilidade económica de corromper as camadas superiores do
proletariado; assim alimenta o oportunismo, dá-lhe substância e
consolida-o. Mas o que não deve ser esquecido são as forças mobilizadas
contra o imperialismo em geral e o oportunismo em particular, forças que o
social-liberal Hobson não é obviamente capaz de discernir. »
Imperialismo
leninista, o estágio mais elevado do capitalismo
Capítulo
VIII. PARASITISMO E A RAIZ DO CAPITALISMO
Agora,
esta fase de integração compradora e de tipo neo-colonial está essencialmente
terminada e o capitalismo monopolista de estado chinês coloca-se claramente
como um desafiante ao seu antigo guardião financeiro, o imperialismo
norte-americano. Isto é perfeitamente
ilustrado pelas tensões comerciais e diplomáticas entre estes dois irmãos
inimigos.
A concentração nas guerras comerciais e
financeiras travadas pelos estados imperialistas não deve fazer-nos esquecer as
suas infra-estruturas e bases militares-industriais.
Na verdade, se fora do próprio continente
norte-americano o colonialismo de primeiro grau por parte do poder dos EUA se
manifestou principalmente nas Filipinas e em Cuba, no alvorecer do século
passado, foi, no entanto, o intervencionismo militar directo que mais
frequentemente desde então tornou possível impor o neo-colonialismo à moda dos
EUA.
E a influência decisiva do seu poder
financeiro em todo o mundo não seria certamente o que é sem as bases militares
que se concedeu, em quase todo o lado. Contudo, a nível económico, o neo-colonialismo
continua a ser uma questão de investimento financeiro e de exportação de
capital. O mesmo se aplica à França, com a sua zona de influência neo-colonial
“Françafrique”.
Como destacou Lenine:
“A
política colonial e o imperialismo já existiam antes da fase contemporânea do
capitalismo, e mesmo antes do capitalismo. Roma, fundada na escravidão,
seguiu uma política colonial e praticou o imperialismo. Mas o raciocínio
“geral” sobre o imperialismo, que negligencia ou relega para segundo plano a
diferença essencial entre as formações económicas e sociais, degenera
infalivelmente em banalidades vazias ou em discursos retóricos, como a
comparação entre “a Grande Roma e a Grã-Bretanha ”. Mesmo a política
colonial do capitalismo nas suas fases iniciais é fundamentalmente diferente da
política colonial do capital financeiro. »
Imperialismo,
o estágio mais elevado do capitalismo
Capítulo
VI. PARTILHA DO MUNDO ENTRE AS GRANDES POTÊNCIAS
Contudo, o aspecto “pacifista” do expansionismo financeiro chinês não deve criar quaisquer ilusões . A China provou, especialmente nas numerosas ilhas espalhadas entre o Vietname, as Filipinas, a Malásia e o Brunei, que está determinada a impor as suas reivindicações territoriais pela força, apesar da sua natureza manifestamente abusiva. E isto numa região particularmente estratégica, tanto em termos de recursos marítimos, pesqueiros e mineiros subaquáticos, como em termos de tráfego marítimo comercial, ou seja, 60.000 navios, o que representa três vezes o tráfego do Canal de Suez, seis vezes o do Panamá, e em termos de frete, equivale a um quarto do comércio mundial .
Se as ambições militares da China, noutras
regiões do globo, permanecem limitadas, são simplesmente medidas pelo
equilíbrio de poder, o que indica que ela favorece o expansionismo financeiro,
apoiado por uma reserva monetária significativa.
O
caso do fascismo alemão e italiano, bem como do expansionismo japonês, na era
anterior à Segunda Guerra Mundial, era de facto diferente e atípico em
comparação com a definição do imperialismo moderno. Eram nações que atingiram um elevado nível de
desenvolvimento económico e industrial sem terem participado em anteriores
divisões coloniais proporcionais aos seus poderes e encontraram meios directos
de compensação militar, de uma forma particularmente bárbara e retrógrada, o
que precipitou o seu fracasso.
Dada
a partilha de interesses que ainda têm em comum, as duas principais potências
mundiais actuais, os EUA e a China, não têm realmente qualquer razão imediata
para entrar num conflito armado aberto, mas não o podemos excluir, a longo
prazo.
Comparado com a relativa “discricionariedade”
do imperialismo chinês, o activismo militar russo pode parecer desproporcional
e, de facto, constitui um pretexto conveniente para críticas de todos os lados,
se não unânimes, no Ocidente, para falar de “imperialismo russo”, no entanto,
em todos e para todos, para além das intervenções em apoio dos seus aliados
próximos, a Rússia apenas recuperou a modesta península da Crimeia, certamente
estratégica, mas que lhe tinha sido indevidamente tirada pela política
calamitosa de Khrushchev, durante a era da URSS. Não só isto não justifica
de forma alguma o epíteto de “imperialista”, a seu respeito, mas é precisamente
apropriado, à luz dos fundamentos do ML, colocar as coisas em proporção, no que
diz respeito ao “militarismo” da Rússia:
Para
2017, só o orçamento do exército dos EUA representa 40% do orçamento militar
total do planeta! E é mais de doze vezes maior que o da Rússia! Que é
ela própria inferior à da França, grande doadora de lições e provedora de
conflitos em todo o mundo, e em África, em particular!
http://hist.science.online.fr/storie/politiq_incorrect/PaxAmericana/power-military.htm
Na verdade, a Rússia herdou uma indústria
militar de alto nível do passado soviético e conseguiu torná-la funcional
novamente, com poucos recursos na realidade. O que é simplesmente uma
necessidade para a sua sobrevivência, no actual contexto internacional, e de
forma alguma prova de vontade “expansionista”.
Esta melhor relação custo/eficácia também
é reconhecida e invejada até mesmo dentro do próprio exército dos EUA…
http://pqasb.pqarchiver.com/mca-members/doc/1868134384.html?FMT=TG
O verdadeiro imperialismo, de facto, não
pode existir sem desperdício material, financeiro e humano, em última análise!
Chega de “imperialismo militar”…
E
quanto ao “imperialismo financeiro” da Rússia?
Se o orçamento militar dos EUA representa
por si só 40% do orçamento militar mundial, o mesmo já se aplica simplesmente à
capitalização bolsista localizada nos EUA, que portanto representa também 40%
do total mundial. De
todos os títulos financeiros em todo o mundo, bem mais de 50% são controlados
por americanos…
Em comparação, a capitalização bolsista da China , o seu adversário, é equivalente a 40%… da dos
EUA, ou cerca de 16%
do total mundial .
A
capitalização bolsista da Rússia ,
por seu lado, representa menos de 1,5% da capitalização dos EUA, ou cerca
de 0,6%
do total mundial !
Uma única empresa americana, como a Apple,
representa sozinha mais que o dobro da capitalização de mercado total na
Rússia…!
E o que dizer da exportação “massiva” de
capital russo, que deveria ser a manifestação essencial deste “expansionismo”
desenfreado…?
Vamos comparar os números chineses e
russos para 2016:
A
China exportou 183 mil milhões de dólares
de capital em 2016, e importou 133 mil milhões de dólares, representando
um diferencial
POSITIVO para as exportações de 50 mil milhões de dólares .
https://www.tradesolutions.bnpparibas.com/fr/implantation/china/invest
Nesse mesmo ano, a Rússia importou um total de menos de 33 mil milhões de
dólares, e exportou apenas 22, um saldo NEGATIVO de quase 11 mil milhões .
https://www.tresor.economie.gouv.fr/Ressources/File/438470
E mais uma vez, segundo a fonte, cerca de
70% destes 22 mil milhões exportados são para “zonas fiscais privilegiadas” e,
portanto, não são investimentos realmente produtivos. Mais como evasão
fiscal, em termos menos diplomáticos...
Basta dizer, apesar de alguns casos espectaculares
claramente destacados pela propaganda da media ocidental, que a “exportação” do
capital russo, já deficitário, deve na realidade ser considerada
insignificante, do ponto de vista dos critérios que expressariam “ Imperialismo
Russo”.
Como podemos considerar um país,
certamente capitalista, mas que quase não exporta capitais e cuja capitalização
bolsista é muito pequena, sobretudo em proporção à sua dimensão e à sua
importância geo-estratégica, à escala de um continente?
Os seus únicos recursos económicos
significativos baseiam-se na exportação das suas matérias-primas e não na sua
transformação e na verdade na exportação de armas a única indústria de alta
tecnologia que conseguiu salvar do desastre final da URSS sob Gorbachev e
Iéltzin. E o que muito provavelmente o salva de ser neo-colonizado pelo
Ocidente.
É, portanto, um país capitalista,
certamente, mas ainda não está na fase imperialista, e está mesmo longe dela,
se considerarmos o tempo que a China levou a atingir esta fase, quase meio
século, e num ambiente económico muito mais favorável.
O caso da Rússia, por mais espectacular
que seja, pela sua dimensão, o maior país do mundo, e pela sua óbvia
importância geo-estratégica, não é, no entanto, único. E encontramos, em
escalas obviamente muito variáveis, esta situação de uma burguesia nacional que
luta para manter a sua independência, e geralmente e principalmente, face ao
imperialismo norte-americano, embora outras potências imperialistas, incluindo
a França, não desdenhem em intervir como abutres para tentar tirar partido das
zonas de conflito assim criadas, como na Síria.
Além
da Síria, que tenta corajosamente sobreviver como Estado independente, a lista
é agora bastante longa: Irão, Iraque, Iémen, Venezuela, Nicarágua, etc... sem
esquecer a Palestina, que continua a ser, no século XXI, um dos últimos casos
de colonialismo em primeiro grau, e validados, no entanto, pela maioria dos
países ocidentais.
É claro que a situação dos proletários
destes países é particularmente complexa, porque eles devem lutar para melhorar
as suas condições de vida, incluindo enfrentar a sua burguesia nacional, e
enfrentar o imperialismo.
O que a história prova é que colaborar com
o imperialismo, contra a sua própria burguesia nacional, só piora
sistematicamente a situação e atrasa ainda mais qualquer esperança de emancipação
social.
O
que a história também prova é que eles nunca devem renunciar à independência
das suas organizações de classe, partidos, sindicatos e outras organizações de
massas e de luta. Onde tais organizações não existem, a sua prioridade é
criá-las, de forma completamente autónoma, ao mesmo tempo que se envolvem na
luta de libertação nacional, se tal luta for possível.
Objectivos comuns com a burguesia nacional
podem levar a compromissos tácticos do tipo “frente única”, mas devemos ter
sempre presente que os objectivos estratégicos diferem, a longo prazo, e não
manter ou cultivar ilusões, não confundir as etapas, que da luta
anti-imperialista e da revolução socialista, inclusive quando a burguesia
nacional se adorna com o título de “socialista” com o objectivo de alargar a
sua base e entorpecer as reivindicações sociais.
Nos
países imperialistas, os proletários em luta devem não só lutar contra a sua
própria burguesia como uma burguesia capitalista e imperialista, mas também
demonstrar activamente a sua solidariedade com os povos do mundo na luta contra
o imperialismo, seja o imperialismo dos EUA, um outro, ou mesmo o deles! Estas manifestações de solidariedade são ainda mais
úteis e importantes porque é o enfraquecimento geral do imperialismo que cria
situações locais onde uma revolução se torna possível. É também uma das
lições essenciais da história.
Os proletários dos países imperialistas
devem não só evitar cair na armadilha de apoiar o seu próprio imperialismo
contra os povos oprimidos, mas também devem evitar cair na armadilha do
social-chauvinismo que consiste em iludir-se sobre o carácter “nacional” da sua
própria burguesia e ser tentados por qualquer compromisso, táctico ou
estratégico, com a sua própria burguesia.
Desde
o fim da Segunda Guerra Mundial já não existe uma “burguesia nacional” em
nenhum dos principais países da Europa Ocidental, e nomeadamente em
França. É mais uma lição da história e, hoje,
simplesmente uma observação analítica.
A estratégia táctica da frente única
contra o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial não só foi justificada, como
deveria ter sido assumida como tal desde o início do conflito. Por outro
lado, a
implementação finalmente posta em prática renunciou à autonomia política do
proletariado e alcançou com a burguesia, na forma do CNR, um compromisso
estratégico inadequado, excepto para a reconstituição do imperialismo francês,
que resultou, imediatamente após a libertação, numa retomada da agressividade
colonialista francesa, com milhares de mortes, a começar pelas de Sétif em 8 de
Maio de 1945.
Uma
lição da história que deve contribuir absolutamente para separar os verdadeiros
Marxistas-Leninistas dos vários resíduos do social-chauvinismo neo-Thoreziano.
Fontes:
Parte
1 :
Parte
2 :
LINK
AMIGÁVEL SOBRE O MESMO ASSUNTO:
APRESENTAÇÃO
DO LIVRO DE NICOLAS BOURGOIN “SOLEIL ROUGE, UMA HISTÓRIA DOS SESSENTA ANOS”
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/239200
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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