quarta-feira, 6 de março de 2024

Marx, Capitalismo e Comunismo por Adam Buick

 


 6 de Março de 2024  Oeil de faucon 

Membro do Partido Socialista da Grã-Bretanha desde 1962, foi seu secretário ultramarino e depois secretário-geral em 1993-1995, e continua a ser um dos seus principais oradores. Autor, com John Crump, de State capitalism: The Wages System Under New Management (1986). Adam enviou-nos a colecção quase completa de World Socialism e contribuiu para várias traduções.

Marx nasceu em 1818 e morreu em 1883. Tornou-se comunista em finais de 1843. A sua actividade política em prol do comunismo estendeu-se, portanto, por quase quarenta anos, de 1843 a 1883. A sua actividade política foi inevitavelmente influenciada pelas condições de vida da época. O capitalismo era então um sistema social relativamente jovem, ainda na sua fase de expansão. Baseado no carvão e no ferro, a sua tecnologia, embora enormemente mais produtiva do que a do passado, era atrasada em comparação com a tecnologia moderna. Não se conhecia o motor eléctrico nem o diesel. Os transportes limitavam-se à locomotiva a vapor e à carruagem puxada por cavalos. As casas e as ruas eram iluminadas a gás. Muitos, se não a maioria, dos trabalhadores ainda trabalhavam em pequenas oficinas e não nas grandes fábricas que conhecemos hoje.

Também politicamente, o capitalismo estava ainda na sua fase de crescimento. As formas políticas do capitalismo (controlo parlamentar, direito de voto alargado, administração profissional) só existiam em alguns países e, mesmo assim, eram incompletas. A maior parte da Europa era governada por regimes francamente anti-democráticos, com governantes hereditários apoiados por uma aristocracia fundiária. Os três regimes mais poderosos (a Rússia czarista, a Áustria dos Habsburgos e o Reino da Prússia) constituíam uma ameaça permanente para as formas políticas capitalistas, onde quer que se estabelecessem.

Em suma, Marx envolveu-se politicamente numa época em que o capitalismo ainda não era o sistema mundial dominante, económica e politicamente falando. Este facto teve uma influência decisiva na sua táctica política. Ele acreditava que o capitalismo abriria o caminho para o comunismo e que este ainda tinha trabalho a fazer. Por isso, defendia que, dadas as circunstâncias, era dever dos comunistas trabalhar não só pelo comunismo, mas também pelo progresso do capitalismo, em detrimento das formas políticas e sociais reaccionárias. Isto levou Marx a apoiar campanhas que visavam a instauração da democracia política ou que, na sua opinião, teriam por efeito estabilizar ou proteger a democracia.

Assim, apoiou a independência da Irlanda para enfraquecer o poder da aristocracia fundiária inglesa, que constituía um obstáculo ao desenvolvimento da democracia política na Grã-Bretanha. Apoiou igualmente a independência da Polónia, a fim de criar um Estado-tampão entre a Rússia czarista e o resto da Europa, para dar à democracia política uma oportunidade de se desenvolver nesse país. Por outro lado, não apoiou os movimentos eslavos que exigiam a independência da Áustria ou da Turquia. Em todo o caso, isto mostra que não foi por acreditar que todas as nações tinham um direito abstracto à autodeterminação que apoiou certos movimentos independentistas.

De facto, Marx era tão opositor da Rússia czarista que chegou a apoiar a aliança franco-britânica na guerra da Crimeia - o que foi um erro de julgamento, puro e simples. Apoiou a criação de um Estado unificado na Alemanha e em Itália, porque acreditava que isso aceleraria o desenvolvimento do capitalismo nesses países, e tomou uma posição nortista na Guerra Civil Americana, acreditando que uma vitória dos esclavagistas sulistas atrasaria o desenvolvimento do capitalismo na América.

Estas posições eram até certo ponto compreensíveis numa altura em que o capitalismo ainda não tinha acabado de criar as bases materiais do comunismo, uma vez que o seu objectivo era acelerar este processo. Mas assim que o capitalismo criou essas condições, digamos trinta anos após a morte de Marx, essas posições tornaram-se ultrapassadas e até reaccionárias, de acordo com a teoria do próprio Marx.

Trinta anos após a morte de Marx, a electrificação da indústria, o motor de combustão interna, a rádio e outros avanços tecnológicos tinham surgido e tornavam claro que o problema de produzir abundância para todos tinha sido resolvido, que a escassez tinha sido finalmente ultrapassada e que a humanidade podia finalmente começar a beneficiar do trabalho árduo das gerações anteriores de produtores - mas apenas se o capitalismo fosse abolido e o comunismo alcançado.

Em 1914, eclodiu a guerra, justamente chamada "mundial", que marcou a emergência do capitalismo como sistema mundial predominante e incontestado e levou à queda dos três impérios reaccionários que Marx tinha visto como ameaças ao progresso democrático e social do seu tempo.

Graças a esta mudança de circunstâncias, os comunistas já não tinham de ajudar o capitalismo a preparar o caminho para o comunismo. O capitalismo já o tinha feito e tinha-se tornado, portanto, um sistema reaccionário; por isso, os comunistas tinham de dedicar os seus esforços exclusivamente a encorajar o desenvolvimento da consciência comunista e a organização da classe operária. Não podem deixar-se desviar deste objectivo, propondo ou apoiando reformas sociais e democráticas e movimentos para a criação de novos Estados, ou apoiando qualquer dos lados da guerra.

Marx também se preocupou com outro problema que mais tarde foi resolvido pelos avanços tecnológicos do capitalismo: a transição para o comunismo. Marx viveu numa época em que o capitalismo ainda não tinha lançado completamente as bases que permitiriam a realização imediata do comunismo. Quando esta objecção foi levantada, ele respondeu que, se a classe operária tivesse tomado o poder nessa altura (o que, como podemos ver agora, era altamente improvável, dada a imaturidade política da classe operária na época e o facto de muitas pessoas ainda estarem empregadas na pequena indústria), teria sido necessário um período de transicção relativamente longo, que teria permitido primeiro a centralização da administração dos meios de produção, que ainda não estavam totalmente industrializados. Uma vez feito isso, teríamos de trabalhar para o rápido desenvolvimento dos meios de produção, de modo a podermos em breve satisfazer todas as necessidades humanas. Mas entretanto, ainda segundo Marx, o consumo teria de ser limitado, mesmo numa sociedade baseada na propriedade comum e na gestão democrática dos meios de produção: o livre acesso em função das necessidades individuais não poderia ser implementado enquanto os meios de produção não estivessem mais desenvolvidos. Marx não mencionou quanto tempo isso levaria, mas se avaliarmos o progresso tecnológico que se seguiu, podemos supor que teria levado cerca de trinta anos.

Esta visão fazia sentido na altura, mas não hoje. Actualmente, os "períodos de transição", as "ditaduras revolucionárias" e as "ordens de serviço" já não são pertinentes e representam conceitos do século XIX. O livre acesso de todos aos bens e serviços, de acordo com as necessidades individuais, poderia ser plenamente introduzido quase imediatamente após a realização do comunismo - e o comunismo poderia ser realizado logo que a classe operária o desejasse e tomasse as medidas políticas necessárias.

No entanto, é questionável se a falta de desenvolvimento industrial e social em algumas partes do mundo poderia atrasar a realização do comunismo. Este problema é conhecido como o problema dos países "atrasados", mas é mais exactamente o problema do desenvolvimento desigual. A resposta simples é não. Não é necessário que todo o mundo se industrialize ou que toda a população do mundo se transforme em assalariados não-proprietários para que o comunismo possa ser alcançado.

A base material do comunismo é a organização mundial estabelecida pelo capitalismo. A massa de riqueza produzida no mundo actual é produzida pelo trabalho cooperativo de milhões de pessoas empregadas para gerir esta organização. O capitalismo deu origem à classe operária, cujo interesse económico é a realização do comunismo. É por isso que a força do movimento comunista virá dos assalariados das regiões do mundo onde o capitalismo está avançado.


Com efeito, o desenvolvimento industrial não está, de modo algum, distribuído uniformemente por todo o mundo. Na Europa, na América do Norte, na Austrália, no Japão, na Rússia, a grande maioria da população vive e trabalha em condições capitalistas de produção para obter lucro e trabalho assalariado, enquanto em algumas partes do mundo a indústria capitalista é apenas um oásis no meio de um deserto de agricultura atrasada. Entre estes dois polos encontram-se países em diferentes fases de desenvolvimento industrial. Por enquanto, nem todos os seres humanos são assalariados sem propriedade, sendo a maioria dos restantes camponeses ainda explorados por latifundiários e usurários.
Dizer que uma grande parte das pessoas não está sujeita às condições de vida capitalistas não significa que as suas vidas não sejam afectadas por este sistema. As flutuações dos preços no mercado mundial têm uma influência directa no seu nível de vida, e não podem escapar às consequências das guerras entre as potências capitalistas. Tendo em conta este facto e o facto de a maior parte da riqueza mundial ser produzida nos países capitalistas, podemos dizer que o capitalismo é o sistema social predominante no mundo de hoje.

Não há necessidade de esperar que a produção capitalista exista em todo o lado para que o comunismo possa ser alcançado. O comunismo é possível agora e tem-no sido desde há muitos anos, desde que existe a sua base industrial. Logo que os trabalhadores do mundo o queiram, poderão estabelecer a propriedade comum dos meios de produção e de distribuição e realizar uma produção orientada exclusivamente para a satisfação das necessidades humanas.

O capitalismo à escala mundial está há muito ultrapassado, pelo que a sua introdução nos países industrialmente sub-desenvolvidos deixou de ser uma etapa necessária do progresso económico. O comunismo, que implica a emancipação de toda a humanidade, pode resolver os problemas dos habitantes desses países, bem como os dos trabalhadores dos países capitalistas há muito estabelecidos. Uma vez alcançado o comunismo, não haverá razão para que esses países não se desenvolvam em condições radicalmente diferentes das impostas pelo capitalismo.

Sejam quais forem os resultados a longo prazo, o impacto imediato do capitalismo nas sociedades pré-industriais foi desastroso em todo o lado. Começou com o tráfico de escravos nos primeiros tempos do capitalismo e, actualmente, esta parte do mundo está à beira da fome. O capitalismo desmembrou essas sociedades para obrigar os trabalhadores a trabalhar nas plantações, nas minas e nas fábricas que criou. Tudo isto causou um terrível sofrimento humano.

As pessoas já não precisam de sofrer mais em nome de um futuro melhor. Graças à propriedade comum e à orientação da produção para a satisfação exclusiva das necessidades humanas, o desenvolvimento industrial pôde realizar-se sem os inconvenientes que sempre o acompanharam no regime capitalista. Graças aos conhecimentos já adquiridos por médicos, nutricionistas, sociólogos e outros, a transição para as técnicas de produção industrial poderia, num mundo comunista, ser efectuada sem aumentar a miséria humana. As pessoas em causa não seriam vítimas forçadas a tornarem-se assalariadas, mas seriam ajudadas por pessoas de outras partes do mundo a tornarem-se membros de pleno direito da comunidade comunista, capazes de usufruir de educação e de abundância, capazes de dar o seu próprio contributo para a sociedade. Se certos grupos ou indivíduos não quisessem mudar o seu modo de vida, ninguém os obrigaria a fazê-lo, mas é provável que esses casos fossem muito raros, uma vez que o capitalismo já desintegrou a maior parte das sociedades pré-industriais e fez com que as pessoas desejassem uma vida mais satisfatória. O desenvolvimento das regiões mais atrasadas do mundo será um dos problemas da sociedade futura, mas, como noutros casos, o comunismo proporcionará um quadro em que este problema poderá ser resolvido de forma racional e humana. Uma vez que o capitalismo já não tem nada de positivo a contribuir para o desenvolvimento dos meios de produção, distribuição e comunicação, não devemos apoiar os chamados movimentos de "libertação nacional" e "anti-imperialistas" que visam conquistar o poder político nos países sub-desenvolvidos para modernizar e industrializar as regiões que governam. Muitos destes movimentos, e os regimes que instalaram, inspiraram-se no modelo bolchevique. Os bolcheviques eram uma minoria resoluta que tomou o poder na Rússia em 1917 e, através de políticas ditatoriais, construíram uma economia capitalista moderna, impondo-se como a nova classe privilegiada e exploradora. Do ponto de vista dos governados, a subida ao poder de uma tal classe não representa mais do que uma mudança de senhores, com a perspectiva de passar do estado de camponeses explorados para o de assalariados explorados. Mais uma vez, isto não tem nada a ver com o comunismo e não é de todo necessário, uma vez que o comunismo à escala mundial já é possível há muito tempo.

Adam, 2001-12-20

 

Fonte: Marx, le capitalisme et le communisme par Adam Buick – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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