Por Thierry Meyssan. Em https://www.voltairenet.org/article221053.html
No momento em que a
França se prepara para as eleições legislativas antecipadas, os seus partidos
políticos estão a atacar-se mutuamente, acusando-se uns aos outros de se
prestarem a diferentes formas de extremismo. A preocupação que demonstram e a
violência que provocam não estão à altura do que está em jogo. Todos apontam os
erros passados de outros, mas ninguém analisa as razões da profunda crise
social que o país atravessa e, com ele, todo o Ocidente. O problema não é
resolver esta ou aquela lacuna, mas mudar radicalmente o paradigma da acção
política e adaptá-lo a uma sociedade cuja economia assenta agora nas
tecnologias da informação e não na indústria.
A dissolução da Assembleia Nacional
A dissolução da
Assembleia Nacional francesa, anunciada pelo Presidente Emmanuel Macron aquando
do anúncio dos resultados das eleições europeias, está a mergulhar a França no
caos. Os comentadores perguntam porque é que o Presidente da República, cujo
partido deverá ser eliminado nas eleições legislativas, comete este suicídio. É
evidente que não têm resposta, provavelmente porque estão a fazer a pergunta
errada.
Pela minha parte, estou a considerar a hipótese de que não foi Emmanuel Macron que tomou esta decisão, mas sim os investidores que o colocaram no Palácio do Eliseu. O problema deles não é fazer durar o actual Presidente. Ele foi completamente desmonetizado. Mas lançar o próximo: um sucessor capaz de prosseguir a mesma política, mas com uma nova mensagem. Uma vez no poder, continuará a mesma obra em detrimento do povo francês.
As eleições europeias já puseram Raphaël Glucksmann à prova. Antigo marido de Eka Zgouladze, ministra do Interior de Mikheil Saakashvili (Geórgia), depois vice-ministra do Interior de Petro Poroshenko (Ucrânia), vive actualmente com a jornalista franco-libanesa Léa Salamé, neta do joalheiro arménio Robert Boghossian e filha do antigo ministro libanês Ghassan Salamé.
Raphaël Glucksmann é
neto da filósofa Jeannette Colombel, uma ex-estalinista que se tornou amiga de
Jean-Paul Sartre, Michel Foucault e Gilles Deleuze. Raphaël é também filho do
"novo filósofo" André Glucksmann, ele próprio um antigo funcionário
da Freedom House. [1].
Ele professa a mesma
russofobia primária que a sua avó depois de 1968 e o seu pai. Ele faria um bom
sucessor de Emmanuel Macron de acordo com os seus "doadores".
Lembremo-nos aqui que
não acreditamos que Emmanuel Macron seja um Rothschild Boy, mas um
produto de Henry Kravis, como escrevi há seis anos [2]. Desde então, a mulher de Henry
Kravis tornou-se presidente do Grupo Bilderberg e o nosso amigo Xavier Niel
(Free), que desempenhou um papel central na exploração dos dados que levaram à
eleição de Emmanuel Macron [3], que se tornou genro de Bernard
Arnault (LVMH), foi nomeado administrador do fundo de investimento Kravis
(KKR).
O caos inevitável
O período que se
avizinha é de caos. Três forças políticas parecem estar em conflito, mas
nenhuma das três oferece uma análise da situação: a França está bloqueada. É
melhor viver de benefícios do que trabalhar por um pequeno salário. A dívida
pública ascendia a 3.101 mil milhões de euros no final de 2023, ou seja, 110,6%
do PIB. As administrações são muito dispendiosas, mas prestam serviços de má
qualidade.
Os exércitos não durariam três dias contra a Rússia. A polícia estava
sobrecarregada nas colónias da Nova Caledónia e de Mayotte [4] e absteve-se de entrar em certos
bairros da França continental. O sistema de justiça demora anos a julgar um
crime e as prisões estão sobrelotadas, por vezes em mais de 250% para as
prisões masculinas [5]. Muitos alunos, titulares do bachalerato,
conseguem decifrar um texto, mas não sabem ler um livro. O pessoal hospitalar
passa um terço do seu tempo a preencher formulários e já não tem tempo para
cuidar dos seus pacientes.
A fraude, nomeadamente
em matéria de segurança social e fiscalidade, parece estar a atingir níveis
recorde. A venda ilegal de drogas desempenha um papel económico tão importante
(cerca de 3 mil milhões de euros) que é incluída no cálculo do PIB. As
desigualdades são tais que, enquanto quase 3 milhões de franceses (4,25% da
população) são milionários em dólares [6], quase um terço
dos franceses vive com menos de 100 euros no dia 10 de cada mês [7].
Ninguém em particular é responsável por este resultado desastroso. Mas
ninguém fez nada para o impedir. Vivemos um período de transição, para uma
sociedade informatizada, em que os princípios organizacionais da sociedade
industrial já não funcionam. Portanto, não se pode governar, mesmo que se
administre as coisas com mestria. Temos de inventar o que ainda não sabemos.
Os partidos políticos e os sindicatos, organizados de forma piramidal, no
modelo industrial, propõem apenas soluções da era industrial, isto é,
concebidas no passado, cuja extensão é precisamente o problema.
Esta situação não é exclusiva da França, mas de todos os países que foram
os vencedores da era industrial e que, com excepção da Rússia, constituem o
"Ocidente colectivo". A Rússia é um caso especial, pois foi um desses
vencedores, mas entrou em colapso quando a União Soviética se dissolveu e,
desde então, reconstruiu-se fora do modelo antigo. Não sabe o que vem a seguir,
mas está aberta a isso. É talvez esta característica que explica a actual
russofobia generalizada.
Dizemos três forças: a
União das Direitas em torno do Rassemblement National, a preservação do sistema
em torno de Emmanuel Macron e a Frente Popular que está a preparar uma era
Glucksmann.
- A União das Direitas
atravessa duas crises: por um lado, a "Reconquête" está dividida
entre o seu fundador Éric Zemmour e as suas estrelas que, em torno de Marion
Maréchal-Le Pen, se aliam ao "Rassemblement National" e, por outro,
"Les Républicains" que está dividida entre, por um lado, os seus
militantes e o seu presidente, Éric Ciotti, que aspiram a esta união e, por
outro, os seus notáveis que a recusam. O destino da Reconquête está decidido,
porque Éric Zemmour está sozinho, enquanto o dos Républicains se desenrola nos
tribunais, porque o seu Bureau Político decidiu ilegalmente excluir o seu
presidente, após uma reunião maçónica discreta.
- O campo de Emmanuel
Macron, denominado "Ensemble pour la République", não pode contar com
o seu historial - desastroso - para fazer campanha. Por isso, está a apostar no
medo suscitado pelos outros. Não tem soluções próprias, mas afirma que está a
travar a queda do país.
- A "Nova Frente
Popular" reúne partidos políticos que, até há pouco tempo, se diziam
irreconciliáveis. O receio da sua própria queda levou-os, no entanto, a
concluir um acordo. A divisão não se deu entre os partidos, mas dentro de um
deles. Poucas horas depois de terem divulgado a sua lista de candidatos, cinco
antigos deputados de "La France insoumise" (LFI) que não faziam parte
dela denunciaram a ditadura do fundador do seu partido. É assim que vêem as
coisas. É de notar também que foram os únicos opositores de esquerda de Raphaël
Glucksmann a recusar a sua irresistível ascensão.
Nenhuma destas três coligações se propõe adaptar as regras do jogo às
exigências dos tempos. Todos os seus militantes, desorientados, agarram-se a
algumas ideias que já não correspondem aos tempos, ou mesmo a crenças que não
partilham com a maioria dos outros cidadãos.
No seu site Web, o Rassemblement National destaca três questões:
·
denuncia um estudo do governo sobre as poupanças que seriam realizadas
através da desindexação das prestações sociais e das pensões de reforma;
·
denuncia a proibição imposta pelo governo às empresas israelitas de
participarem na exposição de defesa e segurança Eurosatory;
·
Por fim, anuncia a apresentação de uma queixa junto do Tribunal de Justiça
da União Europeia contra as decisões do Conselho Europeu relativas à repartição
dos novos imigrantes nos Estados-Membros e às multas aplicadas aos Estados que
não os aceitam.
Três comunicados de imprensa destinados a mostrar a preocupação do partido em defender o nível de vida dos franceses e em lutar contra a imigração, bem como uma mensagem subliminar de que a sua xenofobia ultrapassa actualmente o anti-semitismo dos seus fundadores.
O partido de Emmanuel Macron, "Renascença", tem apenas um site Web sucinto. Destaca 12 valores, entre os quais o progresso, a iniciativa regional e o feminismo; valores que definirá mais tarde. Não se sabe como irá conciliar alguns deles, como a Europa com a Nação, a República e o laicismo. Não importa, os seus militantes precisam de slogans, não de reflexão.
Há uma semana, os 12 partidos políticos de esquerda e ecologistas ainda gritavam uns com os outros. Mas conseguiram formar uma coligação, a Nova Frente Popular, em quatro dias. Assinaram também um programa comum, que tem o mérito de existir, mas é evidente que foi redigido à pressa. Cada partido introduziu nele os seus temas preferidos, sem que as contradições tenham sido resolvidas. Não importa, os eleitores reagirão aos muitos slogans que contém. De resto, o apoio à Ucrânia contra a Rússia foi apoiado por todos.
Os 12 sites dos partidos membros destacam a sua crença comum na origem
humana das alterações climáticas e as suas referências históricas às lutas
sociais, mas evitam referir a sua oposição aos programas dos outros componentes
da coligação. Ficamos um pouco surpreendidos ao ver uma milícia trotskista,
"La Jeune Garde antifasciste" (JGA), e um partido pró-independência,
"Euskal Herria Bai" (EHB), incluídos nesta coligação.
De resto, a divisão em três blocos corresponde à oferta eleitoral e não a clivagens reais. Cada um deles produz anúncios temáticos, mas nenhuma análise da crise civilizacional, e muito menos uma resposta à mesma. A retórica identitária que se manifestou durante a campanha presidencial não foi sobre a nação face à Europa ou à imigração, mas sobre os marcos que permanecerão na sociedade do futuro.
Projecção
É evidente que os partidos políticos não estarão em condições de responder
à crise actual, limitando-se a fazer este ou aquele curativo.
O período de transição será provavelmente longo. O fim do Antigo Regime e o início de uma sociedade baseada na igualdade de direitos levou 92 anos, incluindo 10 anos de Revolução. Durante este período, os cidadãos foram mais influenciados pelas suas paixões do que pela sua razão. Por conseguinte, é urgente acelerar a formação em ciência política e a difusão de uma informação pluralista.
OUTRO
PONTO DE VISTA
Fonte: La France face au changement d’ère sociale (Meyssan) – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
Sem comentários:
Enviar um comentário