31 de Julho
de 2024 Robert Bibeau
Fonte: O blog da fontainedelapolitique
Sistema Planner – sistema
de mercado
A segunda volta das
eleições francesas foi uma surpresa: da divisão da França em dois campos surgiu uma França
dividida em três blocos. E a "combinação" está bem encaminhada.
Nas observações do meu último artigo, expus a divisão social na base da
ascensão do RN, examinaremos aqui os outros partidos.
A evolução dos países desenvolvidos segue a dos meios de produção e de
troca. Marx e Engels deram um modelo para isso, o capitalismo, que surgiu do
seu estudo aprofundado da produção do século 19. Desde então, os
desenvolvimentos técnicos e organizacionais trouxeram a sua parcela de mudanças
para as classes operária e burguesa. A primeira dividia-se em operários
especializados que assumiam mão de obra material sem iniciativa e operários
qualificados que mantinham um certo know-how. Face aos consideráveis investimentos
da grande indústria, o capital tornou-se colectivizado e os operários foram
chamados a assegurar a gestão das grandes empresas.
Sem entrar em mais detalhes, a Segunda Guerra Mundial trouxe o desenvolvimento do primeiro computador, sendo que os computadores seguintes, cada vez mais potentes, virão a ser os auxiliares essenciais para a automação de máquinas e a gestão de empresas que se tornaram holdings. O processo foi analisado por J.K. Galbraith, de quem tomo emprestado o título deste artigo. No seu livro La science économique et l'intérêt général, publicado em França em 1974, o economista americano considera que as sociedades modernas dividem-se num "sistema de planeamento" que concentra o trabalho de gestão e sub-contrata as tarefas materiais da produção ao "sistema de mercado", sujeito à livre concorrência. "Não seria exagero dizer que o negócio no sistema de planeamento consiste essencialmente na negociação de contratos." Como conselheiro do Presidente Clinton, Galbraith encorajou-o a ter em conta as queixas que estavam a surgir do sistema de mercado.
Talvez o conselho não tenha surtido todo o efeito, porque 30 anos depois, em 2004, Galbraith publicou The Lies of Economics, sobre o qual ele próprio diz: “Este ensaio pretende mostrar como, dependendo das pressões financeiras e políticas ou das modas do momento, os sistemas económicos e políticos cultivam a sua própria versão da verdade. Uma versão que não tem qualquer relação necessária com a realidade”. O seu pequeno livro de 80 páginas é, por assim dizer, o seu testamento, no qual passa em revista todas as mentiras contadas pelos actores dominantes do sistema de planeamento. Hoje, quando a sociedade continua a seguir o mesmo caminho, vale a pena lê-lo com atenção, se quisermos compreender a origem das mentiras dos poderes políticos e económicos. Em primeiro lugar, como sublinha o título, está a economia, que os economistas ousam proclamar ser uma ciência para tornar inevitáveis as suas decisões. Ficamos também a saber: “O poder sobre a empresa pertence à equipa de gestão, uma burocracia que controla o seu trabalho e a sua remuneração. Remunerações que se aproximam do roubo”, etc., etc,
Cidadão dos Estados Unidos e consciente da reputação do marxismo no seu país, Galbraith evita qualquer referência às ideias de Marx e, em particular, à noção de classe. A sua excelente análise de dois sistemas deve ser completada por uma análise das divisões sociais no interior de cada sistema. Infelizmente, a vida política em França está completamente distorcida por instituições que privilegiam o estudo da luta dos indivíduos por lugares em detrimento do estudo dos interesses de classe.
A dicotomia de Galbraith é simplesmente a extensão a toda a sociedade da divisão do trabalho humano em trabalho intelectual (o sistema de planeamento) e trabalho material (o sistema de mercado). Como Marx e Engels a descreveram: “A divisão do trabalho só se torna realmente uma divisão do trabalho quando ocorre uma divisão do trabalho material e intelectual”... “pois, através da divisão do trabalho, torna-se possível, e de facto acontece, que a actividade intelectual e material, o gozo e o trabalho, a produção e o consumo sejam partilhados por diferentes indivíduos” (“A Ideologia Alemã”). Socialmente, o trabalho intelectual concentra-se nas cidades, nos gabinetes do sistema de planeamento (sociedades anónimas, profissões liberais, serviços do Estado, etc.) e Galbraith pode falar da burocracia das sociedades anónimas.
As eleições legislativas têm evidenciado a
preponderância do RN, excepto nas grandes cidades. Pela sua influência entre os operários,
camponeses e comerciantes, este partido não está longe de cobrir o sistema de
mercado. A coligação que se formou contra ela inclui a burocracia das
sociedades anónimas, e também os remanescentes das classes em desaparecimento,
e mesmo os trabalhadores do sistema de planeamento cujas condições de trabalho
são próximas das do sistema de mercado (trabalhadores de colarinho branco e
pequenos funcionários públicos).
Desta análise muito sumária, emerge a distância entre os resultados eleitorais e as realidades sociais. Graças a uma propaganda desenfreada, a desistências anti-naturais e talvez também a proxies, a burocracia das sociedades anónimas conseguiu, sem sequer se revelar, ver rejeitadas as exigências do sistema de mercado. Vitória de Pirro, porque: Quem se encarregará das queixas que surgem deste sistema? Assistiremos a uma batalha entre os vencedores, cheia de mentiras e traições, para levar à continuação da política seguida durante décadas em benefício das multinacionais, ou seja, de uma aliança dos europeístas. O mais cornudo no caso é provável que seja a LFI; O discurso de Mélanchon na noite da segunda volta foi dirigido aos seus aliados. (Veja o texto de Castelnau abaixo ou aqui: https://reseauinternational.net/victoire-de-la-gauche-le-7-juillet-une-legende-urbaine/
Na Nova Frente Popular, existe evidentemente um certo braço de ferro entre os ecologistas-socialistas e os comunistas-insubordinados. Todos eles retiram a sua força dos trabalhadores do sistema de planificação: os primeiros, europeístas, relativamente próximos da direcção, os segundos atentos às necessidades dos assalariados que têm de desempenhar tarefas materiais (secretariado, manutenção das instalações, etc.). Os primeiros não têm qualquer aversão aos macronistas, enquanto os segundos, devido às suas condições de trabalho, deveriam sentir-se solidários com todos os pequenos do sistema de mercado; infelizmente para eles, deixaram-se persuadir de que estes últimos são a peste castanha e encontram-se isolados, sem meios de pressão. (Reler duas vezes esta visão penetrante da luta de classes através das mascaradas eleitorais. ).
Com o Ensemble, estamos a aproximar-nos
dos limites da dicotomia analisada por Galbraith, porque toda uma parte das
velhas classes do capitalismo permanece. Enquanto o Renaissance e o Horizon, fervorosos macronistas e europeístas, são
a nata da burocracia empresarial, o Modem está mais na linha
radical-socialista. Mas a única perspectiva para os partidários do Modem, tal
como para os do LR, é a sua queda nas pequenas empresas do sector do mercado, e
tentam adiá-la aderindo aos partidos do sistema de planificação, com excepção
do ramo Ciotista, que deu o salto para a RN.
A tudo isto, há que acrescentar o ambiente político em que o vocabulário distorce a realidade: os adjectivos esquerda ou direita, na sua acepção actual, ainda estão no século XIX. Para mim, os conservadores são os macronistas (direita) e os reaccionários LR (extrema-direita). A peste castanha perdeu há muito tempo o seu pilar social: a indústria mecânica taylorizada do período anterior à Segunda Guerra Mundial, e os pequenos grupos que se inspiram nela são, na realidade, uma extrema-direita reaccionária sem futuro: o seu núcleo na RN deverá desmoronar-se com as ambições presidenciais de Marine Le Pen e a presença dos cerca de trinta deputados europeus que têm assento em Bruxelas. Desde a guerra da Argélia e o fim da SFIO que sabemos que o PS é um partido de direita. Para os ecologistas, é difícil ser mundialista e opositor das multinacionais.
A Nova Frente Popular, como o seu nome indica, ainda acredita estar no tempo de Blum, Thorez e Herriot, quando os leninistas, que se tinham tornado estalinistas, eram o obstáculo a ultrapassar. Hoje, os aliados estão mais ou menos na armadilha da concorrência livre e não falseada e não falam em sair dela. Estará o LFI pronto para ajudar os seus aliados e vice-versa? Duvido.
Tendo em conta as instituições da V República, toda a gente só pensa nas eleições presidenciais e em todas as andorinhas que todos vão ter de engolir para se encaixarem num todo grande e duradouro. A única lógica política seria juntar os explorados: os produtores do sistema de mercado e as mãos pequenas do sistema de planeamento, ou seja, os Insoumis e a RN. A dificuldade é evidente. De momento, estamos num estado de endurecimento e as mentiras da economia estão a florescer. Não sei, nem ninguém sabe, se os programas da LFI e da RN conduziriam a uma catástrofe económica. O que sabemos com certeza é que a política de apoio à burocracia das sociedades anónimas, prosseguida durante décadas, conduziu à desindustrialização e ao endividamento excessivo da França.
Nota: Régis de
Castelnau não propõe outra coisa que não seja LAFONTAINE (acima) quando
denuncia o parêntesis encantado oferecido a Macron pela traição de Mélanchon
LFI (abaixo)
Por Régis de Castelnau, em https://reseauinternational.net/victoire-de-la-gauche-le-7-juillet-une-legende-urbaine/
Desde o início, Emmanuel Macron está determinado a utilizar os Jogos Olímpicos de Paris em seu próprio benefício. Menos por razões de objectivos políticos precisos do que pela encenação, susceptível de satisfazer o seu narcisismo doentio. A sua derrota, a 9 de Junho, nas eleições europeias, seguida da sua derrota, a 30 de Junho, na primeira volta das eleições legislativas, mudou tudo isso. Felizmente para ele, a mobilização de todas as componentes da chamada “Nova Frente Popular” permitiu ao seu movimento salvar mais de 100 lugares que todas as sondagens previam que perderia. Graças a Jean-Luc Mélenchon, Emmanuel Macron encontra-se agora numa posição muito menos incómoda do que o previsto. A reeleição de Yael Braun-Pivet para a presidência da Assembleia Nacional foi uma demonstração clara disso mesmo, permitindo ao chefe de Estado empatar enquanto espera pelos acordos de bastidores que permitam ao “bloco central” instalar uma maioria absoluta ou relativa, seja qual for o caso.
O interlúdio encantado oferecido a Macron
Os Jogos Olímpicos ofereceram-lhe assim um “interlúdio encantado” que ele tentará utilizar para levar a cabo a sua operação e sair de uma situação difícil. Este interlúdio começou com a “cerimónia de abertura”, cujo conteúdo e as controvérsias que se seguiram demonstraram a dimensão da crise política que vivemos actualmente. Este evento foi confiado pelo Estado a artistas da corte, que cumpriram o que lhes foi pedido. Uma sucessão de quadros mais ou menos bem sucedidos, intercalados com sequências no mais puro estilo woke, para enviar uma mensagem clara: a França não passa agora de uma província do Império, particularmente submissa, mais interessada num passado nacional desaparecido, e abraçando uma cultura de origem americana nos seus aspectos mais ineptos. O que é exactamente a posição do próprio Emmanuel Macron.
A caricatura do quadro de Leonardo da Vinci sobre a Última Ceia cristã, por exemplo, deu origem a uma polémica mundial. No nosso país, as primeiras reacções de indignação dos sapos tradicionais chamaram a atenção da pequena burguesia de “esquerda”. Estes apressaram-se a defender a cerimónia e a reivindicá-la como sua. E, depois, a fazer seus os Jogos Olímpicos, transformando-os no seu “evento”. Basta ler o Libération, que não tem palavras suficientemente fortes para elogiar a feira olímpica, adornando-a com todo o seu esplendor. Trata-se de uma manobra táctica interessante, pois permite-lhe manter-se no centro das atenções e continuar a reivindicar o lugar de primeiro-ministro e a nomeação do seu “candidato” pelo chefe de Estado. Continuando a afirmar que o NFP “ganhou” e que Macron é “obrigado” pela Constituição a nomear Lucie Castets como primeira-ministra. Só que estes encantamentos são lendas urbanas.
A vitória da esquerda, uma lenda urbana
Em primeiro lugar, a primeira mentira. O programa da NFP foi aprovado pela
maioria dos franceses e deve, por conseguinte, ser aplicado. O que determina o
equilíbrio do poder político numa democracia representativa com um sistema
eleitoral uninominal a duas voltas são os resultados da primeira volta. Em 30
de Junho, o programa da Frente Nacional e dos seus aliados obteve cerca de 34%
dos votos expressos. A aliança eleitoral da Nova Frente Popular e o seu
programa obtiveram 27%. Afirmar que a aprovação do programa da NFP é
maioritária é falso: nem sequer está em primeiro lugar, pois está a 7 pontos do
da RN. A aliança eleitoral da “esquerda” passa a ser a mais numerosa em termos
de deputados após a segunda volta, mas em termos de “grupos”, que são
instituições organizadas no seio da Assembleia, é mais uma vez o RN que tem a
maioria. Se olharmos para a aliança eleitoral e não para a composição dos
grupos, a NFP fica a quase cem deputados da maioria. Assistimos a vitórias mais
sólidas.
Depois, segunda mentira. Emmanuel Macron é obrigado a respeitar a
democracia (!) e a nomear um primeiro-ministro apresentado pela NFP. Alguns
chegam mesmo ao ponto de afirmar que, ao não o fazer, está a violar a
Constituição! Uma leitura atenta do texto fundamental não nos permite saber em
que artigo se baseiam. Mais subtil é a invenção de uma "tradição"
republicana que obrigaria o Presidente da República a nomear um
primeiro-ministro da mais numerosa aliança política. Mais subtil talvez, mas
ainda é um absurdo. Não existe essa tradição na aplicação da Constituição de
1958. Houve três co-habitações, em que a maioria parlamentar era contrária à
que apoiava o Presidente da República, e é precisamente porque essa maioria era
maioritária: Jacques Chirac, depois Édouard Balladur e depois Lionel Jospin
foram nomeados por François Mitterrand e Jacques Chirac, que sabiam que seriam
maioritários!
Mais uma vez, a terceira mentira. O caso particular de Élisabeth Borne não
pode servir de base para a invenção de uma nova "tradição
constitucional". Neste ponto, recorde-se que num sistema parlamentar,
mesmo racionalizado, como o da Constituição de 1958, o Presidente nomeia o
Primeiro-Ministro, mas é o Parlamento que o escolhe. Ou aprova e aceita essa
nomeação, ou derruba-a. Foi o que aconteceu com Élisabeth Borne que, na
ausência de uma moção de censura, teve sempre uma maioria que lhe permitia
governar.
Bloco
central, o regresso
Por fim, a quarta mentira. Foi a maior aliança eleitoral que "ganhou" as eleições. Quando olhamos para o resultado de 7 de Julho, esta afirmação é ridícula. Existe, obviamente, uma divisão a três e é evidente que ninguém ganhou. Então, o que é que o Presidente da República deve fazer? Claro que se estivesse preocupado com os interesses do país, o que obviamente não é o caso de Emmanuel Macron. E é aqui que devemos regressar à dimensão da república parlamentar que a França é hoje. Utilizando a verdadeira tradição republicana que serviu de base ao funcionamento da III e IV Repúblicas. A responsabilidade dos presidentes sempre foi oferecer o cargo a um candidato que provavelmente constituiria a maioria no Parlamento. Os regimes, parlamentar da III e da assembleia da IV, tiveram que gerir situações políticas fragmentadas que deram origem a maiorias oportunistas, nos corredores das assembleias. Os presidentes do conselho só eram nomeados se garantissem ao presidente que constituíam maioria no Parlamento. Foi exactamente isso que De Gaulle fez em 1958. Só aceitou a nomeação de René Coty depois de ter conduzido negociações nos bastidores que lhe permitiram comparecer perante a Câmara e obter um voto de confiança. E a Coty só o nomeou porque ele também tinha essa garantia. Num sistema parlamentar, as coisas acontecem nesta ordem. E é nesta ordem que acontecerão, transformando os castores que não veem em avestruzes.
Assim, depois de activistas feministas terem chamado a reeleger Darmanin, descrito alguns dias antes como um violador horrível, e de activistas sindicais terem apressado a reeleição de Madame Borne, a destruidora do sistema de pensões, a “esquerda” continua os seus encantamentos sobre a sua por assim dizer vitória. O que implicaria que Emmanuel Macron nomeasse a caricatura arrogante de um membro da casta, do nada que lhe apresenta.depois de ativistas feministas terem apelado à reeleição de Darmanin, que tinha sido descrito alguns
Até ao momento em que,
em coerência com o seu voto de 7 de Julho, fará o que sempre fez, sobretudo
desde 2017.
Para ajudar Macron a prosseguir o seu projeto.
fonte: Vu du
Droit
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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