24 de Março
de 2024 Robert Bibeau
Nos últimos 50 anos, a humanidade perdeu
metade do seu microbioma ancestral, ou todas as bactérias que deveriam ajudá-la
a manter-se saudável. Entrevista com Sarah Schenck e Steven Lawrence, co-realizadores
de um fascinante documentário sobre o tema, que será exibido a 30 de Outubro
no festival Pariscience.
Imagem
de ilustração ©: Kateryna Kon/Shutterstock
Ao contrário do que alguns cientistas chamam de "sexta extinção em massa", que traz consigo o apagamento gradual das paisagens e os rugidos das espécies em questão, alguns desaparecimentos não deixam vestígios. Pelo menos nenhum vestígio visível a olho nu. E mais: nos últimos 50 anos, a humanidade perdeu 50% do seu microbioma ancestral, ou seja, todas as bactérias do corpo humano, que deveriam ajudar-nos a manter-nos saudáveis.
Quais são as
consequências para a saúde humana? É precisamente a esta pergunta que uma dupla
de realizadores norte-americanos, Sarah Schenck e Steven Lawrence, tenta
responder em A
Extinção Invisível, novo e emocionante documentário que será
exibido a 30 de Outubro em Paris no âmbito do Pariscience, um
festival internacional de filmes científicos criado pela Science and Television
Association (AST). Acompanha o percurso de dois "cientistas mundialistas",
Gloria Dominguez-Bello e Marty Blaser, na sua busca urgente de "inverter
esta tendência antes que seja tarde demais", bem como de três
pacientes com doenças potencialmente fatais desencadeadas por esta perturbação,
que tentam da melhor forma possível regressar a uma vida normal... Sarah
Schenck e Steven Lawrence analisam mais de perto este fenómeno pouco conhecido.
Qual é a relação entre o desaparecimento do microbioma ancestral e o aumento de certas doenças, como alergias ou diabetes? Existe uma relação de causa-efeito cientificamente estabelecida?
Sara
Schenck
Essa é uma óptima questão. As provas acumulam-se há décadas. Neste momento,
podemos dizer que existe uma ligação, mas é uma ligação de correlação, não uma
ligação causal. Isto significa que os cientistas estão a assistir a um rápido
aumento de vários tipos de doenças crónicas ao mesmo tempo que estão
a ver os micróbios humanos desaparecerem. Existem, no entanto, estudos que
mostram uma ligação directa entre a perda de certos micróbios e a ocorrência de
certas doenças, quer em seres humanos, quer em animais.
Por exemplo, um
estudo norueguês encontrou uma ligação muito clara
entre a
bactéria helicobacter pylori e a asma: se uma
pessoa estiver infectada com esta bactéria, terá muito menos probabilidade de
desenvolver asma. No entanto, nas últimas duas décadas, a helicobacter
pylori tem sido considerada perigosa, e a maioria dos médicos
prescreveu antibióticos para eliminá-la nos seus pacientes. Hoje, sabemos que
este micróbio, embora possa contribuir para problemas de estômago em algumas
pessoas, também parece ter um poderoso efeito protector contra a asma. Ao longo
da história humana, a infecção por Helicobacter pylori tem
sido generalizada: quase todos eram portadores, na maioria dos casos sem
problemas perceptíveis. Infelizmente, parece que poucas pessoas que vivem no
mundo industrializado são afectadas, cerca de 30%, e esse número está a diminuir
constantemente de geração em geração.
De uma forma mais geral, e talvez mais pessoal, que lições retira do seu
documentário?
Steven
Lawrence
No nosso filme, todos os pacientes que acompanhamos e as suas famílias
estão a lutar contra doenças potencialmente fatais. Filmar o seu dia-a-dia
intimamente foi para nós uma verdadeira lição de coragem e compromisso. É
preciso muita perseverança para continuar e tentar novos tratamentos. Como
dizem Gloria Dominguez-Bello e Marty Blaser no filme, estamos à beira de uma
revolução científica na nossa compreensão do papel que os micróbios desempenham
na nossa saúde e podem desempenhar na mitigação ou cura de certas doenças como
diabetes, obesidade, alergias alimentares ou autismo. Então, pessoalmente, uma
das muitas lições que tiro deste filme é o quanto o progresso científico
depende da colaboração sincera de cientistas e pacientes. Os pacientes confiam
nos cientistas para sobreviver e, inversamente, os cientistas precisam da
participação dos pacientes em ensaios clínicos para avançar com suas pesquisas.
"Para
que a mudança acelere, precisamos que as pessoas, especialmente os pais, se
tornem muito atentos"
Steven
Lawrence, co-realizador do documentário
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Sara
Schenck
A mãe de Ningning, um menino autista que vive na China e que acompanhamos
no filme, teve um parto muito difícil. A sua vida foi claramente salva pelos
antibióticos que teve de tomar. Mas queríamos mostrar aos espectadores que,
embora estes antibióticos possam ser valiosos, também têm, por vezes, "custos"
para a nossa saúde. O nosso filme centra-se na forma como alterámos o nosso
sistema interno – chamado microbioma – de uma forma que contribui para a
exposição a estas doenças, ao mesmo tempo que destaca o caminho a seguir para
reverter esta perda e reabastecer os nossos micróbios mais saudáveis.
Infelizmente, este tópico ainda é em grande parte desconhecido para o público em geral. Como aumentar a consciencialização? Como soube deste tema?
Sara
Schenck
Nos Estados Unidos, uma em cada treze crianças sofre de alergias
alimentares, algumas das quais são fatais. Tenho dois filhos que são afectados,
pelo que o assunto me interessa há muito tempo. A minha filha mais nova quase
morreu quando tinha três anos. Foi um choque porque, em bebé, ela comia de tudo
e não tinha alergias. Um dia, contraiu faringite estreptocócica, que se repetiu
duas vezes no espaço de um ano. Dei-lhe antibióticos para curar as duas vezes.
Alguns meses mais tarde, depois de ter comido uma bolacha de noz-pecã, vi a sua
cara ficar escarlate e os seus lábios incharem. Levámo-la às urgências e foi
tratada, mas eu queria saber mais. Entrei em contacto com o Dr. Martin Blaser,
que estabeleceu uma ligação entre o aumento das alergias alimentares e a perda
dos nossos micróbios "ancestrais", principalmente devido à utilização
excessiva de antibióticos.
Como o meu trabalho diário consiste em traduzir conceitos científicos em
termos acessíveis ao cidadão comum, comecei a trabalhar num projecto de filme.
Fui ao encontro do Dr. Blaser e descobri que ele tinha um dom raro: conseguia
transmitir ideias científicas complexas em termos simples e cativantes. A sua mulher,
a microbiologista venezuelana Maria Gloria Dominguez-Bello, era igualmente
brilhante e carismática. Eu tinha encontrado o fio condutor da história nesta
dupla. Então procurei um colaborador experiente, e encontrei-o em Steven
Lawrence. Espero que o nosso filme permita que outras famílias que enfrentam
estes desafios saibam que não estão sozinhas. A melhor maneira de aumentar a
consciencialização é falar sobre como essa questão afecta cada um de nós.
Steven Lawrence
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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