Por Khider Mesloub.
Nesta contribuição, introduzirei um novo paradigma para desmistificar a alegada diferença entre democracia e ditadura, e desmantelar os mecanismos desta fraude eleitoral chamada democracia.
Ao contrário do que se pensa, a diferença entre democracia e ditadura não é
de género. É essencialmente de grau. De âmbito. Ou, mais precisamente, no
posicionamento do "cursor normativo governamental".
O segredo da mistificação democrática reside nesta "variável"
política liberal, que pode assumir várias formas, todas elas girando em torno
de um mesmo governo central dominado pelo Capital.
Para recordar, em ciência, uma variável é uma letra à qual se podem
atribuir valores diferentes. Em álgebra, tentamos generalizar os cálculos
substituindo muitas vezes os números por letras. Estas letras são chamadas
variáveis. Uma variável pode ser representada por qualquer letra do alfabeto.
Em política, numa sociedade capitalista desenvolvida, o capital (a variável)
pode ser representado por qualquer uma das formações burguesas do espectro
político liberal, que se estende da esquerda à direita, passando pelo centro.
Se numa ditadura, em vigor nos países que só recentemente se integraram no
mundo capitalista e que, portanto, ainda estão ancorados na fase de dominação
formal, caracterizada pela ausência de um capital hegemónico dotado de meios
eficazes de condicionamento ideológico com poderosos poderes de subjugação, o
cursor da "normalidade governamental" (no sentido de conformidade com
a norma governamental e ideológica dominante) não se posiciona em lado nenhum,
nem no centro, nem à direita, nem à esquerda da governação e da ideologia
dominante do poder, ou seja, nenhuma dissidência é tolerada ou aprovada por
falta de garantia do Estado (a burguesia não tem confiança no seu poder por
falta de legitimidade institucional historicamente estabelecida) e de apoio dos
cidadãos (a ideologia da cidadania é ainda embrionária nestes Estados-nação
recém-criados); Por outro lado, numa democracia de mercado, como nos países
capitalistas desenvolvidos há muito tempo e dotados de uma poderosa indústria
de condicionamento mental, o cursor da "normalidade governamental" é
fixado discriccionariamente no "centro político liberal", com uma
ligeira extensão à direita e à esquerda para dar a ilusão de uma pluralidade de
correntes políticas.
A dissidência, pelo contrário, é empurrada para além destas duas correntes
políticas, direita e esquerda. Para designar essa dissidência, o Estado
capitalista democrático utiliza deliberadamente uma terminologia que deprecia,
desqualifica e criminaliza. Termos pejorativos e assustadores como
"extremo", "extremista", "extremismo". É claro
que é a classe dominante (o capital) que determina a "centralidade do
governo", baseada, como é óbvio, no liberalismo, na intangibilidade da
propriedade privada e no trabalho assalariado.
Por outras palavras, numa democracia de mercado, a elegibilidade real (e
não fantasiosa, consubstanciada nas minúsculas organizações políticas toleradas
apenas para fazer número e, portanto, sem hipóteses de chegar ao poder) para as
legislativas e, mais ainda, para as presidenciais, é acordada exclusivamente
para as formações políticas que gravitam ao centro e se estendem à direita e à
esquerda do espectro político liberal, espectro político dominado pelo capital.
Em todo o caso, é sempre a central do grande capital que dita o ritmo e os
temas das campanhas eleitorais. A única diferença entre um partido político de
direita, de esquerda ou de centro é a fraseologia. Os três defendem os
interesses do capital.
Se os candidatos são os porta-vozes do capital, os eleitores são a sua
caixa de ressonância.
O único programa do concerto eleitoral legislativo e presidencial é fazer
com que os eleitores toquem a mesma partitura eleitoral, aquela que uma ou
outra das facções hegemónicas (esquerda/direita, republicanos/democratas nos
Estados Unidos) do capital quer ouvir como um recital do governo liberal, um
recital tocado sob a vigilância e o controlo do maestro com o seu porrete em
caso de nota falsa electiva: o Estado policial capitalista, esse Estado que
bate o tempo (massacra sem medida, se necessário) para que os eleitores
permaneçam sincronizados ao mesmo ritmo.
Dito isto, neste jogo de cadeiras musicais, qualquer que seja a facção
burguesa que entre na luta eleitoral para disputar o comando do executivo ou do
legislativo, o resultado não terá qualquer impacto no curso dos assuntos
económicos, no domínio da burguesia. Porque uma eleição é um mero espectáculo
teatral de palhaços políticos, um espectáculo destinado a distrair
politicamente o povo.
Se numa ditadura, qualquer transformação económica está claramente excluída
pela ausência de qualquer participação eleitoral dos cidadãos na gestão do
país, ou por uma participação eleitoral previamente falsificada, numa
democracia, qualquer transformação económica está igualmente excluída, apesar
da "participação eleitoral" dos cidadãos. Os eleitores, tal como os
eleitos, não têm qualquer controlo sobre os poderes do dinheiro e muito menos
sobre o desenvolvimento do modo de produção capitalista e das suas relações de
produção comandadas por leis que escapam a qualquer controlo político,
executivo ou legislativo.
De um modo geral, nos países capitalistas supostamente democráticos, a actividade
política é exercida pelo grande capital multinacional. E esta actividade
política materializa-se sob a forma de partidos políticos burgueses (centro,
esquerda e direita), cada um representando uma facção da classe dominante
nacional (a grande - a média - a pequena burguesia), o braço executivo local,
nacional e mundial do grande capital, que coordena ele próprio toda a cena
política.
Se numa ditadura desprovida de qualquer "cursor governamental
normativo", qualquer transação de mercadorias políticas é proibida,
poupando assim os cidadãos a qualquer decepção ou indigestão eleitoral, numa
democracia com um amplo cursor, oferecendo uma profusão de "mercadorias
políticas" diferenciadas apenas pela sua embalagem retórica, estas
mercadorias com programas intercambiáveis são vendidas sem qualquer garantia de
resultados ou de bom funcionamento uma vez instaladas no poder controlado pelo
capital imutável. É o que se pode chamar uma burla política, um embuste
governamental.
Mais uma vez, como não me canso de escrever e gritar: se a democracia
pudesse mudar o destino dos povos, seria proibida. A democracia é a folha de
figueira por detrás da qual se esconde a ditadura do capital.
Nos países desenvolvidos ditos democráticos, que são enquadrados por um
"cursor governamental normativo", para além da direita e da esquerda,
para desqualificar ou mesmo criminalizar qualquer corrente ou partido político
dissidente e anti-sistema, a burguesia criou, como já assinalámos, os termos
"extremo", "extremista" e "extremismo".
A burguesia ocidental delimitou discriccionariamente a legitimidade da
governação num espaço político assente exclusivamente no liberalismo e nas suas
variantes ideológicas representadas pelos partidos de direita e de esquerda do
capital.
Para além destas formações políticas legitimadas pelo capital, os outros
partidos são qualificados de extremistas. Um partido dissidente ou anti-sistema
é sempre rotulado de extremista. O uso dos termos "extremo",
"extremismo" e "extremista", para além de pejorativo,
implica desaprovação moral, desqualificação política, condenação eleitoral,
potencial criminalização, proscrição inescapável e possível encarceramento.
Como podemos ver hoje em França, com o Rassemblement National e a LFI,
agora linchados, excomungados, criminalizados pelos partidários da democracia
burguesa em crise, sob a acusação de extremismo brandida para as necessidades
da causa: a da purgação destes partidos políticos julgados insuficientemente
fiáveis para a marcha forçada para a guerra decretada pelo capital nacional
francês.
Atualmente, em França, como na maioria dos países (Israel e Rússia), é a
guerra que dita o ritmo. É a guerra que impõe o seu programa político
assassino, a sua agenda económica militarista, o seu sistema de pensamento
chauvinista e caporalista. Todos os partidos que não aderirem a este projecto
de guerra serão banidos. Todos os partidos considerados complacentes com o
inimigo actual (a Rússia), serão banidos.
Na democracia burguesa, espartilhada pelo capital, se o povo não vota correctamente,
volta a ser votado (como na Dinamarca em relação a Maastricht) ou o seu voto é
dissolvido de imediato, como estamos a ver actualmente em França com a decisão
discriccionária do monarca Macron de voltar a fazer votar os cidadãos porque o
resultado da RN não agrada à sua majestade Capital. Embora a dissolução da
Assembleia Nacional seja motivada por razões geopolíticas, militares e
imperialistas. E não políticas. O próximo passo do ditador Macron ou do seu
sucessor disfarçado de democrata seria, em caso de triunfo eleitoral do
Rassemblement National, dissolver o povo francês porque terá votado contra o
governo, fora do "cursor normativo governamental" acordado?
Isto confirma a nossa observação de que o voto em democracia é o que o
capital concede aos vencidos para que aceitem a sua derrota social e militante:
trocar a luta revolucionária pelas urnas, mas, claro, com dignidade democrática
e comercial.
Nos países capitalistas desenvolvidos ditos democráticos, se um eleitorado
ousa levantar a cabeça e votar em candidatos dissidentes, anti-sistema, é
imediatamente acusado de extremista. São ostracizados, excomungados. Por outras
palavras, estes eleitores anti-sistema são considerados como vítimas da peste.
Não é isso que estamos a ver com os eleitores do Rassemblement National e
do LFI, que são tratados como peste por terem votado em candidatos da sua
escolha? O Estado rico e os media não respeitam a soberania do "eleitorado
rebelde".
Quando não participam nas mascaradas eleitorais, as pessoas são castigadas
por se absterem. Quando decidem votar em candidatos dissidentes ou anti-sistema,
são igualmente castigados. Quando exprimem a sua raiva através da "revolta
de rua", são espancados. Quando exprimem o seu descontentamento através da
"revolta eleitoral", são vilipendiados.
A verdade é que, nos países desenvolvidos do Ocidente, a democracia pára
onde os interesses do capital são postos em causa. A ditadura começa onde se
exprime a vontade inquestionável dos governantes, enquanto a democracia termina
onde se exprime a vontade do povo dissidente ou anti-sistema. Onde se afirmam
as exigências de uma autêntica democracia popular e de auto-gestão.
Como reconheceu a socióloga burguesa Dominique Schnapper na sua entrevista
ao Le Monde de segunda-feira, 24 de junho: "A aspiração extrema à
igualdade pode conduzir a formas de igualitarismo que apagam as singularidades
e as distinções que constituem a condição humana e a vida social". Segundo
este sociólogo burguês, a condição humana e a vida social só podem assentar em
relações de classe desiguais e em distinções sociais constitutivas invioláveis.
E a aspiração à igualdade social real, e não formal, por parte dos povos é
equiparada ao extremismo por este apologista da democracia dos ricos. Segundo
este intelectual burguês, a aspiração à liberdade exigida pelo povo, ou seja, à
sua emancipação, só pode conduzir a "efeitos contrários às suas
promessas".
É a famosa chantagem de todas as classes dominantes, especialmente da
burguesia moderna: "Somos nós ou o caos"; "É a preservação do
nosso regime, senão é a guerra civil"; "É a defesa incondicional da
nossa civilização (burguesa), senão é o fim do mundo". As classes
dominantes consideram sempre que o fim do SEU mundo, abalado e derrubado por
uma classe revolucionária, é o fim do mundo!
Daqui se conclui que a democracia pode ser definida como um modo de
governação para a inter-sociedade
burguesa mais alargada, cujo "cursor governamental normativo" se
situa no centro e se estende ligeiramente para a esquerda e para a direita do
capital.
Para além disso, não há salvação para os "maus votantes", os
cabeças quentes da dissidência eleitoral.
A ditadura democrática abate-se sobre eles, esmagando a sua ingénua
pretensão de se imporem através das eleições, de imporem a sua vontade política
através do sufrágio. Esta é a linha vermelha que não deve ser ultrapassada.
Numa ditadura, a linha vermelha está visivelmente inscrita em todos os
frontões dos edifícios do espaço público e nas testas dos governantes
tirânicos. Numa democracia, a linha vermelha espalha-se pelo asfalto de todas
as cidades e esconde-se sob os bastões das forças policiais, a figura autêntica
dos democratas. No primeiro, traçado pela linha vermelha visível, os cidadãos
engolem espontaneamente a saliva. No segundo, gritaram espectacularmente no
asfalto protegido por esquadrões do CRS. Ao contrário do que se pensa, a
polícia trabalha e opera mais massivamente numa democracia do que numa
ditadura.
Se eu tivesse de me
tornar polícia, preferia fazê-lo numa ditadura: há menos bandidos para prender
e manifestações permanentes para reprimir. Ser polícia numa ditadura é uma
sinecura. Em França, um país "democrático", há mais polícias que se
suicidam do que qualquer outra categoria socio-profissional. E com razão.
Passam o seu tempo a reprimir a delinquência crónica e as manifestações sociais
e políticas.
A ditadura baseia-se na proibição, pelo que não há necessidade de repressão. A democracia baseia-se na repressão permanente, porque não há proibição. Tudo se resume à mesma coisa. Mais uma vez, é uma questão de cursor. Na ditadura, a proibição é estabelecida antecipadamente, pelo que a repressão virtual actua como dissuasora a toda a velocidade. Numa democracia, a verdadeira repressão é feita a jusante, na ausência de proibição.
"A hipocrisia faz amigos, a franqueza gera ódio", escreveu Bernard Weber. Em termos de governação: a hipocrisia democrática atrai a simpatia, a franqueza ditatorial suscita a hostilidade. Governação democrática burguesa? A mais tolerável das hipocrisias.
O cómico Coluche compreendeu perfeitamente a farsa da divisão do sistema político em democracia e ditadura. Devemos-lhe esta definição, proferida sob a forma de uma piada: "Ditadura é calar a boca e democracia é continuar a falar"... no passeio, sob cartazes, numa reunião. E se ultrapassarmos a linha vermelha do protesto, a repressão recordar-nos-á que, em democracia, a liberdade do povo termina onde começam os interesses da burguesia.
O meu amigo Robert Bibeau, autor do livro La démocratie aux États-Unis. Les mascarades électorales, e director da revista digital Les 7 du Québec.com, deu uma boa definição da farsa da democracia.
Numa entrevista declarou: "A
democracia representa o bom polícia que nos incita a sentarmo-nos à mesa da
colaboração de classes para que o proletariado, a classe sem poder económico,
político e ideológico, tendo apenas a sua força de trabalho para vender para
sobreviver, se comprometa e coloque o seu destino nas mãos de políticos corruptos,
todos iguais. Se algum deles quisesse defender a classe operária, nunca seria
eleito ou seria fuzilado. A ditadura é o mau policia que reprimiria duramente
se não jogássemos obedientemente o jogo da democracia eleitoral, um jogo em que
um simples operário não tem chance de vencer a um gangue de ricos."
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UNIDOS (As Mascaradas Eleitorais) – Les 7 du Quebec (em Língua
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Este artigo
foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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