quinta-feira, 4 de julho de 2024

A diferença entre Democracia e Ditadura é uma questão de posicionamento do "cursor normativo governamental"




Por Khider Mesloub.

Nesta contribuição, introduzirei um novo paradigma para desmistificar a alegada diferença entre democracia e ditadura, e desmantelar os mecanismos desta fraude eleitoral chamada democracia.

Ao contrário do que se pensa, a diferença entre democracia e ditadura não é de género. É essencialmente de grau. De âmbito. Ou, mais precisamente, no posicionamento do "cursor normativo governamental".

O segredo da mistificação democrática reside nesta "variável" política liberal, que pode assumir várias formas, todas elas girando em torno de um mesmo governo central dominado pelo Capital.

Para recordar, em ciência, uma variável é uma letra à qual se podem atribuir valores diferentes. Em álgebra, tentamos generalizar os cálculos substituindo muitas vezes os números por letras. Estas letras são chamadas variáveis. Uma variável pode ser representada por qualquer letra do alfabeto. Em política, numa sociedade capitalista desenvolvida, o capital (a variável) pode ser representado por qualquer uma das formações burguesas do espectro político liberal, que se estende da esquerda à direita, passando pelo centro.

Se numa ditadura, em vigor nos países que só recentemente se integraram no mundo capitalista e que, portanto, ainda estão ancorados na fase de dominação formal, caracterizada pela ausência de um capital hegemónico dotado de meios eficazes de condicionamento ideológico com poderosos poderes de subjugação, o cursor da "normalidade governamental" (no sentido de conformidade com a norma governamental e ideológica dominante) não se posiciona em lado nenhum, nem no centro, nem à direita, nem à esquerda da governação e da ideologia dominante do poder, ou seja, nenhuma dissidência é tolerada ou aprovada por falta de garantia do Estado (a burguesia não tem confiança no seu poder por falta de legitimidade institucional historicamente estabelecida) e de apoio dos cidadãos (a ideologia da cidadania é ainda embrionária nestes Estados-nação recém-criados); Por outro lado, numa democracia de mercado, como nos países capitalistas desenvolvidos há muito tempo e dotados de uma poderosa indústria de condicionamento mental, o cursor da "normalidade governamental" é fixado discriccionariamente no "centro político liberal", com uma ligeira extensão à direita e à esquerda para dar a ilusão de uma pluralidade de correntes políticas.

A dissidência, pelo contrário, é empurrada para além destas duas correntes políticas, direita e esquerda. Para designar essa dissidência, o Estado capitalista democrático utiliza deliberadamente uma terminologia que deprecia, desqualifica e criminaliza. Termos pejorativos e assustadores como "extremo", "extremista", "extremismo". É claro que é a classe dominante (o capital) que determina a "centralidade do governo", baseada, como é óbvio, no liberalismo, na intangibilidade da propriedade privada e no trabalho assalariado.

Por outras palavras, numa democracia de mercado, a elegibilidade real (e não fantasiosa, consubstanciada nas minúsculas organizações políticas toleradas apenas para fazer número e, portanto, sem hipóteses de chegar ao poder) para as legislativas e, mais ainda, para as presidenciais, é acordada exclusivamente para as formações políticas que gravitam ao centro e se estendem à direita e à esquerda do espectro político liberal, espectro político dominado pelo capital.

Em todo o caso, é sempre a central do grande capital que dita o ritmo e os temas das campanhas eleitorais. A única diferença entre um partido político de direita, de esquerda ou de centro é a fraseologia. Os três defendem os interesses do capital.

Se os candidatos são os porta-vozes do capital, os eleitores são a sua caixa de ressonância.

O único programa do concerto eleitoral legislativo e presidencial é fazer com que os eleitores toquem a mesma partitura eleitoral, aquela que uma ou outra das facções hegemónicas (esquerda/direita, republicanos/democratas nos Estados Unidos) do capital quer ouvir como um recital do governo liberal, um recital tocado sob a vigilância e o controlo do maestro com o seu porrete em caso de nota falsa electiva: o Estado policial capitalista, esse Estado que bate o tempo (massacra sem medida, se necessário) para que os eleitores permaneçam sincronizados ao mesmo ritmo.

Dito isto, neste jogo de cadeiras musicais, qualquer que seja a facção burguesa que entre na luta eleitoral para disputar o comando do executivo ou do legislativo, o resultado não terá qualquer impacto no curso dos assuntos económicos, no domínio da burguesia. Porque uma eleição é um mero espectáculo teatral de palhaços políticos, um espectáculo destinado a distrair politicamente o povo.

Se numa ditadura, qualquer transformação económica está claramente excluída pela ausência de qualquer participação eleitoral dos cidadãos na gestão do país, ou por uma participação eleitoral previamente falsificada, numa democracia, qualquer transformação económica está igualmente excluída, apesar da "participação eleitoral" dos cidadãos. Os eleitores, tal como os eleitos, não têm qualquer controlo sobre os poderes do dinheiro e muito menos sobre o desenvolvimento do modo de produção capitalista e das suas relações de produção comandadas por leis que escapam a qualquer controlo político, executivo ou legislativo.

De um modo geral, nos países capitalistas supostamente democráticos, a actividade política é exercida pelo grande capital multinacional. E esta actividade política materializa-se sob a forma de partidos políticos burgueses (centro, esquerda e direita), cada um representando uma facção da classe dominante nacional (a grande - a média - a pequena burguesia), o braço executivo local, nacional e mundial do grande capital, que coordena ele próprio toda a cena política.

Se numa ditadura desprovida de qualquer "cursor governamental normativo", qualquer transação de mercadorias políticas é proibida, poupando assim os cidadãos a qualquer decepção ou indigestão eleitoral, numa democracia com um amplo cursor, oferecendo uma profusão de "mercadorias políticas" diferenciadas apenas pela sua embalagem retórica, estas mercadorias com programas intercambiáveis são vendidas sem qualquer garantia de resultados ou de bom funcionamento uma vez instaladas no poder controlado pelo capital imutável. É o que se pode chamar uma burla política, um embuste governamental.

Mais uma vez, como não me canso de escrever e gritar: se a democracia pudesse mudar o destino dos povos, seria proibida. A democracia é a folha de figueira por detrás da qual se esconde a ditadura do capital.

Nos países desenvolvidos ditos democráticos, que são enquadrados por um "cursor governamental normativo", para além da direita e da esquerda, para desqualificar ou mesmo criminalizar qualquer corrente ou partido político dissidente e anti-sistema, a burguesia criou, como já assinalámos, os termos "extremo", "extremista" e "extremismo".

A burguesia ocidental delimitou discriccionariamente a legitimidade da governação num espaço político assente exclusivamente no liberalismo e nas suas variantes ideológicas representadas pelos partidos de direita e de esquerda do capital.

Para além destas formações políticas legitimadas pelo capital, os outros partidos são qualificados de extremistas. Um partido dissidente ou anti-sistema é sempre rotulado de extremista. O uso dos termos "extremo", "extremismo" e "extremista", para além de pejorativo, implica desaprovação moral, desqualificação política, condenação eleitoral, potencial criminalização, proscrição inescapável e possível encarceramento.

Como podemos ver hoje em França, com o Rassemblement National e a LFI, agora linchados, excomungados, criminalizados pelos partidários da democracia burguesa em crise, sob a acusação de extremismo brandida para as necessidades da causa: a da purgação destes partidos políticos julgados insuficientemente fiáveis para a marcha forçada para a guerra decretada pelo capital nacional francês.

Atualmente, em França, como na maioria dos países (Israel e Rússia), é a guerra que dita o ritmo. É a guerra que impõe o seu programa político assassino, a sua agenda económica militarista, o seu sistema de pensamento chauvinista e caporalista. Todos os partidos que não aderirem a este projecto de guerra serão banidos. Todos os partidos considerados complacentes com o inimigo actual (a Rússia), serão banidos.

Na democracia burguesa, espartilhada pelo capital, se o povo não vota correctamente, volta a ser votado (como na Dinamarca em relação a Maastricht) ou o seu voto é dissolvido de imediato, como estamos a ver actualmente em França com a decisão discriccionária do monarca Macron de voltar a fazer votar os cidadãos porque o resultado da RN não agrada à sua majestade Capital. Embora a dissolução da Assembleia Nacional seja motivada por razões geopolíticas, militares e imperialistas. E não políticas. O próximo passo do ditador Macron ou do seu sucessor disfarçado de democrata seria, em caso de triunfo eleitoral do Rassemblement National, dissolver o povo francês porque terá votado contra o governo, fora do "cursor normativo governamental" acordado?

Isto confirma a nossa observação de que o voto em democracia é o que o capital concede aos vencidos para que aceitem a sua derrota social e militante: trocar a luta revolucionária pelas urnas, mas, claro, com dignidade democrática e comercial.

Nos países capitalistas desenvolvidos ditos democráticos, se um eleitorado ousa levantar a cabeça e votar em candidatos dissidentes, anti-sistema, é imediatamente acusado de extremista. São ostracizados, excomungados. Por outras palavras, estes eleitores anti-sistema são considerados como vítimas da peste.

Não é isso que estamos a ver com os eleitores do Rassemblement National e do LFI, que são tratados como peste por terem votado em candidatos da sua escolha? O Estado rico e os media não respeitam a soberania do "eleitorado rebelde".

Quando não participam nas mascaradas eleitorais, as pessoas são castigadas por se absterem. Quando decidem votar em candidatos dissidentes ou anti-sistema, são igualmente castigados. Quando exprimem a sua raiva através da "revolta de rua", são espancados. Quando exprimem o seu descontentamento através da "revolta eleitoral", são vilipendiados.

A verdade é que, nos países desenvolvidos do Ocidente, a democracia pára onde os interesses do capital são postos em causa. A ditadura começa onde se exprime a vontade inquestionável dos governantes, enquanto a democracia termina onde se exprime a vontade do povo dissidente ou anti-sistema. Onde se afirmam as exigências de uma autêntica democracia popular e de auto-gestão.

Como reconheceu a socióloga burguesa Dominique Schnapper na sua entrevista ao Le Monde de segunda-feira, 24 de junho: "A aspiração extrema à igualdade pode conduzir a formas de igualitarismo que apagam as singularidades e as distinções que constituem a condição humana e a vida social". Segundo este sociólogo burguês, a condição humana e a vida social só podem assentar em relações de classe desiguais e em distinções sociais constitutivas invioláveis. E a aspiração à igualdade social real, e não formal, por parte dos povos é equiparada ao extremismo por este apologista da democracia dos ricos. Segundo este intelectual burguês, a aspiração à liberdade exigida pelo povo, ou seja, à sua emancipação, só pode conduzir a "efeitos contrários às suas promessas".

É a famosa chantagem de todas as classes dominantes, especialmente da burguesia moderna: "Somos nós ou o caos"; "É a preservação do nosso regime, senão é a guerra civil"; "É a defesa incondicional da nossa civilização (burguesa), senão é o fim do mundo". As classes dominantes consideram sempre que o fim do SEU mundo, abalado e derrubado por uma classe revolucionária, é o fim do mundo!

Daqui se conclui que a democracia pode ser definida como um modo de governação para a inter-sociedade burguesa mais alargada, cujo "cursor governamental normativo" se situa no centro e se estende ligeiramente para a esquerda e para a direita do capital.

Para além disso, não há salvação para os "maus votantes", os cabeças quentes da dissidência eleitoral.  A ditadura democrática abate-se sobre eles, esmagando a sua ingénua pretensão de se imporem através das eleições, de imporem a sua vontade política através do sufrágio. Esta é a linha vermelha que não deve ser ultrapassada.

Numa ditadura, a linha vermelha está visivelmente inscrita em todos os frontões dos edifícios do espaço público e nas testas dos governantes tirânicos. Numa democracia, a linha vermelha espalha-se pelo asfalto de todas as cidades e esconde-se sob os bastões das forças policiais, a figura autêntica dos democratas. No primeiro, traçado pela linha vermelha visível, os cidadãos engolem espontaneamente a saliva. No segundo, gritaram espectacularmente no asfalto protegido por esquadrões do CRS. Ao contrário do que se pensa, a polícia trabalha e opera mais massivamente numa democracia do que numa ditadura.

Se eu tivesse de me tornar polícia, preferia fazê-lo numa ditadura: há menos bandidos para prender e manifestações permanentes para reprimir. Ser polícia numa ditadura é uma sinecura. Em França, um país "democrático", há mais polícias que se suicidam do que qualquer outra categoria socio-profissional. E com razão. Passam o seu tempo a reprimir a delinquência crónica e as manifestações sociais e políticas.

A ditadura baseia-se na proibição, pelo que não há necessidade de repressão. A democracia baseia-se na repressão permanente, porque não há proibição. Tudo se resume à mesma coisa. Mais uma vez, é uma questão de cursor. Na ditadura, a proibição é estabelecida antecipadamente, pelo que a repressão virtual actua como dissuasora a toda a velocidade.  Numa democracia, a verdadeira repressão é feita a jusante, na ausência de proibição.

"A hipocrisia faz amigos, a franqueza gera ódio", escreveu Bernard Weber. Em termos de governação: a hipocrisia democrática atrai a simpatia, a franqueza ditatorial suscita a hostilidade. Governação democrática burguesa? A mais tolerável das hipocrisias.

O cómico Coluche compreendeu perfeitamente a farsa da divisão do sistema político em democracia e ditadura. Devemos-lhe esta definição, proferida sob a forma de uma piada: "Ditadura é calar a boca e democracia é continuar a falar"... no passeio, sob cartazes, numa reunião. E se ultrapassarmos a linha vermelha do protesto, a repressão recordar-nos-á que, em democracia, a liberdade do povo termina onde começam os interesses da burguesia.


O meu amigo Robert Bibeau, autor do livro La démocratie aux États-Unis. Les mascarades électorales, e director da revista digital Les 7 du Québec.com, deu uma boa definição da farsa da democracia.

Numa entrevista declarou: "A democracia representa o bom polícia que nos incita a sentarmo-nos à mesa da colaboração de classes para que o proletariado, a classe sem poder económico, político e ideológico, tendo apenas a sua força de trabalho para vender para sobreviver, se comprometa e coloque o seu destino nas mãos de políticos corruptos, todos iguais. Se algum deles quisesse defender a classe operária, nunca seria eleito ou seria fuzilado. A ditadura é o mau policia que reprimiria duramente se não jogássemos obedientemente o jogo da democracia eleitoral, um jogo em que um simples operário não tem chance de vencer a um gangue de ricos."

Para baixar o volume gratuitamente: DEMOCRACIA NOS ESTADOS UNIDOS (As Mascaradas Eleitorais) – Les 7 du Quebec (em Língua Portuguesa: Português-A-DEMOCRACIA-NOS-ESTADOS-UNIDOS.docx (live.com)

 Khider MESLOUB

 

Fonte: La différence entre Démocratie et Dictature est une question de positionnement du «curseur gouvernemental normatif» – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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