domingo, 31 de março de 2024

Um pequeno lembrete salutar

 


 31 de Março de 2024  ROBERT GIL  

Pesquisa realizada por Robert Gil

Da Frente Popular à Libertação, quando a esquerda chegou ao poder, conseguiu sempre grandes conquistas sociais. É claro que isso só foi possível porque grandes movimentos populares acompanharam todos os avanços sociais, mas assim que a pressão é menor, os retrocessos não demoram a aparecer. Foi o que aconteceu em 1983, quando Mitterrand enveredou pela via da austeridade, que não passou da sua primeira capitulação perante os mercados financeiros.

Mais tarde, foi a vez de Jospin, que se rendeu miseravelmente com o seu "O Estado não pode fazer tudo" face ao que se dizia ser a inevitabilidade do capitalismo... A vaga liberal está a ganhar força há uma eternidade, e não paramos de ouvir dizer que o capitalismo vai na direcção da história e que não há alternativa. A liberalização dos mercados e a eliminação das barreiras permitiram criar uma concorrência entre os trabalhadores de todo o planeta e nivelar os salários por baixo, acelerando simultaneamente a redução dos orçamentos públicos e sociais.

Para o capital, sempre obcecado pela corrida aos lucros e à rentabilidade, a diminuição dos salários era uma consequência lógica dessa procura. E para manter a procura elevada e a necessidade de encontrar constantemente novos mercados, foi introduzido o crédito para compensar a descida dos salários e apoiar o consumo. Estas decisões constituíram um duplo castigo para os assalariados: menos rendimentos e dívidas a pagar. A par destas medidas, a intensificação do comércio entre bancos e paraísos fiscais privou os governos de recursos e empurrou as despesas públicas para o vermelho. Os planos de austeridade daí resultantes incluem cortes no número de funcionários públicos, aumentos salariais, cortes nos investimentos públicos, adiamento da idade da reforma... trabalhar mais para ganhar menos!

Ao mesmo tempo, esquecemo-nos de mencionar que as ajudas ao grande capital explodiram literalmente nos últimos vinte anos (1), aumentando quase três vezes mais depressa do que a assistência social e cinco vezes mais depressa do que o PIB. Simultaneamente, a população está a sofrer todo o impacto dos planos de austeridade, que conduzem a uma diminuição do poder de compra e a uma hostilidade face à fiscalidade. Através dos meios de comunicação social, os liberais mantêm esta hostilidade e defendem impostos cada vez mais baixos; o objectivo é levar a opinião pública a aceitar cortes nas despesas públicas para reduzir os défices. Os mais pobres aceitam, assim, a anulação do único mecanismo destinado a erradicar as desigualdades. No fim de contas, os únicos vencedores são o grande capital e os seus accionistas, que se tornam a camada mais abastada da sociedade e podem fazer chantagem sobre o emprego para obter cada vez mais lucros. São organizados ataques constantes para reduzir a protecção dos trabalhadores e aumentar o horário de trabalho, enquanto a história caminha no sentido oposto. Como recorda Gabriel Colletis (2), "para viver melhor, o ser humano sempre procurou poupar tempo de trabalho ou trabalhar menos para obter o mesmo resultado". E, no entanto, as leis sociais que contribuem para isso sempre fizeram uivar os patrões:

• 1841, a proibição do trabalho infantil com menos de 8 anos de idade. "Coação inexequível"

• 1874, a proibição do trabalho infantil com menos de 12 anos. "Desastre económico"

• 1906, descanso dominical e Ministério do Trabalho. "Um bónus para a preguiça!"

• 1919, a jornada de 8 horas. "Incentivo ao alcoolismo e incitamento à libertinagem" (3)

• 1936, a Frente Popular e as leis sociais. "A porta aberta para o bolchevismo!"

• 1950, salário mínimo garantido. "Incentivar as deslocalizações nos colonatos"

• 1968, os Acordos de Grenelle. "Ensinar o ódio ao sucesso!"

• 1982, 39 horas e 5ª semana. "Ignorância das leis da economia!"

• 2000, a transição para 35 horas. "Um obstáculo intolerável à liberdade de fazer negócios!"

É a mesma retórica velha, arcaica, mentirosa e arrogante dos patrões e dos donos do capital. É um discurso veiculado por jornalistas e políticos que afirmam que a intransigência das reivindicações salariais e a melhoria das condições de trabalho colocariam o país de joelhos. Passam ao lado dos regimes especiais, dos "beneficiários de leis obsoletas ", dos "privilégios intoleráveis ". Esses mesmos jornalistas esqueceram-se de mencionar o "privilégio intolerável dos accionistas, beneficiários de benefícios fiscais ", assim como se esqueceram de demonstrar a "necessidade económica e democrática de não tributar os rendimentos financeiros dessa pequena casta que se diz merecedora ". Não fizeram a mínima ligação entre a miséria de alguns e a opulência exibida sem restricções por aqueles que nos pedem para fazer um esforço e o apertar do cinto. No seu relatório anual, o Observatoire des Multinationales constata que "a explosão dos dividendos das empresas do CAC 40 aumentou mais de 269% entre 2000 e 2020 (4), enquanto o número de assalariados em França diminuiu cerca de 12% ".

Através do desemprego em massa, os capitalistas conseguiram a sua operação de chantagem. Os patrões, ajudados pelos sucessivos governos, enganaram os trabalhadores para que se sentissem culpados por lutarem pelos seus direitos e pelos seus salários. Querem fazer-nos crer que cada um é responsável pela sua própria situação, como se cada indivíduo evoluísse numa esfera individual, sem qualquer ligação com o resto da sociedade. Como se as decisões tomadas pelos governos não tivessem qualquer impacto na nossa vida quotidiana. Na batalha ideológica entre o capital e o mundo do trabalho, não há limites para esconder a rapacidade dos accionistas (5) e tornar a mão de obra cada vez mais precária.

Referências

(1) LVSL, 07/10/2023: "Assistanat pour ultra-riches: le CAC40 sous perfusion de l'État"(Assistencialismo para ultra-ricos : o CAC40 sob perfusão do Estado ») , extracto de Super-especuladores, o pequeno livro negro do CAC 40, livro coordenado por Frédéric Lemaire e Olivier Petitjean; capítulo "Aides publiques: une addiction devenue un tabou"(Ajudas públicas: um vício tornado tabú”), de Maxime Combes. (2) Professor de economia. Universidade de Toulouse 1 - Capitole. Áreas de investigação: determinação da competitividade dos sistemas de produção, dimensão financeira das estratégias, economia industrial e espacial, inteligência económica e economia do conhecimento. (3) Em 1919, quando a jornada de 8 horas foi votada, os patrões alegaram que ela favorecia o alcoolismo, e em 2021, após o Covid, para justificar o recolher obrigatório às 18 horas, o governo alegou que era para combater o efeito "aperitivo". Em 100 anos, a visão desdenhosa que a burguesia tem do trabalhador não mudou muito. (4) Basta, em 13/11/2020: " Em vinte anos, os dividendos distribuídos aos accionistas do CAC40 aumentaram 269%.". (5) Alternatives Economiques, 26/05/2021: "Précariser toujours plus la main d'œuvre"(Alternativas Económicas, 26/05/2021: "Tornar a força de trabalho cada vez mais precária").

 

Fonte: Petit rappel salutaire – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




Sem comentários:

Enviar um comentário