RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.
Este artigo é publicado por ocasião da comemoração do 17º aniversário do enforcamento do presidente Saddam Hussein em 30 de Dezembro de 2006, o dia de Al Adha
Os serviços secretos israelitas sofreram uma derrota esmagadora na sua
tentativa de assassinar o Presidente iraquiano Saddam Hussein em 1991.
A operação, que visava retaliar os bombardeamentos balísticos iraquianos
contra Israel durante a primeira guerra do Iraque (1990-1991), provocou a morte
de 5 membros do comando israelita e 5 feridos, revela um documentário
transmitido pelo canal israelita Canal 13, que o site online "Ar Rai al
Yom" noticiou em árabe a 1 de Março de 2023.
O documentário 13 tem uma duração de 4 horas e está dividido em oito
sequências.
A operação foi concebida pelo general Ehud Barak, na altura chefe do
Estado-Maior do exército israelita, mas sem o conhecimento do primeiro-ministro
Yitzhak Shamir.
O fracasso foi atribuído pelo documentário à confusão, durante a fase
preparatória, entre os mísseis fictícios, destinados ao treino, e os mísseis
carregados, destinados à missão real.
Durante o treino, os mísseis reais que deveriam ser utilizados durante o
assalto no Iraque foram disparados por engano, matando cinco membros do comando
e ferindo outros cinco. Da mesma forma, os tiros disparados contra o soldado
que interpretava o presidente iraquiano falharam o alvo. O soldado entrou no
palácio presidencial reconstruído, acenando para a multidão à maneira de Saddam
Hussein, mas o projéctil caiu perto do seu alvo iraquiano, ferindo o soldado na
coxa.
A tentativa de assassinato falhou, portanto, duas vezes. Por ter utilizado
os projécteis errados e, pior ainda, por ter falhado o alvo.
O plano israelita foi desenvolvido na sequência dos ataques balísticos
iraquianos a Telavive (Tall al Rabih - Colina da Primavera), Haifa e Beersheva
(Bi'r as sabeh - Poço do Urso).
Ordenados por Saddam Hussein, os bombardeamentos iraquianos, que mataram 79
israelitas, feriram 230 e destruíram 7.440 casas, tinham um duplo objectivo:
·
Vingar a destruição por Israel da central atómica iraquiana de Tammuz, em 7
de Junho de 1981, que levou ao desmantelamento do reactor Osirak, construído em
França.
·
Colocar em falsa posição os Estados árabes que tinham aderido à coligação
internacional que, sob a égide dos Estados Unidos, devia invadir o Iraque, em
represália pela ocupação do Kuwait.
O documentário foi transmitido trinta anos depois dos acontecimentos, num contexto de tensão entre Israel e o Irão sobre o conflito nuclear iraniano. Terá sido uma mensagem codificada para o Irão?
Israel versus Irão: uma guerra de frentes invertidas entre os dois antigos
aliados da Guerra Fria
É certo que Israel conseguiu, por vezes, atrasar o avanço do programa
nuclear iraniano, sem nunca o conseguir neutralizar. E o Irão, em retaliação,
conseguiu destruir o navio-almirante da frota israelita, através dos mísseis
balísticos do Hezbollah, durante a guerra de Julho de 2006.
Uma guerra entre Israel e o Irão seria o primeiro confronto entre o Estado
hebreu e um país não árabe desde a auto-proclamação da sua independência em
1948, há 75 anos.
Sendo o primeiro conflito armado entre Israel e um Estado muçulmano não
árabe, a guerra israelo-iraniana estenderia as hostilidades à zona inflamável
das petro-monarquias do Golfo Pérsico, muito para além do tradicional campo de
batalha dos países limítrofes da bacia histórica do Mandato Britânico da
Palestina (Egipto, Jordânia, Líbano, Síria e Palestina).
A concretizar-se, traduziria uma inversão estratégica de tendência,
colocando os dois antigos aliados da Guerra Fria, Irão e Israel, em frentes
opostas, e colocaria o Islão atlantista, a Turquia e o Egipto, membros da NATO,
e as suas petro-monarquias pró-americanas, numa posição delicada.
No período pós-independência dos países árabes, na sequência do fim da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Irão imperial e Israel, juntamente com a
Turquia, o segundo maior país muçulmano não árabe do Médio Oriente, tinham forjado
uma aliança inversa com o objectivo de imobilizar o mundo árabe e refrear os
seus impulsos nacionalistas, em particular no que se refere à questão
palestiniana.
A aliança estratégica israelo-iraniana foi quebrada com a queda da dinastia
Pahlevi, em Fevereiro de 1979, e com a assinatura, um mês depois, do Tratado de
Paz de Washington entre Israel e o Egipto, em 25 de Março de 1979, o que levou
à neutralização militar do Egipto e à sua retirada do campo de batalha, ao
mesmo tempo que o Irão de Khomeini era promovido a porta-estandarte da causa
palestiniana. Uma segunda mudança nos termos do conflito israelo-árabe ocorreu
durante a primeira guerra do Golfo (1990-1991), que constituiu a primeira
aliança militar objectiva entre Israel, o Egipto e as petro-monarquias árabes,
sobrepondo-se à primeira guerra Norte-Sul ao criar uma união sagrada de
consumidores de petróleo contra um dos seus principais fornecedores do Sul,
neste caso o Iraque de Saddam Hussein. Uma proeza financiada, sublinhe-se, com
fundos árabes.
A ascensão do Irão à categoria de "potência nuclear de limiar",
apesar de um embargo de trinta anos e de uma guerra de quase dez anos imposta
ao Irão através do Iraque, suscitou a admiração de largos sectores da opinião
pública do hemisfério sul, que viram nesta inegável proeza tecnológica a prova
cabal de uma política de independência, na medida em que permitiu ao Irão
dotar-se de uma capacidade de dissuasão militar e, ao mesmo tempo, manter o seu
papel de ponta de lança da revolução islâmica.
Numa zona de submissão à ordem israelo-americana, o caso iraniano tornou-se
um caso de referência, um benchmark na matéria e, desde então, o Irão passou a
ser o centro das atenções de Israel, a sua bête noire, na sequência da
destruição do Iraque em 2003.
O Primaz de Israel
A primazia de Israel condiciona a narrativa mediática ocidental e mina a
credibilidade da sua abordagem, na medida em que revela uma distorção no
comportamento dos países ocidentais em relação às potências nucleares.
Os Estados Unidos e a União Europeia controlam 90% das notícias do mundo e,
das 300 principais agências noticiosas, 144 estão sediadas nos Estados Unidos,
80 na Europa e 49 no Japão. Os países pobres, onde vive 75% da humanidade,
detêm 30% dos media mundiais (1).
Sendo a única potência nuclear do Médio Oriente, Israel beneficiou
constantemente da cooperação activa dos Estados ocidentais, membros permanentes
do Conselho de Segurança (Estados Unidos, França e Reino Unido), para a
aquisição de armas nucleares, apesar de não ser parte no Tratado de Não Proliferação.
O mesmo se aplica à Índia e ao Paquistão, duas potências nucleares asiáticas
antagónicas, que beneficiam, no entanto, de uma forte cooperação nuclear por
parte dos Estados Unidos e da França, apesar de não terem ratificado o Tratado
de Não Proliferação Nuclear.
O argumento ocidental ganharia, portanto, credibilidade se o mesmo rigor
jurídico fosse aplicado a todos os outros protagonistas da questão nuclear, na
medida em que a China e a Rússia, os principais aliados do Irão, criaram uma
estrutura para desafiar a liderança ocidental através do Grupo de Xangai, uma
organização de cooperação que se transformou numa OPEP nuclear, reunindo os
antigos líderes do campo marxista (China e Rússia) e as repúblicas muçulmanas
da Ásia Central, com o Irão como observador.
Devido à pressão israelita, transmitida pelos seus aliados europeus,
nomeadamente a França, o Irão parece ser um grande teste militar e diplomático.
A cruzada de Israel contra o Irão tem duas vertentes:
- Evitar uma eventual ameaça iraniana
-Fugir aos seus compromissos internacionais em matéria de resolução da
questão palestiniana. Comparável na sua intensidade à campanha de mobilização
contra o Iraque (2003), ou à guerra para destruir a Síria (2010), esta ofensiva
militar-mediática israelita, ao relegar para segundo plano a resolução do
conflito israelo-palestiniano, visa, de forma subjacente aclimatar a opinião
internacional ao facto consumado da anexação da Palestina, a fim de restaurar o
prestígio israelita, manchado pelos seus repetidos fracassos tanto contra o
Líbano em 2006 como contra o enclave palestiniano de Gaza em 2008-2009 e em
2012 e 2020.
O Irão, por um efeito inesperado, adquiriu a estatura de potência regional
em resultado da política errática dos Estados Unidos, tanto no Afeganistão como
no Iraque, onde os seus rivais ideológicos, os radicais sunitas talibãs e o
laico iraquiano baathista Saddam Hussein, foram eliminados pelo seu antigo
protector americano.
O Irão pretende reconquistar o lugar que considera seu no concerto
regional, e que era seu nos anos 70, quando os americanos atribuíram ao Xá do
Irão o papel de "super polícia" no Golfo, então dominado pela
rebelião comunista em Dhofar (Sultanato de Omã) e pela contestação nacionalista
da "Frente de Libertação Nacional da Península Arábica" na Arábia
Saudita, no Iémen e nos Emirados ricos em petróleo.
Preso entre os aliados do Irão, o Hezbollah no Norte e o Hamas no Sul, o
resultado do confronto entre Israel e o Irão não está garantido, apesar da
superioridade militar de Israel e do apoio absoluto e incondicional dos Estados
Unidos.
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Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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