terça-feira, 5 de março de 2024

Iraque 3/3 – Fracassa a tentativa de assassinato de Saddam Hussein pelos serviços israelitas

 


 5 de Março de 2024  René Naba 

RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.

Este artigo é publicado por ocasião da comemoração do 17º aniversário do enforcamento do presidente Saddam Hussein em 30 de Dezembro de 2006, o dia de Al Adha


Os serviços secretos israelitas sofreram uma derrota esmagadora na sua tentativa de assassinar o Presidente iraquiano Saddam Hussein em 1991.

A operação, que visava retaliar os bombardeamentos balísticos iraquianos contra Israel durante a primeira guerra do Iraque (1990-1991), provocou a morte de 5 membros do comando israelita e 5 feridos, revela um documentário transmitido pelo canal israelita Canal 13, que o site online "Ar Rai al Yom" noticiou em árabe a 1 de Março de 2023.

O documentário 13 tem uma duração de 4 horas e está dividido em oito sequências.

A operação foi concebida pelo general Ehud Barak, na altura chefe do Estado-Maior do exército israelita, mas sem o conhecimento do primeiro-ministro Yitzhak Shamir.

O fracasso foi atribuído pelo documentário à confusão, durante a fase preparatória, entre os mísseis fictícios, destinados ao treino, e os mísseis carregados, destinados à missão real.

Durante o treino, os mísseis reais que deveriam ser utilizados durante o assalto no Iraque foram disparados por engano, matando cinco membros do comando e ferindo outros cinco. Da mesma forma, os tiros disparados contra o soldado que interpretava o presidente iraquiano falharam o alvo. O soldado entrou no palácio presidencial reconstruído, acenando para a multidão à maneira de Saddam Hussein, mas o projéctil caiu perto do seu alvo iraquiano, ferindo o soldado na coxa.

A tentativa de assassinato falhou, portanto, duas vezes. Por ter utilizado os projécteis errados e, pior ainda, por ter falhado o alvo.

O plano israelita foi desenvolvido na sequência dos ataques balísticos iraquianos a Telavive (Tall al Rabih - Colina da Primavera), Haifa e Beersheva (Bi'r as sabeh - Poço do Urso).

Ordenados por Saddam Hussein, os bombardeamentos iraquianos, que mataram 79 israelitas, feriram 230 e destruíram 7.440 casas, tinham um duplo objectivo:

·         Vingar a destruição por Israel da central atómica iraquiana de Tammuz, em 7 de Junho de 1981, que levou ao desmantelamento do reactor Osirak, construído em França.

·         Colocar em falsa posição os Estados árabes que tinham aderido à coligação internacional que, sob a égide dos Estados Unidos, devia invadir o Iraque, em represália pela ocupação do Kuwait.

O documentário foi transmitido trinta anos depois dos acontecimentos, num contexto de tensão entre Israel e o Irão sobre o conflito nuclear iraniano. Terá sido uma mensagem codificada para o Irão? 

Israel versus Irão: uma guerra de frentes invertidas entre os dois antigos aliados da Guerra Fria

É certo que Israel conseguiu, por vezes, atrasar o avanço do programa nuclear iraniano, sem nunca o conseguir neutralizar. E o Irão, em retaliação, conseguiu destruir o navio-almirante da frota israelita, através dos mísseis balísticos do Hezbollah, durante a guerra de Julho de 2006.

Uma guerra entre Israel e o Irão seria o primeiro confronto entre o Estado hebreu e um país não árabe desde a auto-proclamação da sua independência em 1948, há 75 anos.

Sendo o primeiro conflito armado entre Israel e um Estado muçulmano não árabe, a guerra israelo-iraniana estenderia as hostilidades à zona inflamável das petro-monarquias do Golfo Pérsico, muito para além do tradicional campo de batalha dos países limítrofes da bacia histórica do Mandato Britânico da Palestina (Egipto, Jordânia, Líbano, Síria e Palestina).

A concretizar-se, traduziria uma inversão estratégica de tendência, colocando os dois antigos aliados da Guerra Fria, Irão e Israel, em frentes opostas, e colocaria o Islão atlantista, a Turquia e o Egipto, membros da NATO, e as suas petro-monarquias pró-americanas, numa posição delicada.

No período pós-independência dos países árabes, na sequência do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Irão imperial e Israel, juntamente com a Turquia, o segundo maior país muçulmano não árabe do Médio Oriente, tinham forjado uma aliança inversa com o objectivo de imobilizar o mundo árabe e refrear os seus impulsos nacionalistas, em particular no que se refere à questão palestiniana.

A aliança estratégica israelo-iraniana foi quebrada com a queda da dinastia Pahlevi, em Fevereiro de 1979, e com a assinatura, um mês depois, do Tratado de Paz de Washington entre Israel e o Egipto, em 25 de Março de 1979, o que levou à neutralização militar do Egipto e à sua retirada do campo de batalha, ao mesmo tempo que o Irão de Khomeini era promovido a porta-estandarte da causa palestiniana. Uma segunda mudança nos termos do conflito israelo-árabe ocorreu durante a primeira guerra do Golfo (1990-1991), que constituiu a primeira aliança militar objectiva entre Israel, o Egipto e as petro-monarquias árabes, sobrepondo-se à primeira guerra Norte-Sul ao criar uma união sagrada de consumidores de petróleo contra um dos seus principais fornecedores do Sul, neste caso o Iraque de Saddam Hussein. Uma proeza financiada, sublinhe-se, com fundos árabes.

A ascensão do Irão à categoria de "potência nuclear de limiar", apesar de um embargo de trinta anos e de uma guerra de quase dez anos imposta ao Irão através do Iraque, suscitou a admiração de largos sectores da opinião pública do hemisfério sul, que viram nesta inegável proeza tecnológica a prova cabal de uma política de independência, na medida em que permitiu ao Irão dotar-se de uma capacidade de dissuasão militar e, ao mesmo tempo, manter o seu papel de ponta de lança da revolução islâmica.

Numa zona de submissão à ordem israelo-americana, o caso iraniano tornou-se um caso de referência, um benchmark na matéria e, desde então, o Irão passou a ser o centro das atenções de Israel, a sua bête noire, na sequência da destruição do Iraque em 2003.

O Primaz de Israel

A primazia de Israel condiciona a narrativa mediática ocidental e mina a credibilidade da sua abordagem, na medida em que revela uma distorção no comportamento dos países ocidentais em relação às potências nucleares.

Os Estados Unidos e a União Europeia controlam 90% das notícias do mundo e, das 300 principais agências noticiosas, 144 estão sediadas nos Estados Unidos, 80 na Europa e 49 no Japão. Os países pobres, onde vive 75% da humanidade, detêm 30% dos media mundiais (1).

Sendo a única potência nuclear do Médio Oriente, Israel beneficiou constantemente da cooperação activa dos Estados ocidentais, membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, França e Reino Unido), para a aquisição de armas nucleares, apesar de não ser parte no Tratado de Não Proliferação. O mesmo se aplica à Índia e ao Paquistão, duas potências nucleares asiáticas antagónicas, que beneficiam, no entanto, de uma forte cooperação nuclear por parte dos Estados Unidos e da França, apesar de não terem ratificado o Tratado de Não Proliferação Nuclear.

O argumento ocidental ganharia, portanto, credibilidade se o mesmo rigor jurídico fosse aplicado a todos os outros protagonistas da questão nuclear, na medida em que a China e a Rússia, os principais aliados do Irão, criaram uma estrutura para desafiar a liderança ocidental através do Grupo de Xangai, uma organização de cooperação que se transformou numa OPEP nuclear, reunindo os antigos líderes do campo marxista (China e Rússia) e as repúblicas muçulmanas da Ásia Central, com o Irão como observador.

Devido à pressão israelita, transmitida pelos seus aliados europeus, nomeadamente a França, o Irão parece ser um grande teste militar e diplomático.

A cruzada de Israel contra o Irão tem duas vertentes:

- Evitar uma eventual ameaça iraniana

-Fugir aos seus compromissos internacionais em matéria de resolução da questão palestiniana. Comparável na sua intensidade à campanha de mobilização contra o Iraque (2003), ou à guerra para destruir a Síria (2010), esta ofensiva militar-mediática israelita, ao relegar para segundo plano a resolução do conflito israelo-palestiniano, visa, de forma subjacente aclimatar a opinião internacional ao facto consumado da anexação da Palestina, a fim de restaurar o prestígio israelita, manchado pelos seus repetidos fracassos tanto contra o Líbano em 2006 como contra o enclave palestiniano de Gaza em 2008-2009 e em 2012 e 2020.

O Irão, por um efeito inesperado, adquiriu a estatura de potência regional em resultado da política errática dos Estados Unidos, tanto no Afeganistão como no Iraque, onde os seus rivais ideológicos, os radicais sunitas talibãs e o laico iraquiano baathista Saddam Hussein, foram eliminados pelo seu antigo protector americano.

O Irão pretende reconquistar o lugar que considera seu no concerto regional, e que era seu nos anos 70, quando os americanos atribuíram ao Xá do Irão o papel de "super polícia" no Golfo, então dominado pela rebelião comunista em Dhofar (Sultanato de Omã) e pela contestação nacionalista da "Frente de Libertação Nacional da Península Arábica" na Arábia Saudita, no Iémen e nos Emirados ricos em petróleo.

Preso entre os aliados do Irão, o Hezbollah no Norte e o Hamas no Sul, o resultado do confronto entre Israel e o Irão não está garantido, apesar da superioridade militar de Israel e do apoio absoluto e incondicional dos Estados Unidos.

Para seguir o mesmo tema

§  https://www.madaniya.info/2022/01/17/irak-israel-missiles-saddam-hussein-pionnier-de-la-balistique-anti-israelienne/

§  https://www.madaniya.info/2019/01/04/quand-saddam-hussein-devait-connaitre-le-sort-danouar-el-sadate/

§  https://www.madaniya.info/2016/12/23/l-extraordinaire-sang-froid-de-saddam-hussein-face-a-ses-bourreaux-face-a-la-mort/

§  https://www.madaniya.info/2018/11/12/quand-ariel-sharon-projetait-d-abattre-un-avion-civil-transportant-yasser-arafat/

 

Fonte: Irak 3/3 – Échec cuisant de la tentative d’assassinat de Saddam Hussein par les services israéliens – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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