quarta-feira, 6 de março de 2024

Para que surja um novo império, é necessário que desapareça um velho império

 


 6 de Março de 2024  Robert Bibeau  


Para que um novo império surja, é necessário que um antigo império desapareça. Poder-se-ia igualmente dizer que, se um velho império desaparece, surge um novo império. O Império Soviético desapareceu em 1991, dando origem ao Império Russo. Actualmente, o Império Americano está em declínio, dando lugar ao surgimento do Império Chinês multipolar. O geoestrategista Pepe Escobar vê-se a si próprio como o escriba - a testemunha - da emergência deste novo império "multipolar", no sentido em que, antes de impor a sua hegemonia a toda a sua irmandade - os seus aliados - a superpotência chinesa os seduzirá com a promessa de uma partilha multipolar do poder... que não durará muito tempo. O modo de produção capitalista, na sua fase imperialista de evolução, só tolera um general-chefe para os clãs do capital. A função da concorrência inter-imperialista é determinar o soberano "unipolar" do império. Mestre Escobar conta com entusiasmo a sua participação numa conferência na Rússia onde os vassalos do Terceiro Mundo (os antigos não-alinhados da Conferência de Bandung de 1955) juraram fidelidade ao novo império emergente.




Por Pepe Escobar.

 

O Sul Global está a convergir para uma Moscovo multipolar

 


Eis o que é preciso recordar sobre estes dias frenéticos em Moscovo: Normal-o-philes (Normalófilos – NdT) de todo o mundo, uni-vos.

Estes foram dias multipolares frenéticos na capital do mundo multipolar. Tive a honra de dizer pessoalmente ao Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, que quase todo o Sul global parecia estar representado num auditório do Pólo de Inovação Lomonosov, numa tarde de segunda-feira - uma espécie de ONU informal e, em muitos aspectos, muito mais eficaz quando se trata de respeitar a Carta das Nações Unidas. Os seus olhos brilharam. Lavrov, mais do que a maioria, compreende o verdadeiro poder da Maioria Global.

Moscovo acolheu uma conferência multipolar consecutiva, bem como a segunda reunião do Movimento Internacional dos Russofilos (MIR, cujo acrónimo francês significa "mundo" em russo). Em suma, os debates e a criação de redes deram uma boa indicação da construção de uma ordem internacional verdadeiramente representativa, longe da escuridão imposta pela agenda de uma cultura unipolar única e de guerras intermináveis.

A sessão plenária de abertura do primeiro dia foi dirigida pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, cuja mensagem principal foi muito clara:"Não pode haver liberdade sem livre arbítrio", que poderia facilmente tornar-se o novo lema colectivo do Sul global. Os "Estados civilizacionais" deram o mote para o debate geral, uma vez que concebem meticulosamente os planos de desenvolvimento económico, tecnológico e cultural do mundo hegemónico pós-ocidental.

Zhang Weiwei, professor de Relações Internacionais no Instituto Chinês da Universidade de Fudan, em Xangai, resumiu os quatro pontos cruciais para que Pequim desempenhe o seu papel de"novo pólo independente". Isto parece ser um marcador conciso da situação actual:

1. Na ordem unipolar, tudo pode ser transformado em arma, desde dólares a microchips. As guerras e as revoluções coloridas são a norma.

2. A China tornou-se a maior economia do mundo em termos de PPC, a maior economia comercial e industrial, e está actualmente na vanguarda da quarta revolução industrial.

3. A China propõe um modelo de "Unir e Prosperar" em vez do modelo ocidental de "Dividir para Reinar".

4. O Ocidente tentou isolar a Rússia, mas a maioria mundial simpatiza com ela. Assim, o Ocidente colectivo foi isolado pelo Remanescente Mundial.

Combater a "guerra teopolítica"

O termo "remanescente mundial" é um termo impróprio: a maioria mundial é o nome do jogo. O mesmo se aplica aos "mil milhões de ouro"; aqueles que beneficiam do momento unipolar, principalmente através do Ocidente colectivo e como elites compradoras nos satélites, são apenas cerca de 200 milhões, na melhor das hipóteses.

Na tarde de segunda-feira, em Moscovo, foram organizadas três sessões paralelas: sobre a China e o mundo multipolar, onde a estrela foi o professor Weiwei; sobre o Ocidente pós-hegemónico, sob o título "É possível salvar a civilização europeia?" - com a presença de vários europeus dissidentes, académicos, especialistas de grupos de reflexão e activistas; e o tema principal, que apresentou os principais actores da multipolaridade.

Tive a honra de moderar a impressionante sessão sobre o Sul Global, que durou mais de três horas - na verdade, poderia ter durado todo o dia - e contou com várias apresentações impressionantes de africanos, latino-americanos e asiáticos, da Palestina à Venezuela, incluindo o neto de Nelson Mandela, Mandla.

Era o Sul global multipolar em pleno andamento - porque o meu imperativo era abrir a palavra ao maior número possível de pessoas. Se os organizadores publicassem um bestseller das apresentações, poderia facilmente tornar-se um sucesso mundial.

Mandla Mandela sublinhou que era altura de nos afastarmos do sistema unipolar dominado pelo Hegemon, "que continua a apoiar Israel".

Este discurso foi complementado pelo da carismática activista beninense Kemi Seba, que encarna de forma brilhante a liderança africana de amanhã. Durante a sessão plenária, Seba introduziu um conceito-chave que tem de ser desenvolvido a nível mundial: estamos a viver uma "guerra teo-política".

Este conceito resume perfeitamente a guerra híbrida que está a ser travada simultaneamente pelo Ocidente contra o Islão, o Xiismo, a ortodoxia cristã - na verdade, todas as religiões, com excepção do culto Woke.

No dia seguinte, o segundo congresso do movimento internacional russofilo ofereceu três sessões de debate: a mais relevante foi sobre - o que mais - "guerra informacional e híbrida".

Tive a honra de partilhar o palco com Maria Zakharova - e depois da minha apresentação ao estilo free jazz, baseada em mais de 40 anos de prática de jornalismo em todo o planeta e observando em primeira mão a total degradação da indústria, iniciámos um diálogo, que se espera útil, sobre media e soft power.

A sugestão que fiz, não apenas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, mas a todos no Sul global, foi simples: esqueçam os meios de comunicação tradicionais controlados pela oligarquia, eles já estão mortos. Não têm nada de relevante para dizer. O presente e o futuro são as redes sociais, os meios de comunicação "alternativos" - que já não são alternativos, pelo contrário - e os meios de comunicação dos cidadãos, aos quais devem ser aplicados os mais rigorosos padrões jornalísticos.

À noite, antes de todos começarem a festejar, alguns de nós foram convidados para um jantar de trabalho aberto, franco e informativo com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Lavrov, numa das magníficas salas com frescos do Hotel Metropol, um dos maiores hotéis da Europa desde 1905.

Uma lenda com um sentido de humor perverso

Lavrov estava descontraído, entre amigos; depois de uma primeira demonstração de força  diplomática de cortar a respiração, que cobriu uma série de pontos altos desde as últimas décadas até à actual conjuntura sombria, abriu a mesa às nossas perguntas, tomando notas e respondendo a cada uma delas em pormenor.

O que é surpreendente ao estar frente a frente com o diplomata mais lendário do mundo desde há algum tempo, num ambiente descontraído, é a sua tristeza genuína perante a raiva, a intolerância e a total falta de pensamento crítico demonstrada pelos europeus em particular. Ao longo da nossa conversa, isto foi muito mais importante do que o facto de as relações entre os Estados Unidos e a Rússia estarem num ponto mais baixo de sempre.

Lavrov, no entanto, continua altamente motivado pelo Sul Global e pela Maioria Mundial, bem como pela presidência russa dos BRICS este ano. Elogiou o Ministro dos Negócios Estrangeiros indiano, Jaishankar, e a relação global com a China. Sugeriu que o movimento russófilo deveria desempenhar um papel mundial, sugerindo, de forma divertida, que todos deveríamos fazer parte de um movimento "normalófilo".

Lavrov, a lenda, é também conhecido pelo seu sentido de humor. E o humor é mais eficaz quando é muito sério. Eis o que se pode tirar destes dias frenéticos em Moscovo: "Normalófilos de todo o mundo, uni-vos".

Pepe Escobar

fonte: Strategic Culture Foundation

 

Fonte: Pour qu’un nouvel empire émerge il faut qu’un ancien empire disparaisse – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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