por Mouna Alno-Nakhal
Recorde-se que, a 28 de Junho, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, declarou o
seu desejo de renovar os seus encontros amigáveis com o Presidente Bashar
al-Assad, tal como no passado, apesar de, desde 2011, ter sido a ponta de lança
da destruição da Síria e o cúmplice extremamente eficaz da coligação
NATO-árabe-sionista.1
Desde então, o Presidente turco tem tentado travar aqueles que se opõem violentamente à sua vontade de abertura à Síria, sejam eles sírios deslocados ou terroristas e mercenários armados do Norte da Síria, tal como tem tentado acalmar as atitudes racistas que explodiram contra os refugiados sírios na Turquia.
A 7 de Julho, renovou o desejo de um encontro com o Presidente
sírio a bordo do avião em que regressava de Berlim, onde assistiu ao jogo
perdido pela sua selecção nacional no Euro-2024. Segundo Al-Mayadeen2, a essência desta segunda mensagem resume-se a dizer
que estava pronto "a
qualquer momento para convidar o seu vizinho Bashar al-Assad para Ancara", argumentando que o Presidente russo, Vladimir
Putin, e o primeiro-ministro iraquiano, Muhammad al-Sudani, estavam a trabalhar
para este encontro "na
Turquia". E acrescentou: "Assim que Bashar al-Assad der um passo
no sentido de melhorar as relações com a Turquia, iniciaremos uma resposta
apropriada (...) Israel deve abandonar as suas intenções de semear o conflito
na região e os Estados ocidentais, incluindo os Estados Unidos, devem deixar de
apoiar Israel para esse fim."
A 8 de Julho, o diário sírio Al-Watan titulava: "O corpo de um dos mercenários sírios de
Ancara do Níger chega a Idlib»3. 550 mercenários sírios enganados, retirados por
Erdogan das milícias armadas a seu favor [que teve a coragem de chamar de
"Exército Nacional Sírio"], enviados desde Abril de 2024 em dois
lotes sucessivos para o Níger para lutar no seu próprio interesse, como tantos
outros anteriormente enviados para a Líbia e o Azerbaijão.
Nestas condições, é
difícil não compreender o silêncio das autoridades sírias; o Presidente sírio,
consciente do papel primordial da geografia do seu país, declarou de uma vez
por todas a sua abertura a todas as iniciativas relacionadas com as relações entre
a Síria e a Turquia, mas que "a condição fundamental de qualquer diálogo sírio-turco
é a declaração de Ancara da sua vontade de se retirar de todo o território
sírio e de pôr termo às suas actividades terroristas".
Mas, como todos sabem, para Erdogan, os únicos
"terroristas" são os curdos do PKK e, a 11 de Julho, a agência
noticiosa do Governo turco, Anadolu,
disse-nos que Erdogan espera que os aliados da NATO adoptem uma abordagem não
discriminatória na luta contra o terrorismo4 ; e a TRT Afrika, uma
subsidiária da principal emissora de serviço público da Turquia, também nos
disse que a Cimeira da NATO de 2024, realizada em Washington de 9 a 11 de Julho,
responde às preocupações da Turquia!?5
A 12 de Julho, foi mais uma vez a bordo do avião em que regressava
da cimeira da NATO de 2024 que Erdogan disse: "Queremos a paz na Síria e esperamos que
todos aqueles que estão do lado da paz apoiem este apelo histórico (...) Uma
paz justa beneficiará sobretudo a Turquia... O Ministro dos Negócios
Estrangeiros turco está actualmente a discutir com as partes interessadas o
estabelecimento de um roteiro...".6
Mas na noite de 12 de Julho, o ministro iraquiano dos Negócios Estrangeiros,
Fuad Hussein, já tinha anunciado, a partir de Washington, que tinha sido
alcançado um acordo de princípio com a Síria e a Turquia para a realização de
uma reunião dos líderes dos dois países na capital iraquiana, Bagdade. Uma
reunião cuja data será marcada após o seu regresso ao Iraque.7
Bagdade seria o local ideal para uma
cimeira entre a Turquia e a Síria, caso as reuniões preliminares dos líderes
dos dois países dissipassem as dúvidas dos sírios, como esperava Nabih
al-Bourgi no seu editorial de 9 de Julho8 que
traduzimos abaixo:
“Se a cimeira entre Bashar al-Assad e Recep Tayyip Erdogan se realizar em
Bagdade, será o local ideal, uma vez que a Síria e o Iraque são os dois únicos
países árabes que fazem fronteira com a Turquia, que sofre com o problema curdo
dentro e fora destas duas fronteiras. Uma região onde os rios se dividiram ou
uniram ao longo do tempo.
A escolha de Bagdade pode parecer estranha, dado que esta capital dos
Abássidas esteve frequentemente em conflito, por vezes sangrento, com a capital
dos Omíadas, Damasco, mesmo quando se uniram sob a bandeira de um único
partido: o “Partido Baath”.
Um conflito político ou histórico que se transformou num conflito
ideológico com uma dimensão filosófica problemática, ao ponto de a relação
entre Damasco e Bagdade ter sido comparada à relação entre Moscovo e Pequim sob
a bandeira comunista. De facto, John Foster Dulles, que em 1957 lançou a
“Doutrina Eisenhower” destinada a impedir o desenvolvimento do comunismo no
Médio Oriente, apelou ao estabelecimento de um “muro do inferno” entre a Síria
e o Iraque.
Aquando do Congresso de Viena (1815), que visava reformular as relações e
os mapas europeus após a era bonapartista, o chanceler austríaco Clemente
Metternich declarou: “Fechem bem as
janelas para que os uivos da História não nos alcancem”. Acontece que a
história da nossa região é pesada e desgastante, que não nos faz avançar, mas
sim recuar. E a ideologia está a substituir a linguagem das concessões pela
linguagem das cavernas, o que resume a calamidade de que estamos a sofrer: a
inconsciência do invisível.
Todos sabemos que o Presidente turco pensou poder aproveitar os conflitos
geopolíticos e até tribais para relançar o Sultanato, mas que ignorou
estupidamente que o Ocidente e o Oriente se oporiam ao Sultanato, que manteve
os árabes congelados (ou no obscurantismo:Ndt) durante cerca de quatro séculos.
Sabemos também que o Presidente turco que se referiu ao Presidente sírio
como um “querido irmão” afogou toda a
Síria em sangue, pelo que o aperto de mão entre os dois presidentes promete ser
um momento emocionante.
Hoje, a Turquia está em declínio económico e o homem que dirige a “Sublime Porte” pode ser vítima disso,
uma vez que os Estados Unidos podem empurrá-la ainda mais para baixo, se assim
o desejarem. Isso pode acontecer se o Presidente Erdogan prosseguir o seu
encontro com o Presidente Al-Assad. Mas não dizem os turcos que quem salvou
Erdogan do “golpe americano” de 2016 foram os iranianos e os russos, e que são
eles que tentarão protegê-lo se os americanos tentarem destituí-lo, sobretudo
depois do declínio dramático da popularidade do seu Partido da Justiça e do
Desenvolvimento (AKP)? Um declínio que foi claramente evidente nas últimas
eleições legislativas na Turquia.
Não há dúvida de que Erdogan continua a ser uma figura que suscita muitas
questões. Quem sabe onde estão os seus pés, ou mesmo onde está a sua cabeça? Às
vezes está à porta da Casa Branca, outras vezes à porta do Kremlin. Às vezes
dança no gargalo da garrafa, outras vezes no fundo. Como é que Assad pode
confiar nele antes de se comprometer a retirar o seu exército do território
sírio, enquanto se prepara para chegar a acordo sobre uma fórmula contratual
que garanta a segurança dos dois países de forma paralela e equilibrada?
Seja como for, já não está em causa que as garras otomanas continuem a
atacar a Síria, ferida e sob o cerco mais severo da história, para obrigar
Bashar al-Assad a transformar Damasco num subúrbio de Jerusalém. O que o pai
al-Assad rejeitou, o filho al-Assad não pode aceitar. Ambos encarnam a alma
síria, o seu orgulho nacional e patriótico.
E agora os interesses da Síria e da Turquia estão a unir-se mais do que nunca. Os Estados Unidos da América estão a atravessar uma crise interna e uma crise externa. E Israel, o Estado louco, tornou-se um Estado cego.
No início da crise síria, Vladimir Putin
disse: “A nova ordem internacional vai emergir de Damasco”. Será que vai surgir
uma nova ordem regional a partir de Bagdade, em estreita relação com o Irão e a
Arábia Saudita?
Fonte: Moyen-Orient : Un nouvel ordre régional émergera-t-il de la rencontre de Bagdad ? – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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