25 de Março de 2024 Robert Bibeau
Por Khider Mesloub.
Além do cinismo da humilhante operação dos EUA para largar suprimentos em
Gaza, há o seu lendário maquiavelismo, exemplificado pela sua decisão de criar
um porto de trânsito para "ajuda humanitária" ao largo da costa do
enclave de Gaza. O presidente Biden, embora continue a apoiar militar e
politicamente o genocídio de Israel em Gaza, ordenou que as forças armadas dos
EUA realizem uma missão de emergência para estabelecer um "porto
temporário" na costa de Gaza. O objectivo deste porto é acomodar
"grandes navios que transportam alimentos, água, medicamentos e abrigo
temporário", disse Biden.
Recorde-se que a ajuda humanitária que transita por terra é deliberadamente
bloqueada por Israel. Tudo o que os EUA teriam que fazer era forçar o governo
sionista a abrir as fronteiras para permitir que os alimentos fluíssem por
rotas terrestres.
No entanto, enquanto mais de 2,2 milhões de palestinianos, a grande maioria
da população do enclave de Gaza, estão ameaçados de fome, o governo dos EUA
prefere lançar um estaleiro titânico que requer mais de dois meses de trabalho
para estar operacional. Até agora, metade da população aleijada e faminta de
Gaza terá morrido.
Como disse Sigrid Kaag, Coordenadora das Nações Unidas para a Ajuda
Humanitária e a Reconstrução em Gaza: "Só posso reiterar que o ar e o mar
não substituem a terra e ninguém diz o contrário". "A diversificação
das rotas de abastecimento terrestre continua a ser a solução ideal",
disse. Por sua vez, Philippe Lazzarini, chefe da agência da ONU para os
refugiados palestinianos (UNRWA), também pediu a abertura de pontos de passagem
rodoviários para permitir "comboios diários de grande escala". A sua
colega, a porta-voz da UNRWA, Juliette Touma, fez eco da mesma verdade: "Há
uma forma mais simples e eficiente de prestar ajuda, que é através das
travessias rodoviárias que ligam Israel a Gaza."
Por sua vez, Michael Fakhri, relator especial da ONU sobre o direito à
alimentação, disse a repórteres em Genebra que era "absurdo" que
Washington discutisse novas rotas complicadas para chegar a territórios
bloqueados pelo seu próprio aliado. "Do ponto de vista humanitário, do
ponto de vista internacional, do ponto de vista dos direitos humanos, é
absurdo, obscuro e cínico", disse.
De acordo com várias fontes, a construção da ponte será realizada por
engenheiros militares dos EUA. Para garantir a construção desta gigantesca e
dispendiosa ponte marítima, o exército israelita será responsável pela
segurança. Curiosamente, o governo de Netanyahu "apoia totalmente" a
criação de tal instalação, disse um responsável à Reuters. Acrescentou esperar
que a operação seja levada a cabo "com total coordenação entre as duas
partes". A medida "permitirá um aumento da ajuda [que chega] a Gaza
após um controlo de segurança que cumpre os padrões israelitas", disse o
porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita.
Trata-se do mesmo governo genocida israelita, através do seu ministro dos
Negócios Estrangeiros, Eli Cohen, que negou a três agências da ONU – o Programa
Alimentar Mundial (PAM), a UNICEF e a Organização Mundial de Saúde (OMS) –
autorização para aceder ao porto de Ashdod para entregar ajuda humanitária à
Faixa de Gaza. Além disso, vários carregamentos de ajuda alimentar das Nações
Unidas, destinados a alimentar os palestinianos deportados de Rafa, continuam
bloqueados por Israel no porto de Ashdod, localizado apenas a cerca de 30
quilómetros a norte de Gaza. No entanto, como reconhece a directora regional do
PAM para o Médio Oriente, Corinne Fleischer, "abrir o porto de Ashdod
reduziria o tempo necessário para transportar alimentos do norte para
Gaza".
Por que é que os EUA não usam o porto de Ashdod para facilitar a
transferência de ajuda humanitária para os palestinianos? Porque, como provaram
desde 9 de Outubro, não se preocupam com a população palestiniana de Gaza. Como
prova, os Estados Unidos continuam a fornecer armas e munições a Israel, que
continua o seu bombardeamento implacável contra populações civis.
Com o seu corredor marítimo, Joe Biden apoia os palestinianos como uma
corda apoia o enforcado.
Historicamente, todas as guerras desencadeadas pelos Estados Unidos [ou
seus aliados] serviram para aumentar a produção e venda das armas do complexo
militar-industrial norte-americano, mas também para testar novas armas, novas
tecnologias militares.
E a construção deste porto marítimo, levada a cabo por oportunidade
militar, tem uma dimensão geoestratégica. Esta operação é semelhante a um
exercício militar para melhorar as tácticas, técnicas e procedimentos de
resposta marítima. É usado como uma operação de treino experimental como parte
da defesa da ilha de Taiwan ameaçada pela China. É na perspectiva desta guerra
iminente contra a China que esta operação de construção experimental da ponte
marítima ao largo da Faixa de Gaza deve ser colocada. Como lembrete, em Setembro
de 2022, Joe Biden disse que as tropas dos EUA defenderiam Taiwan no caso de
uma invasão chinesa.
Esta operação militar, iniciada sob o disfarce de humanitarismo, é também
uma continuação das manobras conjuntas EUA-Filipinas realizadas em Abril de
2023 no Mar da China Meridional, onde o objectivo era simular a "recaptura
de uma ilha que foi ocupada". Os exercícios militares conjuntos simularam
um desembarque anfíbio na ilha ocidental de Palawan, perto das Ilhas Spratly,
reivindicadas pela China e pelas Filipinas.
Como refere o investigador David Rigoulet-Roze sobre a construção do porto
ao largo da Faixa de Gaza, esta operação militar marítima dos EUA faz parte da
"cultura talassocrática" anglo-saxónica. "Sendo todas as outras
coisas iguais, isto faz lembrar as pontes artificiais de 1944 e a capacidade
americana de projectar uma infraestrutura terrestre no mar", disse,
referindo-se às pontes pré-fabricadas pelos Estados Unidos em Junho de 1944
para abastecer as tropas aliadas na sequência dos desembarques na Normandia.
No entanto, a construção deste porto não servirá apenas como um meio de
exercício militar para as tropas americanas, mas também como um trampolim para
a sua sustentabilidade. Porque este porto será estabelecido, como que por
acaso, na zona marítima rica em hidrocarbonetos. Israel pretende acelerar a
exploração do campo de gás de Gaza. No entanto, no actual contexto de guerra,
crise económica e instabilidade política em Israel, só os Estados Unidos têm os
meios para explorar esses depósitos.
Além disso, ao contrário do que muitos analistas defendem, as verdadeiras
motivações para esta operação não são apenas eleitorais, mas sobretudo
militares. Para estes analistas, a única razão para esta "reviravolta
humanitária" deve-se a "considerações eleitorais internas".
Segundo eles, Joe Biden, através da sua decisão de deixar cair comida e do seu
plano de construir uma ponte marítima ao largo do enclave de Gaza, só tentaria
reconquistar os eleitores pró-palestinianos que provavelmente votarão num
"terceiro campo" ou se absterão.
Biden não espera obter ganhos eleitorais com as suas manobras em Gaza.
Tanto mais que alguns jornais anunciaram a sua iminente retirada da campanha
eleitoral devido aos seus problemas de saúde e senilidade.
A principal motivação para a construção do porto ao largo da Faixa de Gaza
não é humanitária, mas económica e militar.
Mais do que nunca, o Ocidente entrou numa guerra total e generalizada. Na
Rússia via Ucrânia. No Médio Oriente, via Israel. Na China, via Taiwan. Assim,
todas as suas resoluções e acções estão integradas nos seus objectivos
militares. O Ocidente já não se incomoda com considerações eleitorais ou com a
democracia que está prestes a pisar e enterrar.
O Ocidente entrou na era de tudo para a guerra, através da guerra e na
guerra.
Khider MESLOUB
Fonte: Ce que cache la décision de Biden de construire un «port temporaire» à Gaza – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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