O MATERIALISMO TURÍSTICO É A ANTÍTESE BURGUESA DO MATERIALISMO HISTÓRICO |
Não
há dúvida de que aquilo a que chamamos turismo tem sido um campo de
homogeneização e banalização no mundo moderno. Sabemos algo sobre isso em
Espanha. E também noutros países. E assim... bem, acontece que o turismo é uma
das grandes indústrias do mundo moderno. Como sociólogo, pediram-me para
estudar este fenómeno, até para dirigir um inquérito internacional sobre o
turismo, o que é bastante curioso. Mas é uma... é talvez a principal indústria
do capitalismo moderno, tanto como o petróleo e o aço. Não sei se, se
tivéssemos de ordenar as indústrias por ordem de importância, o turismo não
estaria em primeiro lugar. E a bacia do Mediterrâneo, invadida pelo turismo,
levanta algumas questões bastante sérias: [O turismo é] um dos grandes
fenómenos de massa do nosso tempo.
Henri Lefebvre (1901-1991), em 1975, ao microfone do programa Radioscopie.
.
YSENGRIMUS — Cinquenta anos
depois, as observações terrivelmente prosaicas de Henri Lefebvre que colocamos aqui na
abertura confirmam, já em 1975, o crescente alcance da hegemonia turística.
Estas observações do autor de A Produção do
Espaço (1974) giram em torno de um dos seus principais aforismos da época,
sobre a questão: o turismo
transmite banalidade. De facto, na visão dos pensadores do
século passado (nomeadamente Claude
Lévi-Strauss, Henri Lefebvre e Guy Debord), o turismo é a mundialização
do mundo perdido. Apenas se afirmam as aventuras da repetição, cuidadosamente
elaboradas e circularizadas. Esta situação mantém-se hoje em grande escala.
Tornou-se tão integral que, desde há muito tempo, existe mesmo uma indústria
turística baseada na fuga aos circuitos turísticos. Um turismo off Brodway (fora do circuito), de certa forma tão falso como os outros, naturalmente. Seja ele radical,
ecológico, desportivo, naturista, gastronómico ou etnográfico, o turismo
continua a ser a quintessência, cada vez mais declarada, da sociedade do
espectáculo. Nada nem ninguém mostra o mundo, enquanto a dinâmica
turística impuser a sua lei. Enquanto o único turismo sincero e honesto for o
turismo abertamente saqueador, isto é, o turismo que se apodera sem pudor do
sol, das praias, dos frutos exóticos e das paisagens pitorescas, negando-lhes e
cortando-lhes a vida histórica. O turismo é o roubo da parte da propriedade que
não pode ser exportada e, portanto, não pode ser extraída. Todo o turismo mata
a agricultura (de subsistência ou compradora) tanto quanto mata as juntas. Numa palavra, o
turismo é uma teoria do espectáculo feita de carne, de pedra, de lago e de rio,
que estrangula discretamente todo o desenvolvimento. Isto porque o materialismo
turístico é a antítese aberta e escandalosamente burguesa do materialismo
histórico.
O
turismo transmite banalidade. Tal afirmação é marcante hoje pelo seu
carácter levemente suave, insípido, discreto, matreiro e diáfano. Um bom número
de comentadores do século passado, jornalísticos ou não, tinha feito observações
semelhantes, mais ou menos na mesma altura e mesmo antes. Estas pessoas de bem,
fortemente emulsionadas pela efervescência dos Gloriosos anos trinta, exclamavam que o
turismo transportava maciçamente, por todo o mundo, o pesado grosseiro de maneirismo
ocidental. Hoje,
trata-se, de facto, da banalidade, da palermice e do comportamento piroso dos turistas que
afluem ao mundo. É
bastante decepcionante que essas atitudes mentais e comportamentais sejam
literalmente a menor das preocupações trágicas das áreas turísticas
contemporâneas. A modernização, muito maciça e muito niveladora, que foi
apreendida e temida pelo nosso excelente Henri Lefebvre do século passado,
está hoje solidamente estabelecida, banalizada (essa palavra novamente),
especialmente nas áreas turísticas. E serve simultaneamente de aglutinador e de
catalisador das actividades de viagem e de entretenimento contemporâneas. O
nivelamento das condições de concorrência, primeiro pela ocidentalização e
depois pela sinicização... a mundialização, em todo o caso... a terciarização,
a uniformização... já não é o principal problema do turismo. Este fenómeno de
massa está agora realizado. Este capítulo, brutal e silencioso, já foi escrito.
A mesa está posta para os turistas, e é uma mesa fundamentalmente unitária,
unificada e mundializada. No nosso tempo, o turismo já não está de facto
confinado a uma situação de banalização. Está a estagnar a um nível ainda mais
profundo, numa clausura de folclorização aberta e de museologização activa, com
imensas consequências práticas. Céus, não deixe que o oiçam, já não se trata de
dizer que o turismo, no seu descuido invasivo, nos impõe o seu simplismo e o
seu tédio, venenos lentos de tudo o que pode permanecer extraordinário neste
mundo. O turismo já não está a banalizar mentalmente o mundo. Pelo contrário,
está a destruí-lo materialmente.
Por vagas, o turismo está bem e verdadeiramente à beira de estragar a parte do mundo que via nos seus sonhos. Assegura incansavelmente o esmagamento unidimensional da vida social das áreas que invade. E tudo isto vai muito além da simples hegemonia ideológica que outrora preocupava Henri Lefebvre, Claude Lévi-Strauss e os pensadores deste tipo, etnólogos e sociólogos dos tempos de outrora. Hoje, está a tornar-se uma questão pura e simples de ambiente, uma questão de segurança, até. Os sites são brutalmente comprometidos, apenas pelo acúmulo de pessoas boas que, na recorrência, querem ir e divertir-se alegremente. O destino dos sonhos tornou-se a lata de lixo do mundo e o grito que agora prevalece é o da noção de excesso de turismo. O que antes aparecia aos intelectuais e cogitadores de todos os tipos como um problema da ideia, do conhecimento, da atitude, de uma dolorosa dinâmica de pensamento, de uma deriva consumista efémera, de um desvio colectivo de comportamentos e práticas, hoje tornou-se incrivelmente material e, sobretudo, comercial, no sentido duro, áspero e concreto do termo. Há, de facto, um materialismo turístico que se transmite através da matéria do próprio turista, pelo seu corpo, pela sua presença, pelo que consome e privilegia, pelo que impõe e pelo que aplaude, pelo que pisa e pelo que devora. Henri Lefebvre viu claramente quando falou de uma indústria tão importante como o aço e o petróleo. Tão importante... e também poluente. Maximamente prejudicial.
Teremos que começar a pensar em problematizar criticamente os locais
turísticos, um pouco como procedemos, colectiva e implicitamente, a
problematizar criticamente as dinâmicas climáticas. O excesso de turismo tornou-se uma das
principais questões na destruição implícita do mundo multipolar de amanhã.
Temos de começar a pensar seriamente nisso, como trabalhadores e como
consumidores. Do Velho Quebeque a Samarcanda, passando por Barcelona, é agora óbvio que um
tipo muito particular de emergência ambiental está a surgir em quase todo o
lado num contexto turístico, uma emergência ambiental humana, colectiva,
sócio-histórica. E essa urgência é precisamente aquela que, muitas vezes, o
nosso ambientalismo contemporâneo misantrópico e hipernaturalista tende a
deixar de lado. É mais do que tempo de nos empenharmos seriamente na
racionalização e de zelarmos por um racionamento do turismo. Alguns países
estão também a começar timidamente a fazê-lo, encerrando certos locais
sensíveis, durante períodos horários ou sazonais, para abrandar a sua
deterioração involuntária por submersão humana artificial. Mas aproxima-se o
dia em que teremos de fazer muito mais do que isso. Algo como... Uma
autocrítica colectiva, talvez?
Lembremo-nos de Tristes Tropiques, de Claude
Lévi-Strauss. Esses mundos longínquos, essas estruturas tribais a
que aspiramos, para podermos supostamente encontrar as raízes de um
primitivismo que nos redefine, são inatingíveis. Fogem para a frente como
miragens. Não os encontraremos, os totens e os tabus de todas as nossas
fantasias etnocêntricas bem intencionadas. Não existem. Desapareceram há muito
tempo. Nós próprios destruímo-los em grande parte, simplesmente por fazermos
esta busca ilusória, alienada e parasitária. Tudo o que fizemos foi perturbar,
sem compreender. E, sobretudo, perpetuámos a amplificação da destruição. E ao
insistirmos colectivamente, cegamente, como estamos a fazer neste momento,
estamos a entrincheirar-nos numa dinâmica que se contradiz a si própria.
Consideremos a seguinte imagem naturalista imperfeita. Certas bactérias nunca
chegaram à superfície da Antárctida. Um belo dia, decidimos saltar de
para-quedas, para finalmente pôr os dedos e as narinas à volta deste continente
limpo, límpido, ambientalmente puro, livre de todas as nossas bactérias. Mas
assim que aterramos na mais pequena superfície de gelo do lugar idealizado, as
nossas botas, as nossas roupas, o nosso comportamento e as nossas acções
infectam esse território com os mesmos germes que esperávamos não encontrar
ali. Este simbolismo biológico é tão terrível quanto fatal. Não há solução
intelectual ou material para este facto implacável. Nunca saímos da auréola da
nossa subjetividade sócio-histórica modificadora, perturbadora e destruidora. E
antes que o Evereste se transforme numa lixeira e num ferro-velho, talvez seja
altura de voltar a pensar nas belas palavras de Voltaire: temos de cultivar o nosso jardim.
Em termos de turismo, isto significa que talvez tenhamos de pensar em
rearticular a dimensão turística das nossas vidas curiosas e inquisitivas em
torno de actividades locais, descobertas locais, neo-regional e auto-folclore.
Trata-se de um vasto programa, ainda largamente inexplorado. E, sobretudo,
filósofos de outrora, há aqui um sentido de urgência que, pelo drama nefasto
que lhe está subjacente, não tem absolutamente nada a ver com... banalidade.
O turismo de amanhã pode ser simplesmente o de Balconville.
Fonte: Au siècle dernier, le TOURISME banalisait le monde, aujourd’hui, il le saccage – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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