terça-feira, 27 de setembro de 2022

O problema da Caxemira no jogo das potências asiáticas

 


27 de Setembro de 2022  René  


RENÉ — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.

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Texto do discurso de René no colóquio Raddho de Genebra, 6 de Março de 2020, (Encontro Africano para a Defesa dos Direitos Humanos), uma associação pan-africana para a defesa dos direitos humanos fundada em 21 de Abril de 1990 em Dakar.


A Índia anunciou em 6 de Agosto de 2019 a revogação da autonomia constitucional de Jammu e Caxemira (13 milhões de habitantes), bem como a sua deslocação. Esta decisão explosiva colocou sob tutela directa de Nova Deli esta região rebelde reivindicada pelo Paquistão.

Esta medida sem precedentes, preparada no maior secretismo pelo primeiro-ministro nacionalista hindu, Narendra Modi, poderia provocar, a mais ou menos longo prazo, uma revolta sangrenta no vale de Srinagar, de maioria muçulmana.

Muitas pessoas nesta região do Himalaia são hostis à Índia e continuam comprometidas com a sua autonomia, que prevalece desde o início da República Federal Indiana há sete décadas.

O primeiro-ministro paquistanês disse numa entrevista a 11 de Outubro de 2021 que a ameaça de conflito sobre o território disputado em Caxemira representa o "ponto de tensão nuclear" mais perigoso do mundo.

Imrane Khan descreveu a Caxemira administrada pela Índia como uma prisão ao ar livre, acusando o seu homólogo indiano, Narendra Modi, de copiar a estratégia de Israel, permitindo que os colonos adquiram terras no território disputado, reivindicado tanto pelo Paquistão como pela Índia desde 1947.
"Dentro da comunidade internacional, a Índia goza da mesma impunidade pelas suas tentativas de alterar o equilíbrio demográfico da Caxemira como Israel goza nos territórios palestinianos ocupados", acrescentou o primeiro-ministro paquistanês.

Uma retrospectiva desta disputa que envenenou as relações entre estes dois países desde a sua independência da tutela britânica em 1948.
https://www.middleeasteye.net/fr/entretiens/imran-khan-interview-cachemire-inde-israel-palestine-occupation-pakistan-nucleaire

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1 - A maldição da geografia

Uma região montanhosa do sub-continente indiano, Caxemira faz fronteira com três potências nucleares – China, Índia e Paquistão – bem como o Afeganistão.

A disputa entre a Índia e o Paquistão sobre Caxemira desde a partilha levou a dois conflitos armados em 1949 e 1965, além da guerra de 1971, que levou à independência do Bangladesh.

Além deste conflito inter-estatal, desde 1989, houve uma revolta interna na Caxemira que deixou dezenas de milhares de mortos.

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A- China: o efeito surpresa

Brincando com o efeito surpresa, na sequência do triunfo da revolução comunista, a China agarrou, sem disparar um tiro, as partes do território de Caxemira localizadas na sua periferia para assegurar o seu hinterland (região pouco povoada e agreste – NdT). Esta anexação ocorreu em meados da década de 1950, quando o exército chinês entrou na parte nordeste de Ladakh.

A Índia e o Paquistão não podiam oferecer a menor resistência ao mastodonte chinês.

Em 1956-57, os chineses atravessaram uma estrada militar através da zona de Aksai Chin para garantir uma melhor comunicação entre Xinjiang e o oeste do Tibete. A Índia fez a descoberta tardia desta estrada na fronteira entre os dois países, levando à Guerra Sino-Indiana de Outubro de 1962.
A China ocupa o Aksai Chin desde o início da década de 1950, além de uma área fronteiriça de quase 8% do território, o Trans-Karakoram Tract, cedido pelo Paquistão à China em 1963.

A presença chinesa é confirmada pelo desenvolvimento de infraestruturas de comunicação. Desde 1957, uma estrada liga Xinjiang ao Tibete (Estrada Nacional 219 da China) e desde 1978 liga Xinjiang ao Punjab.

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2 - Desvantagem quádrupla do Paquistão face à Índia

Muitos observadores tendem a acreditar que a Índia levou a cabo o seu golpe de Estado em Caxemira com o incentivo dos EUA em retaliação pelo alinhamento do Paquistão com a China no projecto OBOR e a passividade de Islamabad nas negociações EUA-Talibãs em Doha com o objectivo de promover a retirada dos EUA do Afeganistão antes da campanha de reeleição do Presidente Donald Trump, em Novembro de 2020.

Com efeito, a revogação unilateral da Índia do estatuto de Caxemira não suscitou, longe disso, protestos internacionais, na medida em que, do ponto de vista comparativo entre os outros dois protagonistas do conflito de Caxemira, o equilíbrio inclina-se claramente para a Índia devido a uma desvantagem quádrupla sofrida pela "terra dos puros" contra o seu rival: política geo-estratégica, histórica, de deficiência em termos de imagem.

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A – Desvantagem Geo-estratégica

Se exceptuatmos o Afeganistão, que está fora da corrida devido à sua dimensão, demografia e poder militar, a relação é claramente desigual entre as três potências fronteiriças com a Caxemira.

Sendo a única potência nuclear da comunidade muçulmana, o Paquistão sofre da sua inferioridade face aos dois Estados continentais da Ásia, China e Índia, tanto do ponto de vista da potência militar, do poder económico, da dimensão do seu território e da sua demografia.
Além disso, o Paquistão é agora apoiado pela China, da qual é um dos seus principais parceiros no projecto "Novas Rotas da Seda" e deve integrar o posicionamento da China no panorama internacional na sua estratégia; A principal razão para o seu silêncio face à absorção da China de um pedaço de Caxemira.

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B- Handicap histórico

Aureolado da filosofia da "não-violência" iniciada pelo guia espiritual da Índia e pai da sua independência, Mohandas Karamchad Gandhi, que fez tombar o Império Britânico na Índia, a Índia é também um membro fundador do "movimento não alinhado", o movimento emblemático do Terceiro Mundo, impulsionando a independência dos povos colonizados na década de 1960-1970.

Por outro lado, o Paquistão, há muito o "guarda-costas" da dinastia Wahhabi, foi membro efectivo da Rede aliança do campo atlântico no âmbito do RCD (Cooperação Regional e Desenvolvimento), a organização sucessora do Pacto de Bagdad, vulgo CENTO, (Tratado Central), o tratado central que agrupa países muçulmanos não árabes (Paquistão, Turquia e Irão) e actua como uma ligação intermédia entre a NATO (Europa-Oceano Atlântico) e a OTASE (Ásia-Pacífico) e o seu ponto de apoio às suas guerras coloniais (Vietname, África, etc.).

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C- Desvantagem Política: Democracia contra Ditadura

A Índia, que se orgulha de ser a maior democracia do mundo, tem sido consistentemente governada por civis, mesmo oferecendo-se o luxo de por duas vezes impulsionar um muçulmano, o primeiro Zakir Hussein, para o cargo mais alto, em 1969, vice-chanceler da Universidade Muçulmana Aligarh, que morreu no cargo;

O segundo Abdul Kalam, em 2002, um cientista, além disso, ponta de lança do programa balístico indiano e apelidado como tal de Homem-Míssil.

Por outro lado, o Paquistão tem sido governado por ditaduras militares (Ayoub Khan, Pervez Mesharraf), cujo magistério foi intercalado com civis, principalmente o clã Bhutto, Zulificar Ali Bhutto e a sua filha Benazir Bhutto.

É certo que os dois países têm sido palco de um sangrento acerto de contas dentro da classe dominante. Na Índia, membros proeminentes do clã Ghandi: o próprio Ghandi, bem como Indira Ghandi, filha de Pandit Nehru, que sucedeu ao seu pai como primeiro-ministro. Mas as duas personalidades foram mortas por co-religiosos num acerto de contas político.
Ao contrário do Paquistão, onde a eliminação da dinastia Bhutto foi feita numa base sectária, na medida em que Zulficar era de fé xiita e, circunstância agravante, a sua esposa iraniana, um crime imperdoável aos olhos dos rigoristas wahhabi.

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D- Desvantagem em termos de imagens.

O Paquistão serviu como base de rectaguarda para os talibãs, os destruidores dos Budas Bamyan, um sinal de grande intolerância religiosa, e o ataque aos símbolos da hiperpotência americana de 11 de Setembro de 2001.

"Guarda-costas" da dinastia Wahhabi, o Paquistão serviu também como base de recuo para o seu potro, Osama bin Laden, líder da Al-Qaeda, a organização terrorista islâmica de dimensão mundial, o seu último refúgio, onde foi morto por um comando americano na sua casa, em Abbottabad, uma área residencial do alto comando militar paquistanês.

Tantas desvantagens que levaram o Paquistão a levar a cabo uma revisão decisiva da sua estratégia, optando por uma parceria com a primeira potência planetária em construcção, a China, contra a Índia, agora 5ª potência económica mundial, ultrapassando em 2019 as duas antigas potências coloniais do continente asiático, Reino Unido e França, propondo mesmo, com a Malásia, para trabalhar para a renovação do Islão. Uma postura nos antípodas de quase 70 anos de rigor inqualificável, que valeu ao Paquistão a sua horrível reputação e grande solidão no caso de Caxemira.

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Epílogo: Existe alguém pior do que um carrasco, o seu lacaio!

Numa visita oficial à Índia em 24 de Fevereiro de 2020, o Presidente dos EUA, Donald Trump, denunciou a cooperação indo-americana na luta contra o terrorismo, numa tentativa de lisonjear o orgulho nacional da Índia como aliado estratégico na Ásia; um potencial contra-peso para o poder chinês.

A declaração do presidente dos EUA ressoou numa opinião indiana escaldada pela destruição dos Budas de Bamyan pelos talibãs, como o sinal do hallali contra os muçulmanos em todo o país.
A sua profissão de fé parecia um pouco demagógica, na medida em que obscurecia o papel dos Estados Unidos na instrumentalização do Islão como arma de combate contra a União Soviética e o papel da "carne para canhão" atribuída pelos americanos a grupos terroristas islâmicos: os Uyghurs contra a China, os chechenos no Cáucaso contra a Rússia, os árabes afegãos contra a União Soviética no Afeganistão, bem como a Al-Qaeda, o Daesh ou mesmo a Irmandade Muçulmana na destruição dos inimigos da hegemonia americana, como parte da estratégia da "faixa muçulmana", a faixa verde do Islão que circunda os rivais dos Estados Unidos: China e Rússia.

Perus eternos da farsa da estratégia ocidental, os países muçulmanos, especialmente o Paquistão, devem lembrar-se desta frase de um dos grandes oradores da Revolução Francesa, Honoré Gabriel Mirabeau: "Existe alguém pior do que um carrasco, o seu lacaio"!


Fonte: La problématique du Cachemire dans le jeu des puissances asiatiques – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice



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