25 de Março
de 2024 Robert Bibeau
Por M.K. Bhadrakumar –
6 de Março de 2024 – Fonte Indian Punchline e em Are the Foundations of Biden Russia
Strategy Changing? | O Saker francophone
A demissão da subsecretária de Estado dos EUA para Assuntos Políticos, Victoria Nuland, a terceira diplomata de mais alto escalão do governo Biden, ocorreu como um trovão na segunda-feira.
Uma explicação fácil pode ser a de que
ela está descontente por ter sido afastada da promoção a secretária, cobiçada
em 2021 no início da presidência Biden, e ser substituída por Kurt Campbell,
principal conselheiro do presidente Biden para a China, que foi recentemente
nomeado.
Os elogios entusiásticos
do secretário de Estado Antony Blinken a Nuland, de 62 anos, quando ela deixou
o Serviço de Relações Exteriores inesperadamente, geralmente são reservados
para funerais.
O legado da Guerra Fria significa que
aqueles que lidam com a Rússia nos assuntos externos dos EUA tendem a ter
opiniões fortes sobre a sua área de especialização. George Kennan lamentou
muitas vezes que a sua adesão a uma estratégia de contenção da União Soviética,
tal como descrita no seu famoso "longo telegrama" de 5.400 palavras enviado pela
embaixada de Moscovo – seguido de uma segunda contribuição lendária sob a forma
de um artigo publicado na Foreign Affairs sob o pseudónimo "X" –
tivesse sido totalmente mal interpretada e transformada num programa de
confrontação militarizado.
Em 1948, Kennan
começou a estar insatisfeito com a carreira diplomática e, durante os mais de
cinquenta anos que viveu após a sua demissão, foi um crítico frequente da
política externa dos EUA. Uma esplêndida biografia de Kennan, recentemente
publicada A Life
Between Worlds, de Frank Costigliola, pinta um retrato de um homem de extraordinária
capacidade e ambição, cuja ideia de conter a União Soviética ajudou a
desencadear a Guerra Fria, mas que ele próprio passou o meio século seguinte a
tentar acalmar as coisas.
Sempre
perspicaz, Kennan
alertou na década de 1990 que a expansão da OTAN para o leste desencadearia uma
nova Guerra Fria com a Rússia. Num telegrama enviado em Agosto de
1948 como director de planeamento político, Kennan abordou a grande questão que
ainda ressoa hoje: os Estados Unidos devem favorecer a manutenção da
integridade territorial do império soviético ou esforçar-se para dividi-la?
Kennan aconselhou os EUA a serem excepcionalmente cautelosos ao defender a
independência da Ucrânia. Ele reconheceu o poder da identidade ucraniana e
aconselhou Washington a não se opor a uma Ucrânia independente, mas a ter muito
cuidado para não ser percebido como o poder que argumenta a seu favor, dadas as
sensibilidades russas!
Na minha opinião, a decisão de Victoria Nuland de jogar a toalha como
diplomata de carreira pode encaixar-se numa matriz semelhante à desilusão de
Kennan, cujo conselho foi ignorado pelo governo Truman. Isto requer alguma
explicação.
A impressão geral
de Nuland
é a de um "falcão" inveterado e russofóbico inflamado pela ideologia
neoconservadora e pelo excepcionalismo americano, que precipitou a intervenção
russa na Ucrânia e é o grande responsável por alimentar a guerra em curso. É
claro que é inegável que Nuland desempenhou um papel fundamental na mudança de
regime em Kiev há uma década.
Mas o que está
enterrado nos escombros e quase esquecido hoje é que Nuland também promoveu os
acordos de Minsk como uma saída para o impasse no Donbas, onde a violência
explosiva eclodiu em 2014, quando separatistas étnicos russos, com o apoio do
interior russo, rejeitaram a
usurpação artificial do poder em Kiev por forças ultranacionalistas ucranianas.
Não há dúvida de que, após o estabelecimento do novo governo na Ucrânia,
Nuland tornou-se um dos principais conservadores da política do país,
especialmente dos processos que ocorreram entre Kiev e Moscovo. Nuland tem sido
muito activa no que diz respeito aos acordos de Minsk e, no início de 2016,
reuniu-se várias vezes com Vladislav Surkov, então conselheiro presidencial
russo, e discutiu planos para a implementação da parte política dos acordos
relativos ao estatuto especial do Donbass na Ucrânia.
No entanto, a ascensão de Donald Trump ao poder em Janeiro de 2017 pôs fim
a esse ímpeto, já que o famoso guerreiro frio Kurt Volker foi nomeado enviado
especial para a Ucrânia para substituir Nuland, que renunciou ao seu cargo no
governo. Dois anos depois, Volker também renunciou ao cargo de enviado especial
depois de ser envolvido no escândalo da Ucrânia que acabou por envolver a
presidência de Trump.
De qualquer forma, no
período que antecedeu as eleições presidenciais de Novembro de 2019 (vencidas
por Biden), Nuland declarou publicamente que seria necessário retomar os
trabalhos sobre os acordos de Minsk. "Penso que devemos iniciar negociações sérias sobre a
implementação dos acordos de Minsk (...) Espero que sejamos convidados a fazer
parte deste processo se e quando os Estados Unidos começarem, uma vez mais, a
ver a Ucrânia como um compromisso importante para o futuro da democracia.
Espero que isso aconteça após as nossas eleições em Novembro (de 2019)."
Nuland também indicou
que não sabia de outra maneira de fazer com que a Rússia se retirasse da
Ucrânia a não ser o documento
de Minsk, que, afinal, o próprio presidente Putin assinou. No entanto, a
política de Joe Biden para a Rússia tomou uma trajectória completamente
diferente.
A única explicação plausível seria que, como um acérrimo defensor do
transatlântico ao longo da sua carreira, Biden priorizou reverter a negligência
benevolente de Trump em relação ao sistema de alianças da NATO (que também foi
crucial para a sua estratégia de contenção da China) e que era tacticamente
vantajoso retratar a Rússia como um inimigo para restaurar o peso da liderança
transatlântica dos EUA, que enfraqueceu sob Trump.
Ao mesmo tempo, a inclusão dos candidatos de Hillary Clinton na equipe de
política externa de Biden em posições-chave também significou a injecção de uma
dose pesada de russofobia nas políticas dos EUA. O resto é história.
É óbvio que Nuland desempenhou um papel importante
na vida da Ucrânia e só podemos adivinhar a extensão disso. Na verdade, ela celebrou
publicamente a sabotagem do gasoduto Nord Stream, que quebrou o cordão
umbilical que liga a Alemanha a uma aliança geopolítica com a Rússia. No mês
passado, após uma visita repentina a Kiev, Nuland prometeu que surpresas
desagradáveis aguardavam o Kremlin na guerra na Ucrânia.
Referia-se à
ideia de
um destacamento de combate na Ucrânia por parte dos países da NATO? Não há uma resposta
fácil. A Casa Branca interveio duas vezes, pelo menos tardiamente, para dizer
que o envio de tropas norte-americanas para o terreno na Ucrânia não era uma
opção.
O facto é que é perfeitamente concebível que a saída de Nuland seja um reflexo
do colapso de toda a arquitectura da estratégia dos EUA na Ucrânia, que ela
havia concebido.
A porta-voz do Ministério dos Negócios
Estrangeiros russo, Maria Zakharova, insistiu que este desenvolvimento deve ser
atribuído unicamente ao fracasso das políticas anti-russas dos Estados Unidos:
"Eles [os americanos] não vão dizer a razão. Mas é
simples: o fracasso das políticas anti-russas da administração Biden. A
russofobia, proposta por Victoria Nuland como o principal conceito da política
externa dos EUA, está a afundar os democratas como uma pedra. Como já estão no
fundo do abismo, não lhes permite voltar a subir."
Tudo considerado,
portanto, pode haver um significado adicional para a intrigante observação feita ontem pelo chefe dos serviços secretos
estrangeiros da Rússia, Sergey Naryshkin, prometendo ao seu homólogo da CIA,
William Burns, que respeitaria escrupulosamente o seu acordo mútuo para não
permitir fugas das suas comunicações. "Concordamos em não permitir fugas não só sobre a
natureza, sobre os assuntos que estão a ser discutidos ou serão discutidos nas
nossas reuniões presenciais, nas nossas conversas telefónicas, mas também sobre
o facto de terem ocorrido. Estou a cumprir esse acordo", disse
Naryshkin. (sublinhado nosso).
O facto de Naryshkin
ter enviado a sua mensagem a Burns num dia tumultuado, a marcar o anúncio da
demissão de Victoria Nuland, e menos de uma semana depois do invulgar aviso nuclear
de Putin aos Estados Unidos, pode ser uma coincidência. Mas seria
extraordinário se um político experiente e um chefe dos serviços secretos falassem
de forma descontraída.
M.K. Bhadrakumar
Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker Francophone.
Fonte: Regard incisif sur les complots occidentaux dans la guerre en Ukraine – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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