quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Outro olhar sobre a Argélia (Daoudi)

 


 1 de Agosto de 2024  Robert Bibeau 

Por Farid DAOUDI, jornalista-ensaísta.

Após a leitura de um texto sobre os problemas culturais na Argélia (1), torna-se essencial explorar dois conceitos cruciais para a nossa sociedade: o direito à crítica e a liberdade de pensamento crítico. Embora intimamente relacionadas, estas duas noções representam conceitos distintos. Este artigo pretende explicar estas diferenças, a sua importância e a sua situação actual na Argélia.

Direito crítico e liberdade crítica: quais são as diferenças?

O direito à crítica refere-se à liberdade de expressar opiniões sobre vários assuntos, como a política, a sociedade ou a cultura. Este direito é fundamental porque permite a todos participar activamente nos debates públicos e influenciar as decisões que os afectam. Na Argélia, embora este direito seja reconhecido pela Constituição, o seu exercício pode ser complicado. Os jornalistas e os cidadãos que criticam abertamente o governo podem ser objecto de acções judiciais ou de intimidação.

A liberdade de pensamento crítico, por outro lado, é a capacidade de pensar de forma independente, de questionar as ideias recebidas e de formar as suas próprias opiniões com base em factos e raciocínios lógicos. Esta capacidade é essencial para uma compreensão profunda do mundo e para tomar decisões informadas. Na Argélia, o desenvolvimento do pensamento crítico é muitas vezes dificultado por um sistema educativo rígido e pela falta de recursos. Os jovens têm poucas oportunidades de desenvolver esta competência, o que limita a sua capacidade de contribuir eficazmente para o debate público.

A principal distinção entre o direito à crítica e a liberdade de pensamento crítico reside nos seus respectivos domínios. O direito à crítica diz respeito à expressão de juízos e opiniões, enquanto a liberdade de pensamento crítico diz respeito à capacidade de analisar e formular ideias de forma independente. Para ilustrar a diferença, imagine o direito à crítica como o direito de falar e a liberdade de pensamento crítico como a capacidade de pensar antes de falar. No entanto, estes dois conceitos estão intrinsecamente ligados. O direito à crítica depende da liberdade de pensamento crítico para ser verdadeiramente eficaz. Sem pensamento crítico, a crítica pode carecer de profundidade e relevância. Por outro lado, a liberdade de pensamento crítico é alimentada por um ambiente onde o direito à crítica é respeitado e encorajado.

Exemplo de liberdade crítica: l'Algérie Aléatoire ver aqui: https://les7duquebec.net/archives/285070

A situação das elites culturais e intelectuais da Argélia ilustra de forma pertinente estes conceitos. Se o povo argelino não lê, as elites culturais e intelectuais deveriam dar o exemplo. No entanto, estas elites são frequentemente ostracizadas ou ignoradas pelos meios de comunicação social, que preferem promover figuras oportunistas e medíocres. Neste contexto, L'Algérie Aléatoire de Farid Daoudi ganha uma nova dimensão, mostrando como a liberdade de informação e de investigação pode ser um instrumento poderoso para descobrir a verdade e promover a mudança.


« L’Algérie Aléatoire »

  https://les7duquebec.net/archives/285070 publicado em Junho de 2023 pelas Éditions Universitaires Européennes ao preço de 400 euros, é um ensaio enciclopédico em quatro volumes que abrange um vasto leque de temas, da história à política, à economia e à sociedade. Concluído em Maio de 2018 e com prefácio de Belkacem Ahcène-Djaballah, o livro distingue-se pela sua abordagem crítica e preditiva. Expõe as disfunções do actual sistema político e económico e os consequentes sentimentos de marginalização e desilusão da população. As análises dos especialistas, acompanhadas de números, permitem ao leitor avaliar a dimensão dos desafios que a Argélia enfrenta. Apesar da riqueza do seu conteúdo, a publicação deste livro foi travada pela relutância das editoras argelinas, que temiam represálias sob a forma de retirada de subsídios. O apoio financeiro do Estado, tal como solicitado por Dar El Othmania, permitiria democratizar este tesouro de conhecimentos e torná-lo acessível ao maior número possível de pessoas. Esta abordagem estaria em perfeita consonância com os princípios de transparência, liberdade de expressão e compreensão mútua defendidos pela nação argelina.

Incentivar o pensamento crítico

A importância deste livro não reside apenas na sua análise crítica da situação argelina, mas também no seu papel como ferramenta para incentivar a reflexão crítica. Mostra como a liberdade de informação pode ser usada para antecipar movimentos sociais e políticos, como o Hirak em 2019, e para incentivar a reflexão crítica sobre o estado da nação. A reacção de Bouteflika em 2011 (“demasiados números! ...”) a uma primeira versão do livro, bem como a relutância dos editores nacionais, sugere que o seu conteúdo pode ser considerado sensível ou crítico do regime actual, levantando questões sobre a liberdade académica e o direito à informação na Argélia.

A crítica de Michel Foucault à relação entre poder e conhecimento, e os conceitos de diálogo e polifonia de Bakhtin, podem esclarecer esta situação. Foucault mostrou como o controlo da informação e da cultura pode ser utilizado para manter o poder. Na Argélia, as elites culturais e intelectuais são frequentemente acusadas de não lerem o suficiente para merecerem o adjectivo de “esclarecidas”. Isto deve-se em parte ao facto de os poderes instituídos preferirem apoiar uma casta intelectual subserviente em vez de uma elite verdadeiramente crítica e livre, perpetuando assim a mediocridade cultural.

Em conclusão, o direito à crítica e a liberdade de pensamento crítico são dois pilares essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade argelina democrática e progressista. Embora reconhecidos em teoria, a sua aplicação prática continua a ser um desafio na Argélia devido a condicionalismos políticos, sociais e educativos. A promoção destes valores exige um compromisso colectivo para reformar os sistemas existentes, proteger as vozes críticas e incentivar a independência intelectual. Em última análise, uma sociedade onde a crítica e o pensamento crítico prosperam é uma sociedade mais justa e mais esclarecida, mais bem preparada para enfrentar os desafios do futuro./ 

Farid DAOUDI, jornalista-ensaísta.

Observação:

(1) Problemas culturais na "nova" Argélia, texto de Kadour Naïmi, https://tribune-diplomatique-internationale.com/2024/problemes-culturels-dans-lalgerie-nouvelle/

 

Fonte: Un autre regard sur l’Algérie (Daoudi) – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




Sem comentários:

Enviar um comentário