“A ideia de que as revoluções podem ser políticas e
ideológicas antes de serem económicas é a negação total do materialismo
histórico, tal como o aprendemos em Marx.” (Matos,
Arnaldo, em Teses da Urgeiriça, 16.11.2016)
26 de Julho
de 2024
Por YSENGRIMUS
Revolução, sim, de novo e sempre. O primeiro erro a não cometer a seu respeito é
pensar que a "falência" da actividade revolucionária é um exclusivo
milenar.
A geração do filósofo e economista Karl
Marx (1818-1883) experimentou na sua carne e alma o refluxo da
grande euro-revolução de 1848 sob a forma da espetacular e brutal ascensão da
reacção de 1850-1852. A Comuna de Paris (1870-1871),
uma grande esperança revolucionária do século XIX, se é que foi, ficou presa no
pântano sangrento da germanofilia de Versalhes. Também podemos citar o impulso
massivo do acima mencionado social-chauvinismo que precedeu a incrível
carnificina de 1914-1918. República de Weimar, Rússia Soviética, China,
Kampuchea Democrático, Irão (a primeira grande revolução histórica
pós-marxista). A “lista de falências” das fases revolucionárias seria
simplesmente muito longa para listar. Procuremos, pois, não hipertrofiar a
situação presente sob o pretexto de que ela nos foi imposta, mais do que aos
nossos antepassados. Vejamos o quadro como uma série de empurrões na vasta
crise do capitalismo industrial mundial. Não existe grande noite. Em vez disso,
estamos a lidar com um amplo movimento em fases, que nos transcende como
indivíduos, como é inevitavelmente o caso com qualquer desenvolvimento histórico.
Nota: O motor que impulsiona este desenvolvimento histórico foi - é - será a luta de classes, o que implica que se a Comuna - a Rússia dos soviéticos e a China maoísta gerassem um novo modo de produção em vez do modo de produção industrial burguês, seria porque o capitalismo não havia terminado o seu desenvolvimento histórico.
Antes de comentar o que se pode esperar das revoluções
que estão por vir, uma palavra sobre a nossa atitude política normal em face da
herança "marxista" sempre em ardente liquidação. No entanto, há uma
falha de raciocínio na nossa abordagem ... da figura histórica banida de Karl
Marx. Tendemos, de forma cândida, a atribuir a Marx nada menos do que a
capacidade de suscitar esperanças de mudança social, ditando
literalmente como será o desenrolar dos acontecimentos. Uma parte
importante do nosso século ainda investe Marx em demiurgo do desenvolvimento
histórico de acordo com a doutrina do "Quem sabe, pode".
Mas mesmo um génio, um Hegel, um Mozart, um Shakespeare não pode, não
poderá jamais, comandar as forças da história. Elas são objectivas,
colectivas, titânicas. Atingidos nas nossas esperanças pela natureza
terrivelmente implacável desse erro fundamental (do nosso fundo de liquidação
...), passamos então à fase seguinte, sempre com a mesma clarividência. Marx é
automaticamente erigido como um milagreiro que falhou, que abraçou o filho do
czar contra o seu peito, mas não logrou salvá-lo da morte. Demiurgo,
taumaturgo, eis uma fantasmagoria muito irracional que se perpetua a propósito
dos líderes revolucionários e as figuras políticas em geral, de Marx
em particular. O mínimo que podemos dizer é que não temos uma imagem muito
"marxista" de Marx e dos seus semelhantes. Nisto somos anarquistas
muito consistentes.
Nota: Tomem nota que este desvio idealista tem origem na classe burguesa contra a qual os marxistas da Primeira Internacional lutaram, especialmente contra a tendência anarquista pequeno-burguesa.
De facto, o Anarquismo, no plano
teórico, hipertrofia o indivíduo, aqui, o Sujeito, o Líder, o Chefe. Ora, como
este demiurgo imaginário falhou, como este fazedor de milagres de fantasia
falhou, então expressamos a nossa decepção, como o canteiro, privado da queda
da comédia, na noite da morte de Molière. Desse modo, canalizamos essa dor
pungente que é a dos elementos sociais progressistas, subversivos, inquietos,
mantidos sob controle. Marx e os contemporâneos que compartilhavam as suas
visões fizeram tudo o que era humanamente possível para a queda do capitalismo
e a revolução mundial, quando se é simplesmente uma individualidade. Eles
teriam vivido dez vidas, teriam feito isso dez vezes. Mas Marx não é nada para
a história. As censuras que lhe são dirigidas no nosso tempo não são
ilegítimas, mas teoricamente estão erradas. Nem Karl Marx nem ninguém vos pode
produzir a revolução, porque a revolução não se decide subjectivamente no
indivíduo. Ela explode objectivamente entre as massas, quando as condições
estão reunidas. E os progressos que ela acarreta emergem por saltos, o que de forma alguma
exclui as fases intermináveis, desde logo não
cíclicas, de refluxo ... Aos olhos da história, absolutamente
nenhuma revolução foi um "erro". Simplesmente, todas elas sofreram um
tipo ou outro de regressão.
Nota: Regressão - refluxo - contra-revolução pela simples razão de que as condições objectivas não estavam maduras e, portanto, inevitavelmente - as condições subjectivas - a consciência de classe - não estavam maduras. Os marxistas nada podiam fazer a esse respeito, mas estavam certos em tentar, pois as suas tentativas eram parte do amadurecimento (experiência concreta) do desenvolvimento da consciência de classe. O problema para muitos marxistas hoje é o dogmatismo e o sectarismo que essa série de falhas engendrou e que os impede de aprender com essas experiências.
Vamos agora ao cerne da duradoura questão revolucionária. O que fazer? O
que esperar? Como destruir esse incrível plutocratismo (ver link - ploutocratisme) que
agrega o orçamento de estados inteiros nas mãos de alguns magnatas? Se,
consequentes com as nossas pulsões hesitantes, colocarmos a questão à escala
das nossas vidas individuais, tal não irá muito longe. O capitalismo emerge no
seio da sociedade feudal por volta de 1200. Estamos hoje em 2020. Acreditam
realmente que ele ainda tenha mais 800 anos de existência? Eu não. Eu digo: 70,
100, no máximo. Agora, como contra-atacar? Bem, vou
responder à Marx, e não como aqueles indivíduos cheios de floreados que já
foram apoiantes de Bakunin. Uma pesquisa voluntarista e
especulativa só nos levará ao desespero. É necessário partir do
contra-ataque que já está objectivamente em curso dentro do próprio movimento
histórico, observável, senão observado. A resposta que Marx sempre nos
inspira é pois que, seja o que for que digamos, as forças destrutivas
do capitalismo se desenvolvem também prodigiosamente. As massas estão mais
instruídas, mais informadas, mais desconfiadas da propaganda dos grandes, mais
aptas a trocar os seus pontos de vista mundialmente. As mulheres, os povos não
ocidentais e até as crianças detêm no nosso tempo um estatuto e uma audiência
historicamente incomparáveis. O mundo está a unir-se. O carácter colectivo
da produção está a intensificar-se. A baixa tendencial da taxa
de lucro continua, acelera-se. O grande capital, tão parecido com um
hussardo, está de facto moribundo. Vamos colocar-nos no seu lugar! Apesar
de ser, no momento, o único jogador em campo, ele está a acumular asneiras,
crimes, fraudes em larga escala, milhares de milhão de dívidas incobráveis,
guerras sectoriais absurdas, planos sociais irrealizáveis do FMI. Ele atira
estados inteiros para o marasmo. Na verdade, ele espolia a sua própria
prosperidade. Porque o capitalismo não tem mais um inimigo subjectivo contra o
qual possa mobilizar as massas. Não há mais "alternativas", não há
mais "estado socialista". Os "terroristas" que ele cria
para si mesmo em circuito fechado não seguem a estrada histórica. O capitalismo
simplesmente não pode mais envolver-se na luta contra alguma hidra imaginária.
A catástrofe actual é um seu produto integral. O único verdadeiro inimigo que
resta ao capitalismo é o seu inimigo objectivo: ele mesmo, na sua própria
implementação. Agora, tomemos essas massas instruídas, esclarecidas e
organizadas. Massas das quais não podemos mais fazer carne para canhão para a
guerra mundial. Essas massas cínicas, realistas e transviadas que
desprezam totalmente o seu empregador, o seu prefeito, o seu presidente e todas
as instituições da sociedade civil num grau nunca antes visto na história
moderna. Tomemos essas massas rendidas sem fé e sem misericórdia, sem
ingenuidade e sem esperança, pela própria lógica que emana das condições
niveladoras da economia de mercado. Façamo-las então sofrer um colapso
económico planetário. Um crash de 1929 elevado à potência mil,
como o que se espalha neste momento. Elas vão organizar-se na direção
revolucionária num tempo, tenho fé, muito brevemente, mesmo a uma escala
histórica, essas massas planetárias novas...
Nota: Releia duas ou três vezes esta explosão lírica de uma intensa verdade ... as massas - o proletariado única classe objectivamente - imperativamente - revolucionária - forjará os seus conselheiros das suas fileiras e será forçada a conduzir a revolução proletária, de outra forma a nossa sobrevivência como espécie ficará comprometida. Marx escreveu isto antes de nós.
Agora, a única coisa que podemos dizer com alguma certeza sobre estas revoluções vindouras é que elas não serão “marxistas” no sentido clássico - dogmático - do termo. O marxismo, enquanto quadro revolucionário, evoluiu. Não emergirá mais do século XX do que o pobrezinho do Marx emergiu do século XIX. E é precisamente porque as revoluções do futuro não serão “marxistas” no sentido dogmático do termo, que elas... serão mais profundamente marxistas do que nunca antes na história... A revolução vindoura será A REVOLUÇÃO PROLETÁRIA INTERNACIONALISTA.
Nota: Entendemos por
"marxistas" o que todas as velhas "esquerdas" do
mundo capitalista, sedentas de poder, entoavam.
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/256366
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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