quinta-feira, 7 de março de 2024

A guerra espera-me, ultrapassa-me, extingue-me

 


 7 de Março de 2024  Robert Bibeau  


Por Khider Mesloub.

A guerra infeliz, essa ceifeira que deixa poucas hipóteses de sobrevivência, está a regressar por todo o lado a todo o galope, preparada pelos figurões, iniciada pelos rancorosos governamentais e pelos nojentos capitalistas.

Esta é uma oportunidade para oferecer aos leitores um extracto de uma canção do grande cantor argelino de língua cabila, Lounis Ait Menguellet. Trata-se de uma adaptação pessoal da canção intitulada Arju-yi, Espera por mim.

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Não sei o que aconteceu ontem à noite. A aldeia estava em alvoroço. As multidões enchiam as ruas. O luar estava congelado nas pedras. Quando as pessoas passavam sob a luz, o que levavam aparecia por cima das suas cabeças.

Quando me levantei na manhã seguinte, não ouvia vozes. Será que o tinham enterrado sem eu lá estar? Mas eu estava na aldeia.

Nem as nossas lágrimas, nem as nossas palavras, nem os nossos gritos, nem as nossas opressões, aliviarão o que é pesado. Certamente que mais um camarada alistado foi enterrado.

Para reforçar o exército, as autoridades disseram-me que era a minha vez de ir para a frente.

Os governantes que me recrutaram dizem que a guerra vem primeiro. Mesmo antes do meu sustento, dos meus pais e da minha mulher.

Os governantes inventaram mais inimigos para nós, digo a mim próprio.

Estou a ser enviado para combater. Quem sabe se voltarei vivo, aleijado ou morto?

Então, meus queridos pais, vou ter de ir para a guerra. Tenho de aceitar o que quer que aconteça. Aqueles que voltarem vivos trarão notícias.

Assim que lá chegar, escrevo-vos a contar a minha provação.

Alguns veteranos, destroçados pela guerra e cansados da vida, informaram-me que, quando entrar no comboio, encontrarei camaradas com rostos semelhantes aos meus. Quando olhar para eles, verei que sou igual a eles: estamos todos no mesmo barco. Esta bandeira capitalista que sangra constantemente miséria e guerra. Desolação e trauma.

Meus infelizes irmãos de armas, se caírem, eu estarei lá. Se eu cair, vós estareis lá. Somos irmãos na aflição, digo para mim próprio.

Os veteranos informaram-me que, quando chegar, vou encontrar muita companhia. Mudamos de roupa juntos e vestimos o uniforme de combate. Todos os dias, ao longe, ouviremos o som do trovão: o assobio macabro dos canhões e o crepitar fúnebre das balas das metralhadoras. E de perto, os gemidos de dor dos feridos, os últimos gritos agonizantes dos mutilados.


O meu nome será inscrito numa corrente, uma espingarda será colocada nas minhas mãos.

Na frente de combate, sei que é com o coração cheio de medo, de desânimo e de remorsos que vou enfrentar a guerra e o combate. Começarei a contar os minutos. Depois de cada dia sangrento, seguir-se-á outro dia mais sangrento. Perderei os meus cálculos. E provavelmente a minha razão, a minha humanidade, à força de matar. À força de ver os cadáveres amontoados, enterrados em valas comuns.

No meio da guerra, tomado de optimismo pela minha mulher deixada em casa, saberia provavelmente que tinha nascido uma filha. Chamávamos-lhe Paz, pensava eu. Talvez fosse um bom presságio.

Melhor ainda. No meio do tumulto da guerra, chegaria o dia em que eu gritaria com os meus camaradas rebeldes: estamos fartos das guerras travadas pelos meus outros irmãos proletários estrangeiros, que foram apresentados como inimigos, e pelos meus compatriotas. Estamos cansados de lutar. É-nos difícil, ou mesmo repugnante, matar. Alegria em sobreviver. Voltar a viver em paz.

E, no entanto, por experiência, sei que, uma vez terminada a enésima guerra capitalista, depois de ter exterminado milhões de vidas, e de todos terem regressado a casa para lamber as feridas e esquecer os seus tormentos, a próxima já estará a surgir no horizonte.

Para contrariar esta perspectiva, uma nova guerra militar assassina e genocida, não deveria o proletariado desencadear preventivamente uma guerra social emancipadora contra os poderosos, para enterrar de uma vez por todas o seu sistema capitalista e as suas guerras recorrentes e repugnantes?

Khider MESLOUB

 

Fonte: La guerre m’attend, m’atteint, m’éteint – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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